Fazer advocacia da concorrência em setores regulados é um desafio nada trivial e um dos mecanismos da autoridade da concorrência que é comum a todos os setores é a possibilidade da sua participação nas proposições legislativas e nos processos regulatórios.
Sempre é bom lembrar que a regulação econômica e a defesa da concorrência são intervenções estatais no domínio econômico e, como tal, devem ser realizadas sempre com parcimônia no sentido de transformar o setor regulado tão próximo do ambiente concorrencial quanto possível.
Assim como se deve perguntar na regulação econômica qual é a falha de mercado a ser regulada, também se deve perguntar na advocacia da concorrência quais são as falhas da(s) falha(s) de mercado do setor onde se está a aplicar a advocacia da concorrência.
Os equívocos na regulação econômica acontecem principalmente porque os gestores não identificam claramente as falhas de mercado a serem tratadas e, tanto pior, não distinguem corretamente as falhas que advêm das falhas de mercado, quer seja porque não as conhecem quer seja porque as negligenciam.
A não identificação correta das falhas de mercado resulta em baixa eficiência regulatória, pois não permite endereçar os remédios adequados para a suavização dessas restrições. Em algumas situações, o endereçamento equivocado pode resultar em comportamentos oportunistas dos agentes econômicos envolvidos e propiciar o cometimento de infrações à ordem econômica.
Os setores de energia elétrica, petróleo e gás, telecomunicações, recursos hídricos, esgotamento sanitário e transportes (aéreo, terrestres e aquaviários) são setores que têm como elemento comum a falha de mercado denominada monopólio natural. O monopólio natural é a situação em que os custos fixos são extremamente elevados e os custos marginais são muito próximos a zero. Nessa situação, não é economicamente viável existir mais que uma empresa no mercado.
Para setores com essa falha de mercado, a atuação da advocacia da concorrência não encontra grandes dificuldades e o seu labor acontece basicamente na análise dos documentos acostados nos processos licitatórios e nas proposições legislativas.
A atuação da autoridade de advocacia da concorrência se dá na análise do instrumento de concorrência pelo mercado (edital), na análise do contrato de concessão e nas proposições legislativas, no sentido de identificar cláusulas que tenham efeitos anticoncorrenciais tanto horizontalmente quanto verticalmente.
A existência de contrato de concessão não é uma característica apenas de setores onde a falha de mercado é o monopólio natural. O setor mineral é um exemplo onde o regime de acesso às reservas minerais são os da prioridade e o da disponibilidade e o direito à pesquisa e à exploração do minério é conferido por meio de autorização e de contratos de concessão (portaria de lavra), respectivamente, tal como acontece nos processos licitatórios da CPRM para grandes áreas.
A mesma clareza com que a autoridade atua nos setores permeados pela falha de mercado monopólio natural não se verifica em setores onde a falha de mercado preponderante é a assimetria de informação. No setor de saúde suplementar, por exemplo, a assimetria de informação surge na relação existente entre as Operadoras de Planos de Saúde e os prestadores de serviços médico-hospitalares (médicos, hospitais, clínicas etc).
Para os setores com a presença desse tipo de falha de mercado, a regulação das agências setoriais se dá por meio do desenho de mecanismos com vistas a reduzir os problemas de perigo moral e de seleção adversa.
Para o setor de saúde suplementar, a advocacia da concorrência se dá por meio de contribuições aos desenhos contratuais e das regras de atuação das OPSs e dos prestadores de serviços médico-hospitalares. Nesse mercado, a advocacia da concorrência se dá sobre os procedimentos regulatórios e sobre as proposições legislativas que se relacionam com o tema.
Portanto, a identificação das falhas de mercado é uma condição necessária e suficiente para a regulação eficiente. No entanto, no que se refere ao exercício da boa advocacia da concorrência a ser praticada pela autoridade de concorrência, a identificação das falhas de mercado é somente uma condição necessária, mas não suficiente. A suficiência depende da capacidade da autoridade da concorrência de identificar as falhas da(s) falha(s) de mercado. Eis a questão da advocacy!!!!
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