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A cultura incompetente da caracterização do acidente laboral

Sem embargo, a compreensão de acidente laboral, através da presunção relativa inerentes a quaisquer dos nexos utilizados pelos Médicos Peritos Federais, conduz a um enquadramento jurídico-conceitual, e não médico-científico.

17/9/2020

O ato da caracterização do infortúnio trabalhista na seara previdenciária, por seu potencial sancionatório e de múltiplos interesses, tem por detrás de sua conclusão etapas que traduzem razões históricas, políticas e tributárias que, notadamente, não são levadas em consideração em searas judiciais incompetentes.

Sem embargo, a compreensão de acidente laboral, através da presunção relativa inerentes a quaisquer dos nexos utilizados pelos Médicos Peritos Federais, conduz a um enquadramento jurídico-conceitual, e não médico-científico. Nesse passo, no âmbito administrativo, é incontroversa a competência para caracterização de acidente do trabalho ou acometimento de doença ocupacional é do Médico Perito Federal responsável pela realização da perícia designada para o trabalhador, a teor do artigo 337, do RPS e 21-A, da Lei de Benefícios 8.213/91.

A intenção do legislador quanto à distribuição de competência processual para julgar a matéria acidentária ser da Justiça Ordinária tornou-se ainda mais clara quando a PEC 6/19, que antecedeu a reforma da previdência contida da EC 103/19, excluiu o artigo 43, o qual rezava a possibilidade de transferência de processos para a Justiça Federal das causas relativas à acidentes do trabalho mas, jamais, tratou-se qualquer intenção declinatória de competência à Justiça do Trabalho. Não se discute, porém, a competência da Especializada para processar e julgar “as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho”, consoante inciso VI do artigo 114 da Constituição Federal vigente, com redação dada pela EC 45/04, e pela súmula vinculante 22 do Supremo Tribunal Federal1.

É que o instituto, ainda em sentido estrito, possui indiscutível triangularidade de interesse a ele relacionado. Em linhas gerais, da empresa, pela majoração da contribuição social e obrigações trabalhistas acessórias, assim como iminente risco de ser demandada por ação regressiva previdenciária. Do empregado, pelos justos direitos que lhe são inerentes como o recolhimento de FGTS, estabilidade provisória e cálculo mais favorável para benefício de aposentadoria por invalidez acidentária pós EC 103. Por último, da Autarquia Previdenciária, face o impacto direto na arrecadação  e necessidade de equilíbrio financeiro e atuarial.

Para mais, a leitura conjunta com o artigo 109, inciso I da Carta de 1988, revela não existir lacuna normativa apta a ensejar a ignorância da competência residual ordinária em matéria acidentária através de fixação de nexo de causalidade entre doença e labor pela justiça laboral, da qual o empregador pode participar como litisconsorte. O que existe, em verdade, é uma pluralidade subjetiva necessária ao reconhecimento do nexo técnico previdenciário e consequente conclusão de existência, ou não, de acidente do trabalho ou doença equiparada.

Tem-se, portanto, que a titularidade de benefício acidentário é pressuposto à reparação moral e/ou material por acidente do trabalho intentada pelo trabalhador na especializada. Na mesma esteira, havendo constatação de incapacidade laborativa por equivocada configuração acidentária sob a ótica do empregador, nada obsta sua contestação não só na via administrativa, mas também judicial – desta vez, de competência federal - de modo à suspender o curso da ação trabalhista por inteligência do artigo 313, alínea “a”, do CPC.

Decerto que o ordenamento jurídico atual não hospeda pragmatismo à resolução do conflito posto, já enfraquecido pelo fracionamento das competências e fragmentações das ações públicas, mas diante do conteúdo constitucional e do indiscutível interesse da Previdência Social na conclusão da existência de nexo de causalidade entre o dano e o ato do empregador, não se pode concluir de forma diversa.

Prova disso é que, desde 2011, existe uma recomendação conjunta GP. CGJT 02/11, em que o Presidente do Tribunal Superior do Trabalho facultou aos desembargadores dos Tribunais Regionais do Trabalho que encaminhem as respectivas unidades de Procuradorias Gerais Federais cópias de decisões que reconheçam conduta culposa do empregador em acidente do trabalho, a fim de subsidiar o ajuizamento de ação regressiva. Essa conjectura, além de inobservar o limite da coisa julgada entre as partes, tem notória confirmação da tese defendida.

Tal assertiva configura mais um elemento de atração da competência ordinária à configuração acidentária do infortúnio ocorrido no ambiente de trabalho ou em razão dele, diante do interesse da autarquia previdenciária em promovê-la. Não é razoável, portanto, o tratamento dado pela Especializada, no sentido de ser uma faculdade o “envio de cópias de decisões”. É necessário o declínio de competência não só em razão da matéria, mas também em razão da pessoa pela natureza de Autarquia Federal sustentada pelo INSS.

Malgrada a morosidade inerente à Justiça Ordinária em detrimento da Justiça Federal, uma justificativa que parece viável do desinteresse legislativo na alteração das competências constitucionais e infraconstitucionais é que a EC 103/19, em seu artigo 201, parágrafo 10º, voltou a previr a cobertura de benefícios não programáveis a ser atendida concorrentemente pelo Regime Geral de Previdência Social e pelo setor privado, preceito já existente pela EC 20/98 e jamais regulamentado.

Considerar a competência da Justiça do Trabalho para a configuração do nexo causal entre labor e enfermidade, sem que o empregado tenha usufruído de benefício acidentário, é fazer letra morta da Lei Maior, desobedecer a concepção triangular de interesse processual e aplicar irrestritamente a teoria da eficácia natural da sentença entabulada por Liebman, que dispunha, em linhas gerais, que um terceiro titular da relação jurídica sofre as consequências naturais de uma sentença alheia, salvo se comprovada injustiça.

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1 A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho propostas por empregado contra empregador, inclusive aquelas que ainda não possuíam sentença de mérito em primeiro grau quando da promulgação da Emenda Constitucional 45/04.

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Constituição Federal. Disponível clicando aqui

Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível clicando aqui

SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 6ª edição. São Paulo: LTr, 2013.

Clique aqui

SAVARIS, Jose Antônio, Direito Processual Previdenciário, Curitiba, 8ª edição, Juruá, 2019.

HERTZ, Jacinto Costa, Manual de Acidente do Trabalho, Curitiba, 8ª edição, Juruá, 2015

Eurico Tulilo Liebman. Eficácia e autoridade da sentença. 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1981 apud SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de Processo Civil: Processo de Conhecimento. vol. I.

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*Marília Lira de Farias é advogada, especialista em Direito Previdenciário. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário/IBDP, da Associação dos Advogados Previdenciaristas de Pernambuco/AAPREV. Sócia do escritório Farias e Coelho Advogados.








*Gabriela Japiassú é advogada, especialista em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho. Professora universitária do Centro Universitário Brasileiro – Unibra. Sócia do escritório Martorelli Advogados.

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