A Lei Geral de Proteção de Dados (lei 13.709/18) é, como muito bem sustentado por SILVEIRA e FROUFE, uma questão “jusfundamental identitária de nossos tempos”1, sobretudo após a virtualização das relações, maximizada, em grande medida, pela pandemia de COVID-19.
Nesse sentido, a importância, já latente, de uma Lei que viesse a regulamentar, de forma efetiva, os dados individuais se mostrou ainda maior do que o era quando da aprovação da LGPD (Lei 13.709/2018), ainda nos idos de 2018.
Não obstante, o início da vigência da aludida lei no Brasil ainda se mantém uma questão tormentosa, uma vez que, malgrado prevista na LGPD o início da vigência como sendo em 16 de agosto de 2020, a Medida Provisória 959/2020 passou esta para a data de 03 maio de 2021.
Todavia, a Medida Provisória, que para não perder validade teria de ser votada até a data de 28 de agosto de 2020, modificou, novamente, o início da vigência legal e das possibilidade de sanções.
No ponto, o Congresso Nacional optou por manter a imediata vigência legal, com possibilidade de imposição de sanções pelo descumprimento da normativa somente a partir de 03 de maio de 2021, estando, agora, tal texto legal, à espera de sanção presidencial.
Desse modo, a legislação entrará em vigor, ao que tudo indica, ainda no mês de setembro, devendo, a partir de então, ser aplicada, tanto pelos agentes privados quanto pelos agentes públicos, sendo suas normas cogentes, inclusive e principalmente, na aplicação das decisões judiciais.
Contudo, o poder sancionador regulador ainda não poderá ser exercido, de modo que teremos uma situação do tipo: “é proibido, porém se quiser pode; mas se chegar no Judiciário, aí vão falar que não pode”.
Em suma, portanto, ainda não há uma resposta peremptória de quando e como a novel legislação irá entrar em vigor, o que em nada contribui para o debate efetivo sobre a legislação e suas bases axiológicas, debate este de importância extrema, sobretudo neste momento de início de aplicabilidade de tais normas.
Não fosse o suficiente, a par da previsão legal, sequer houve a criação de Autoridade Geral de Proteção de Dados, a quem seria dada a competência regulamentar da matéria, cuja necessidade é premente, inclusive para fins de adequação às normas, fazendo com que o quórum de engajamento das empresas às novas normas seja ainda muito baixo2.
Lamentavelmente, a LGPD já entra em vigor cercada de dúvidas e polêmicas.
Assim, ao que se denota da situação atual, a legislação entrará em vigor com um baixo quórum de adequação e de regulação, o que ascenderá, como de praxe, diversas discussões jurídicas, que serão levadas ao Poder Judiciário, por meio de processos individuais, impondo a este a responsabilidade de dar os contornos da Lei Geral de Proteção de Dados, porquanto é dever do Estado trazer definições à LGPD, o que, em caso de inércia dos demais poderes, só poderá ser feito pelo Judiciário.
O cenário, infelizmente, demonstra o que aguarda a LGPD3 trará diversas celeumas que deverão ser resolvidas pelo Poder Judiciário.
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1- SILVEIRA, Alessandra; FROUFE, Pedro. Do mercado interno à cidadania de direitos: a proteção dos dados pessoais como questão jusfundamental identitária dos nossos tempos. In UNIO EU Law Journal. V. 4. N. 2, Escola de Direito – Universidade do Minho: julho de 2018, p. 4-20, p. 4.
2- Clique aqui.
3- Uma Lei que muitos torcem para “não pegar”, mas que exige aplicabilidade, por ser corolário de uma evolução civilizatória necessária no nosso atual cenário.
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*José E. da C. Fontenelle Neto é mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI, Mestre em Direito da União Europeia pela Universidade do Minho - UMINHO/PT, especialista pós-graduado em direito penal e criminologia pelo Instituto de Criminologia e Política Criminal ICPC/UNINTER. Graduado em Direito pela Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE. Professor de Direito Penal e de Direito Processual Penal na Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE. Advogado. Autor da obra “Proteção de Dados Pessoais: uma leitura para além do direito à privacidade. EMAIS, 2020”.