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Reforma Administrativa: Um diálogo sobre sede de mudanças e maturidade institucional

Diante do contexto atual, a apresentação da PEC 32/20 parece ser uma consequência natural. Todavia, mais uma vez, corre-se o risco de aprovação de uma “reforma” ineficaz e até mesmo perigosa.

10/9/2020

De alguns anos para cá, a palavra da vez é “reforma”. Desde 2017, passamos por uma série de alterações jurídicas que se propõem a alterar a legislação e romper certos paradigmas, com fins a “reformar” determinadas relações e realidades sociais. Todavia, por detrás da sede de mudanças, passam propostas e, por vezes, aprovações de medidas ineficientes ou até ainda mais perigosas.

Em 2017, foi aprovada a Reforma Trabalhista (lei 13.467/17), palco de diversas flexibilizações e desregulamentação no âmbito do Direito do Trabalho. A motivação primordial apresentada era a geração de mais empregos. Os debates foram calorosos e as opiniões divergentes. Todavia, comparado àquela época, a taxa de desemprego, segundo o IBGE, até fevereiro de 2020, apresentou quedas e elevações discretíssimas[1], de modo que não se mostrou nada coerente com as promessas adjacentes à aprovação da lei.

Atualmente, além da já aprovada Reforma da Previdência (emenda constitucional 103/19), almejam-se as reformas tributária e administrativa, sem falar da política, objeto de antigos estudos e debates. Neste contexto, o tópico da última semana foi a apresentação da PEC 32/20, da Reforma Administrativa. Ela busca, em sua essência, trazer novas regras aplicáveis aos servidores públicos, com vistas a excluir certas prerrogativas, sob o manto de combater a baixa produtividade e os altos custos do funcionalismo público.

Primeiramente, conforme já se manifestou o jurista e professor Carlos Ari Sundfeld, nem mesmo seria necessária a edição de uma emenda constitucional para promover as alterações pretendidas pela PEC apresentada. Segundo o professor, a edição de leis infraconstitucionais seria medida mais efetiva e célere, até porque o próprio texto da PEC exige, por si só, futuras regulamentações. Em suas palavras, “estamos na estaca zero”.[2]

Também há de se destacar o contexto político ora vivenciado, com um governo que finca as bandeiras da anticorrupção e do fim de privilégios governamentais. Ao lado disso, evidente é a ineficácia na prestação dos serviços administrativos em muitos aspectos, o que deu ensejo à aversão da sociedade civil ao funcionalismo público tal qual ele se apresenta ou até mesmo em geral.

Com efeito, temos uma sociedade insatisfeita com seus servidores públicos e com sede de mudanças; servidores públicos de baixa produtividade e altos custos; ao lado de um governo progressista e minimalista.

Assim, a apresentação da PEC 32/20 parece ser uma consequência natural em todo este cenário e que acaba por arrancar aplausos de boa parte dos cidadãos. Todavia, ela traz consigo perigosos instrumentos como a extinção da estabilidade, que pode ser um tiro no pé, a depender do perfil da sociedade em que se insere.

Paira, então, o questionamento se o Brasil já atingiu o nível de maturidade cultural e institucional suficiente para tal alteração. Muitas vezes, a estabilidade do servidor é encarada com maus olhos, esquecendo-se da sua função primordial – isentar o funcionalismo público de pressões e voluntarismos políticos, especialmente quando diante de alguns problemas culturais ainda enraizados no Brasil.

Neste ponto, vale destacar os princípios da legalidade e da impessoalidade que regem a atuação da Administração Pública. Desligar um servidor sem fundamentações concretas e reais para tanto, tal como hoje é exigido, viola o princípio da impessoalidade, o que pode desencadear em um amoldamento do funcionalismo público ao bel prazer das autoridades públicas, fato que, por si só, faz cair por terra o objetivo de aumentar a produtividade dos serviços administrativos.

Nesta esteira, poderia se vislumbrar um real obstáculo às solidez e organização das instituições, críticas já conhecidas quando discute-se, por exemplo, os mandatos temporários dos juízes eleitorais e dos dirigentes de agências reguladoras, sem querer desconsiderar suas benesses nestes casos e adentrar na temática.

Até mesmo em uma empresa privada, a mudança constante dos empregados pode vir a ser um empecilho ao seu bom desenvolvimento. Assim, o cenário tende a ser pior no setor público, em razão da renovação periódica dos mandatos eletivos, pelo que, aliada à aniquilação da garantia da estabilidade, certas carreiras e setores correm o risco de ser ainda mais instáveis que a própria iniciativa privada.

Neste ínterim, quando comparada a medidas como sanções premiais, promoções exclusivamente por produtividade e redução dos salários iniciais das carreiras, não parece ser a extinção da estabilidade a melhor solução. A França, por exemplo, é uma das mais eficientes Administrações Públicas do mundo e garante a estabilidade para mais de 80% dos seus agentes. Deveras, corremos o risco de, mais uma vez, comprar gato por lebre.

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*Taís Mota Vaz é advogada da área cível, administrativa e trabalhista. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Baiana de Direito e pós-graduanda em Direito Público na Escola Brasileira e Direito – EBRADI.

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