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Prefeito constrói escola e atribui a ela seu próprio nome

Prefeito de Atibaia inaugura escola municipal e atribui a ela o seu próprio nome. A medida foi precedida de alteração legislativa municipal para permitir a atribuição de nome de pessoa viva a bens públicos. Os Tribunais têm considerado que tais iniciativas violam os princípios constitucionais da moralidade e impessoalidade.

17/9/2020

Atibaia, cidade paulista dos morangos e das flores, foi considerada pela UNESCO como a cidade com o segundo melhor clima do mundo, ficando atrás apenas de Davos, na Suíça.1

Nos últimos tempos, o pitoresco município de 144 mil habitantes ganhou destaque no noticiário nacional em razão de dois eventos marcantes: O primeiro envolvia um sítio de um ex-presidente, ou melhor, um sítio de um amigo de um ex-presidente. O segundo episódio envolveu a prisão de um amigo de um presidente. Ou seria um ex-amigo deste presidente?

Atibaia tem um terreno fértil não apenas para flores e morangos, mas para o florescimento da amizade política, principalmente em anos múltiplos de quatro, quando o clima político começa a esquentar.

No último sábado, dia 05 de setembro, foi publicada no Diário Oficial do município2 a lei 4.738/20 decorrente de projeto de iniciativa do vereador professor Fabiano de Lima, que autoriza o chefe do Poder Executivo, prefeito Saulo Pedroso de Souza, a atribuir seu próprio nome à recém-construída escola municipal CIEM 2 – Centro Integrado de Educação Municipal. Trata-se de uma mega obra de primeiríssima linha, com mais de 6 mil m2 de área construída, que atenderá desde o berçário até o ensino fundamental e que custou aproximadamente R$ 25 milhões.

Uma vez recebida a autorização legislativa, a qual é dispensável – pois o chefe do Executivo tem competência para denominar próprios públicos –, o Prefeito não perdeu tempo, inaugurou a escola no dia 7 de setembro com direito a placa com o seu nome atribuído à escola e sua foto em destaque.

A limitação de matérias sobre as quais incide a competência legislativa dos municípios faz com que leis de denominação de logradouros e próprios públicos sejam muito comuns nas câmaras municipais. Das 33 leis ordinárias de iniciativa parlamentar publicadas em 2019 em Atibaia, 16 leis tratavam de denominação, o que nos permite estimar que aproximadamente 50% dos projetos de lei ordinária tratam de denominação.

Inspirada na lei federal 6.454/77, a lei municipal 4.161/13, em seu art. 3°, proibia denominar logradouros e próprios públicos com o nome de pessoas vivas. Como a lei não muda o homem, mas é o homem que muda a lei, o desejo de homenagear o amigo aliado falou mais alto. Em 2017 o mesmo vereador, professor Fabiano, por meio do PL 70/17, propôs a revogação deste artigo e sua substituição por outro que permitia, “em circunstâncias extraordinárias” e “por motivos excepcionais”, a atribuição de nome de pessoa viva a próprios públicos, ato que abriu o caminho para o atual prefeito atribuir seu próprio nome à obra-prima do seu mandato.

É louvável o desejo de homenagear os amigos em vida. Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito, inspiradíssimos, escreveram “Por isso é que eu penso assim, se alguém quiser fazer por mim, que faça agora”, preferido a homenagem imediata à póstuma.

Na esfera privada recomenda-se que se dê as flores em vida. No entanto, no âmbito do Direito Público, homenagens em vida parecem não serem bem-vindas. Tanto a legislação pátria quanto os princípios constitucionais que regem a administração pública indicam somente uma direção: apenas nomes de pessoas falecidas podem ser atribuídos aos bens públicos.

A lei federal 6.454/77 proíbe, em todo território nacional, a atribuição de nomes de pessoas vivas a bem público de qualquer natureza pertencente à União. Em seu art. 3° estende tal proibição aos bens de qualquer entidade que, a qualquer título, recebam subvenção ou auxílio dos cofres públicos federais. Em nosso modesto entendimento os municípios, por receberem recursos federais, estariam proibidos de atribuir nomes de pessoas vivas aos seus bens e edifícios.

Os Tribunais têm invocado o princípio da moralidade e impessoalidade para rechaçar iniciativas de denominação de logradouros e próprios públicos com nome de pessoas vivas.

Em 2018, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, em Ação Direta de Inconstitucionalidade, decidiu declarar inconstitucionais diversas leis do município de São José do Rio Preto que atribuíam nome de pessoas vivas a logradouros e próprios públicos. Em seu voto, o relator, desembargador Álvaro Passos, apresentou o seguinte fundamento:

A colocação de homenagens a pessoas vivas, ainda que se trate de alguém que tenha realizado benefícios ao município de alguma forma, desrespeita os princípios da moralidade e da pessoalidade que devem ser seguidos pelo Poder Público devido à possibilidade de tal situação permitir a promoção de sua imagem e divulgação à população, permitindo eventual aproveitamento pessoal pelo beneficiado, o que foge à finalidade da atuação administrativa dos entes federativos.3

No Estado de São Paulo foi editada a lei estadual 14.707/12 que determinou, em seu art. 1°, I, b que a pessoa cujo nome se pretendesse homenagear com a atribuição a prédio, rodovia ou repartição estadual deveria ser falecida “ou com mais de 65 (sessenta e cinco) anos de idade”.

A expressão “ou com mais de 65 (sessenta e cinco) anos de idade”, no entanto, foi declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça de São Paulo que considerou que “a atribuição de nome de pessoa viva a prédios, rodovias e repartições públicas estaduais, desrespeita os princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade (art. 111 e 115, § 1º, da Constituição Estadual)”.4

Em 2008 o CNJ editou a resolução 52/085 que proibia a atribuição de nome de pessoa viva a bem público sob administração do Poder Judiciário nacional, “salvo se o homenageado for ex-integrante do Poder Público, e se encontre na inatividade, em face da aposentadoria decorrente de tempo de serviço ou por força da idade”. Em 2011, no entanto, o CNJ entendeu que a vedação imposta pela já referida lei federal 6.454/77 não comporta exceções e editou a resolução 140/11 que revogou a anterior, impedindo a atribuição de nome de qualquer pessoa viva a bem público sob a administração do Judiciário. Não obstante a correta revogação da resolução anterior, o CNJ decidiu manter o nome de pessoas vivas atribuídos até o dia 29 de março de 2011. Esta decisão permitiu que fosse preservado no TJDFT o nome do auditório ministro Sepúlveda Pertence.

Parece-nos que a decisão do prefeito de Atibaia de atribuir o seu próprio nome à recém-construída escola, ainda que autorizado por lei de iniciativa parlamentar, não se coaduna com os princípios que norteiam a administração pública. De fato, os princípios da moralidade e da impessoalidade impedem que o administrador público se aproprie de espaços públicos para sua promoção pessoal.

O nobre vereador que propôs a lei autorizativa deve se lembrar que a amizade é como as flores. Devemos regá-las, mas não muito. E quando for regar sua flor, que use sua própria água.

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3 TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2152313-19.2017.8.26.0000; Relator (a): Alvaro Passos; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 31/1/18; Data de Registro: 5/2/18

4 TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2220776-81.2015.8.26.0000; Relator (a): João Carlos Saletti; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 29/06/2016; Data de Registro: 30/6/16.

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*Ricardo Nicotra é advogado em Atibaia/SP, assessor jurídico parlamentar (ALESP), mestre em Direito pela USP.

 
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