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Lei federal 14.039/20 enfatiza a natureza técnica e singular dos serviços profissionais de advogados e contadores evidenciando a pessoalidade para fins de recolhimento de ISS fixo

Tanto é inquestionável a responsabilidade técnica dos contadores reunidos em uma sociedade de natureza intelectual, que a mesma não pode ser considerada empresária, nos termos do artigo 966, parágrafo único e 982 do CC.

1/9/2020

Foi promulgada a lei 14.039 de 17 de agosto de 2020 que dispõe sobre a natureza técnica e singular dos serviços profissionais prestados por advogados1 e por contadores2 e define o que vem a ser a “notória especialização”, hipótese em que é inexigível a licitação para a contratação de serviços, conforme previsão do artigo 25, inciso II da lei 8.666/933.

A intenção do legislador foi explicitar  o conceito de notória especialização do profissional ou da sociedade de advogados e contadores a partir de critérios como desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica dentre outros requisitos relacionados com suas atividades que permitem concluir que aquela prestação de serviços é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do contrato, propiciando segurança jurídica na contratação pelo Poder Público com inexigibilidade de licitação.

Além disso, a referida legislação acaba por reforçar a pessoalidade na prestação de serviços intelectuais e a responsabilidade técnica e individual do advogado e do contador, que já decorre das legislações específicas que regulamentam tais profissões, permanecendo inalteradas mesmo que estejam reunidos em sociedades.  

Portanto,  ainda que a prestação de serviços  seja em nome da sociedade (de advogados e/ou de contadores), em decorrência da natureza técnica e singular deles, há responsabilidade pessoal do profissional que justifica seja a sociedade enquadrada como uniprofissional (SUP) no âmbito dos Municípios para que faça jus ao recolhimento do ISS com base no número de sócios, nos termos do artigo 9º, §3º do decreto-lei 406/684.

O referido decreto-lei 406/68 estabelece apenas três requisitos para que as sociedades de profissão regulamentada sejam tributadas pelo regime diferenciado do ISS, quais sejam: i) os serviços prestados devem estar previstos no artigo 9º, §3º; ii) os sócios e os profissionais devem ser registrados nas respectivas entidades de classe e iii) a prestação de serviços seja em nome da sociedade, mas com responsabilidade pessoal do profissional.

Não obstante o decreto-lei 406/68 eleger as sociedades de profissões regulamentadas que fazem jus ao recolhimento de ISS fixo, dentre elas as sociedades de contabilidade, os Municípios vêm, reiteradamente, negando-lhes a tributação diferenciada com fundamento em elementos que não são jurídicos, tais como, tamanho, faturamento, número de colaboradores, suposto caráter empresarial, dentre outras.

Contudo, nenhum desses fatores têm o condão de retirar a responsabilidade técnica individual de cada profissional e a pessoalidade na prestação de serviço intelectual, que é, inerentemente, humano, singular, técnico, conforme evidenciado, mais uma vez, com a promulgação da lei 14.039/20.

Tanto é inquestionável a responsabilidade técnica dos contadores reunidos em uma sociedade de natureza intelectual, que a mesma não pode ser considerada empresária, nos termos do artigo 966, parágrafo único e 982 do CC5.

Além disso, as sociedades de contadores, independentemente de sua estrutura, porte, forma de constituição societária, número de colaboradores, são registradas no Registro de Pessoas Jurídicas nos termos do que dispõem os artigos 967, e 1150 do Código Civil6, justamente porque são sociedades simples, caso contrário, se empresárias fossem, estariam obrigadas ao registro na Junta Comercial, o que não ocorre.

Portanto, os municípios, a pretexto de exercerem a competência para a instituição do ISS, legislam ampliando indevidamente os requisitos do decreto-lei nº 406/68, em manifesta afronta ao art. 146, III, “a” da CF, o que já foi expressamente reconhecido pelo STF no Tema 918: “É inconstitucional lei municipal que estabelece impeditivos à submissão das sociedades profissionais de advogados ao regime da tributação fixa em bases anuais na forma estabelecida por lei complementar nacional” (Recurso Extraordinário 940.769/RS, Órgão Plenário, 24/4/19).

 Considerando que tanto os serviços prestados por advogados quanto por contadores são técnicos, singulares e pessoais, o Tema 918 também é aplicável às sociedades de contabilidade que possuem o direito de recolher o ISS calculado com base no número de sócios e profissionais habilitados, independentemente do tamanho, porte, estrutura ou forma de constituição da sociedade, conforme já foi reconhecido recentemente pela jurisprudência7.

Portanto, a promulgação da lei 14.039/20 não só define a notória especialização de sociedades de advogados e de contadores para atribuir segurança jurídica na contratação pelo Poder Público em situações excepcionalíssimas, mas também serve de alicerce jurídico na luta pela mudança jurisprudencial que vem vagarosamente ocorrendo a partir do julgamento do Tema 918,  para que seja definitivamente reconhecido que, enquanto for vigente o Decreto-Lei nº 406/68, as sociedades de contadores têm o direito de recolher o ISS com base no número de sócios e profissionais habilitados, porque é evidente a natureza técnica, singular, intelectual e pessoal de cada contador.

__________

1- Art. 1º  A lei 8.906/94 (Estatuto da OAB), passa a vigorar acrescida do seguinte art. 3°-A:
“Art.  3º-A.  Os serviços profissionais de advogado são, por sua natureza, técnicos e singulares, quando comprovada sua notória especialização, nos termos da lei.
Parágrafo único. Considera-se notória especialização o profissional ou a sociedade de advogados cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.”

2- Art. 2º  O art. 25 do decreto-lei 9.295/46, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 1º e 2º:

“Art. 25.  ...........................................................................................................
§ 1º  Os serviços profissionais de contabilidade são, por sua natureza, técnicos e singulares, quando comprovada sua notória especialização, nos termos da lei.
§ 2º  Considera-se notória especialização o profissional ou a sociedade de profissionais de contabilidade cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.” (NR)

3- Art. 25.  É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial
(...)
II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;

4- Art 9º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
(...)§ 3° Quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1°, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável.
1.     Médicos, inclusive análises clínicas, eletricidade médica, radioterapia, ultra-sonografia, radiologia, tomografia e congêneres;
4. Enfermeiros, obstetras, ortópticos, fonoaudiólogos, protéticos (prótese dentária);
8. Médicos veterinários;
25. Contabilidade, auditoria, guarda-livros, técnicos em contabilidade e congêneres;
52. Agentes da propriedade industrial;
88. Advogados;
89. Engenheiros, arquitetos, urbanistas, agrônomos;
90. Dentistas;
91. Economistas;
92. Psicólogos;

5- Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.
Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais.
Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa.

6- Art. 967. É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade.
Art. 1.150. O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deverá obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade empresária.

7- Processo: 0006818-45.2008.8.06.0001, em 05/08/2019 EMENTA: DIREITO TRIBUTÁRIO E EMPRESARIAL. APELAÇÃO E REMESSA. MANDADO DE SEGURANÇA. ISS. TRIBUTAÇÃO FIXA. SERVIÇO DE CONTABILIDADE. ART 9º DO DECRETO –LEI Nº 406/68. SOCIEDADE ILIMITADA. UNIPROFISSIONALIDADE. ATIVIDADE NÃO EMPRESARIAL. PROFISSÃO INTELECTUAL. APELO E REMESSA CONHECIDOS E IMPROVIDOS. SENTENÇA MANTIDA (...) Em que pese a diferenciação entre sociedade simples de profissionais liberais e sociedade empresária prestadora de serviços NÃO É AUFERÍVEL PELO TAMANHO DA EMPRESA OU NÚMERO DE SUAS FILIAIS, como alegado pelo apelante, tampouco pela previsão de repartição de lucros. O elemento empresarial deve ser verificado em cada caso concreto, pela natureza e forma como os serviços são prestados. In casu, não há como caracterizar a apelada em sociedade empresária, na medida em que tem como objeto o exercício de profissão intelectual de natureza científica (contabilidade), nos moldes do artigo 966, parágrafo único do CC.

Apelação nº 0077218-36.2019.8.21.7000, em 16/08/2019 EMENTA:  APELAÇÃO CÍVEL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. ISS. SOCIEDADE. SERVIÇOS DE AUDITORIA E DE CONTABILIDADE. TRIBUTAÇÃO POR PROFISSIONAL. APLICAÇÃO DA ORIENTAÇÃO DO STF PELA REPERCUSSÃO GERAL ENVOLVENDO SOCIEDADE DE ADVOGADOS. VOTO VENCIDO DO RELATOR. POR MAIORIA, APELAÇÃO PROVIDA.
(...) No caso, temos uma sociedade que presta serviços de auditoria e de contabilidade, portanto, assim como em relação à de advogados, a tributação de ISS deve ocorrer por profissional habilitado. (...) Portanto, (a) não é correto distinguir sociedade simples e empresária pela lucratividade, pois confunde sociedade com e sem fins lucrativos; (b) não é correto distingui-las pela forma ou modelo, pois confunde os princípios da tipicidade e da não tipicidade e também atividade empresarial e empresa; e (c) não é correto, nas atividades não empresariais que adotam o modelo de sociedade limitada, confundir a limitação da responsabilidade dos sócios face ao capital social com a responsabilidade profissional dos sócios no exercício da atividade.

___________

*Daniele Lambert da Cunha é sócia do Escritório Eduardo Jardim Advogados Associados, advogada tributarista.

*Luciana Nini Manente é mestre e doutora pela PUCSP, sócia do Escritório Eduardo Jardim Advogados Associados, advogada tributarista.

 

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