As tragédias aeronáuticas e a obrigação de indenizar*
Décio Policastro**
Rogério Felippe da Silva**
Quais foram as causas? Falhas mecânicas? Imprudência, negligência dos pilotos ou dos controladores de vôo? Coisas que seriam sem importância por faltar resposta às mais óbvias indagações: a vida, os sonhos perdidos, o sofrimento têm preço? E agora? O que fazer? Quem deve ressarcir os danos? Perguntam-se os dependentes das vítimas, frente a perda de seus provedores.
O Código Civil contém disposições específicas sobre os contratos de transporte e as responsabilidades do transportador. Nele estão delineadas as responsabilidades daqueles que agem em prejuízo de terceiros.
Face a ressalva do Código Civil de que aos contratos de transporte são aplicáveis os preceitos da legislação especial e dos tratados e convenções internacionais, desde que em harmonia com o que dispõe, é no Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), onde estão outras disposições relativas aos deveres do transportador aéreo. Esse Código deixa claro que a responsabilidade do transportador é de natureza objetiva, isto é, independe da comprovação de culpa.
O CBA limita a indenização, no caso de morte em 3.500 OTNs. Com este índice o legislador quis manter atualizado o valor da indenização. A inflação caiu e com isso o índice desapareceu fazendo o valor indenizatório perder o referencial. Atualmente alguns falam que no caso de acidente aéreo, o valor do seguro obrigatório seria de R$ 14.000,00 enquanto outros dizem ser de R$ 125.000,00. Pelo CBA, a empresa responsável pelo transporte deve indenizar os prejudicados de imediato e sem questionamentos. Tal pagamento esgotaria sua responsabilidade quanto ao cumprimento da determinação legal, porém não a libera dos danos suportados pelos familiares das vítimas, se for provada culpa, ainda que de seus prepostos.
Existem debates acerca da necessidade da verificação da culpa do transportador. Como o Código Civil obriga reparar o dano independentemente de culpa, há quem entenda devida a indenização mesmo sem culpa da transportadora. Entretanto, parece mais adequado remeter à indenização prevista no CBA, ou seja: quando a companhia aérea não for culpada, sua responsabilidade acaba com o pagamento do seguro obrigatório.
Calculam-se as indenizações com base nos rendimentos da vítima. Na maioria das vezes corresponde a 2/3 dos rendimentos. Leva-se em conta a idade dos filhos até completarem 25 anos. Para os cônjuges sobreviventes, descendentes e ascendentes incapazes, a indenização procura abranger o período entre a data do falecimento e a vida provável da vítima, 65 ou 70 anos (decisões dos tribunais mais raras).
É possível, também, pedir ressarcimento por danos morais. Tem prevalecido um montante próximo a 100 vezes o maior salário mínimo vigente.
Conforme esclarecido, a responsabilidade pelo ressarcimento baseada no Código Civil depende da comprovação da culpa do transportador ou prepostos. Revelada a culpa de terceiros, estes responderão pelos danos e, consequentemente, poderão ser demandados. Neste caso, a companhia poderá demandar os culpados para ressarcir-se das indenizações pagas por ela.
No transporte aéreo mediante pagamento consideram-se, ainda, as regras do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Essa legislação apenas exclui a responsabilidade do fornecedor de serviços quando provar que não foram defeituosos ou que os defeitos foram causados por terceiro. Assim, eventual demanda contra a empresa aérea com base no CDC, para ressarcimento dos prejuízos oriundos do acidente, poderá ser infrutífera.
O valor irrisório estabelecido pelo CBA, levou algumas companhias a terem seguros especiais. Neste caso, a empresa opta indenizar os passageiros em valores mais condizentes com os prejuízos causados, sem questionar a existência de culpa. Ao aceitar a indenização paga espontaneamente pela companhia, os familiares das vítimas poderão estar abrindo mão de reivindicar verbas complementares. Daí a importância de ressalvar que o valor recebido não quita outros direitos.
O ressarcimento deve ser proporcional ao dano sofrido. Por isso convém deixar de lado caprichos e as fantasias de indenizações fantásticas. Uma composição amigável pode ser interessante, mas não a ponto de deixar-se levar por emoções e aceitar qualquer quantia. É preciso examinar caso a caso com bastante cuidado: considerar os rendimentos da vítima, a atividade laborativa que desempenhava, idade, dependentes, padrão social, expectativa de vida, etc.
Em geral, as ações judiciais desse tipo demoram muito tempo, em torno de 4 anos. É difícil estimar. Se não há acordo a demora pode prolongar-se. Dez anos depois de ter ocorrido em São Paulo outro grave acidente aéreo, existem ações que ainda estão em discussão.
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* Artigo publicado no jornal Valor Econômico (6/12/2006)
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** Advogados do escritório Araújo e Policastro Advogados
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