Um grave problema que assola a classe empresarial brasileira, que contrata com o Poder Público, é a falta de obediência da ordem cronológica para pagamentos por parte da Administração, que, por vezes, escolhe a ordem de adimplemento dos pagamentos dentre os créditos já reconhecidos pelos serviços efetivamente prestados ou bens devidamente fornecidos, sem respeitar a ordem cronológica das exigibilidades.
Em outras palavras, o administrador público seleciona, por critérios próprios – que podem ser bem-intencionados – quais credores deverão receber primeiro, contrariando o que determina expressamente a lei. Ocorre que os pagamentos deveriam acontecer observando a ordem cronológica, consoante disciplina o art. 5º da lei 8.666/93. Confira-se:
“Art. 5º Todos os valores, preços e custos utilizados nas licitações terão como expressão monetária a moeda corrente nacional, ressalvado o disposto no art. 42 desta Lei, devendo cada unidade da Administração, no pagamento das obrigações relativas ao fornecimento de bens, locações, realização de obras e prestação de serviços, obedecer, para cada fonte diferenciada de recursos, a estrita ordem cronológica das datas de suas exigibilidades, salvo quando presentes relevantes razões de interesse público e mediante prévia justificativa da autoridade competente, devidamente publicada.”
Apesar da clareza do dispositivo legal aqui mencionado, a prática sempre foi conhecida e é considerada corriqueira.
Com efeito, independente dos motivos do gestor público, a escolha do credor para receber a justa contraprestação não pode ocorrer conforme seu juízo de valor, devendo ser pautada por elemento objetivo claro, qual seja: a ordem cronológica.
Não por outra razão, durante a I Jornada de Direito Administrativo, realizada pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF), ocorrida entre os dias 3 e 7 de agosto de 2020, onde foram aprovados 40 enunciados, foi debatido e deliberado que a ordem cronológica de pagamentos deveria ser obedecida, cabendo inclusive Mandado de Segurança para a observância da regra. Confira-se:
“Cabe mandado de segurança para pleitear que seja obedecida a ordem cronológica para pagamentos em relação a crédito já reconhecido e atestado pela Administração, de acordo com o art. 5º, caput, da Lei n. 8.666/1993.” (Enunciado 35)
O referido enunciado é de grande relevância pois ratifica o direito dos contratados a receber pela ordem cronológica e não por questões de oportunidade do Poder Público. O enunciado está em consonância com a jurisprudência recente (vide TJAL, Ac 0729687-88.2016.8.02.0001, DJe: 18/8/20 e TRF-1, Ac 1005045-60.2015.4.01.3400, DJe: 2/9/20).
A não observância da ordem cronológica dos pagamentos ocorre em caráter excepcionalíssimo, diante apenas de situações com relevante interesse público (ex.: credor portador de moléstia grave, TRT 17ª Região, MS 0017200-70.2013.51.7.0000, DJe: 26/8/13 ou até o pagamento de empresa que presta serviço essencial para a Administração) e com prévia publicação de sua justificativa.
Antes do enunciado, o que verificávamos era a banalização do argumento de interesse público, sem a devida fundamentação, tornando o que era exceção em regra e, com isso, a ordem cronológica dos pagamentos pela Administração Pública foi dando espaço ao pagamento por critérios próprios e totalmente discricionários.
O enunciado 35 trouxe de volta o devido valor aos princípios da segurança jurídica, moralidade e probidade administrativa, tendo em vista que assevera a plena eficácia ao art. 5º da Lei geral de Licitações, garantindo, agora por meio de Mandado de Segurança, a utilização de um critério objetivo, e coibindo a prática de corrupção por meio de favorecimento de credores.
Com uma grande quantidade de determinações judiciais, o Enunciado intensifica a necessidade de observância, pela Administração, do direito de a contratada receber conforme ordem cronológica pela justa contraprestação por bens e serviços devidamente reconhecidos e tomados pelo Poder Público.
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