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Descomissionamento offshore e a lei 5.811/72

Considerando que todo campo de exploração um dia deixará de produzir, ou por esgotamento, ou porque se tornou economicamente inviável, a atividade de descomissionamento é uma atividade necessária à própria indústria da exploração.

4/9/2020

A relevância socioambiental da indústria de exploração de óleo e gás, em razão dos impactos da produção no ambiente físico e biológico na qual ela atua, se traduz numa rigorosa regulamentação legal e infralegal: legislação ambiental, trabalhista, marítima, fiscal, etc. As empresas envolvidas na produção e em toda a cadeia produtiva do petróleo estão entre as mais fiscalizadas do mundo.

Além disso, toda essa importância socioambiental também se desdobra numa peculiaridade: a obrigação, imposta por essas muitas normas legais, de realizar um encerramento definitivo e sustentável das atividades de exploração.

Assim, uma plataforma de extração de petróleo, para encerrar suas atividades, deve ser objeto de toda uma nova etapa industrial, que corresponde à retirada das estruturas de produção (subaquáticas ou em terra), a recuperação das áreas afetadas pela produção ao longo dos anos, a vedação dos poços, bem como o descarte ou a reciclagem dessas estruturas.

A essa atividade se dá o nome de descomissionamento: um processo altamente complexo, demorado, caro, arriscado, e que demanda uma boa dose de tecnologia industrial, além de mão de obra qualificada.

Portanto, considerando que todo campo de exploração um dia deixará de produzir, ou por esgotamento, ou porque se tornou economicamente inviável, a atividade de descomissionamento é uma atividade necessária à própria indústria da exploração.

A atividade de descomissionamento não se confunde com as interrupções temporárias para troca de equipamentos. A situação é diferente quando essa desmontagem se dá após o encerramento da vida comercial e produtiva da atividade extrativa, quando são necessários procedimentos definitivos de finalização do poço, e por isso há toda uma tecnologia e uma regulamentação específicas para esse encerramento sem volta das atividades.

A regulamentação sobre descomissionamento envolve a ANP, os órgãos ambientais (IBAMA), a Marinha do Brasil e a Receita Federal, destacando-se a recente resolução 817 de 2020 da ANP.

A indústria do descomissionamento já se encontra bem desenvolvida em outros mercados, como no Golfo do México e no Mar do Norte, onde as plataformas e demais unidades de produção são mais antigas, e muitas delas já não são mais economicamente viáveis.

No Brasil, a indústria do descomissionamento ainda dá os seus primeiros passos, mas será bastante presente em razão da idade atual das unidades de produção. E ela será ainda mais crítica e em razão da grande quantidade de plataformas em águas profundas, levando a riscos maiores, e exigindo desafios tecnológicos maiores.

Outro desafio será a regulamentação trabalhista dessas atividades – e esse é um ponto em relação ao qual as empresas deverão ficar muito atentas.

A regulamentação trabalhista das atividades offshore em geral está na lei 5.811/72, e ela se aplica, nos termos do seu artigo 1º, às “atividades de exploração, perfuração, produção e refinação de petróleo, bem como na industrialização do xisto, na indústria petroquímica e no transporte de petróleo e seus derivados por meio de dutos.”

A lei 5.811/72, feita no alvorecer da produção offshore brasileira, quando o descomissionamento estava num horizonte muito longínquo, é uma lei excepcional, no sentido de que ela excepciona da aplicação da lei geral os empregados daquelas atividades nela indicadas, conferindo um conjunto de direitos e obrigações específicos, em razão da sua singularidade econômica, social, e produtiva – atividades contínuas e confinadas em plataformas.

Como toda lei excepcional, ela deve ser interpretada de forma restritiva, porque sempre prevalece, e deve prevalecer, a regra geral. Portanto, é duvidosa a possibilidade de realizar uma interpretação ampliativa das atividades de “exploração, perfuração, produção e refinação” tal qual previstas na lei 5.811/72 para incluir também o “conjunto de atividades associadas à interrupção definitiva da operação das instalações, ao abandono permanente e arrasamento de poços, à remoção de instalações, à destinação adequada de materiais, resíduos e rejeitos e à recuperação ambiental da área”, conforme o conceito expresso de descomissionamento do art. 2º, VIII, da resolução 817/20 da ANP.

De fato, o perfil de direitos previstos na lei 5.811/72 é moldado para aquela atividade produtivo-extrativa, ou seja, para a atividade contínua, que não pode ser interrompida, para os empregados em turnos de revezamento, para os empregados em sobreaviso, diuturnamente atentos à vazão dos poços.

Essa não é, porém, uma realidade inteiramente coincidente com as atividades do descomissionamento, que não necessitam ser contínuas e ininterruptas, embora, como toda atividade industrial, deva ser rápida.

A rigor, é também duvidoso o enquadramento desses empregados na categoria profissional dos petroleiros, dada a especificidade das atividades deles, nos termos do art. 511 § 2º da CLT, porque não haveria uma “similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum”.

Também não se poderia enquadrar os empregados das atividades de descomissionamento como aquaviários, não estando em princípio relacionados na Normam 13 da Marinha.

Em conclusão, parece haver um relevante vácuo normativo em relação à regulamentação trabalhista dos empregados nas atividades típicas de descomissionamento, sendo então recomendável a criação uma normatização própria para essas atividades de descomissionamento de estruturas produtivas de óleo e gás, aproveitando-se ainda a oportunidade de que se trata de uma atividade incipiente mas que seguramente crescerá sobremaneira.

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*Nicolau Olivieri é advogado da área Trabalhista do escritório Leal Cotrim Jansen Advogados.

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