Ao escrever sobre o curioso caso de Ronaldo de Assis Moreira1, primeira parte, o objetivo foi o de compreender o conceito e limites da prisão domiciliar no Paraguai e, dentro do possível, estabelecer linhas de semelhança e diferença com o regime brasileiro.
Passados alguns meses desde o primeiro texto, mais uma vez o processo ganha as capas dos jornais2 com a informação de que Ronaldo de Assis Moreira e seu irmão, Roberto Assis, saíram da prisão, a qual estava sendo cumprida até então, no Hotel Palmaroga, localizado na cidade de Assunção, no Paraguai.
O objetivo do presente texto, portanto, é compreender as peculiaridades que envolveram a saída da prisão dos irmãos Assis, levando-se em conta o sistema penal e processual penal paraguaio, especificamente, sobre o instituto da Suspensión a prueba de la ejecución de la condena, algo semelhante à suspensão condicional da pena presente no arts. 77 à 82, do Código Penal Brasileiro e o instituto da liberdade condicional.
Ao contrário do que leituras apressadas das manchetes possam levar à crer, em que pese terem sido postos em liberdade, os irmãos Assis foram condenados pela prática dos delitos imputados pelo Ministério Público do Paraguai.
Sobre a suspensão condicional da pena paraguaia, o art. 44, parágrafo primeiro, do Código Penal Paraguaio3 dispõe que, no caso de pena de reclusão até dois anos, o tribunal ordenará a suspensão de sua execução quando a personalidade, conduta e as condições de vida do autor permitem esperar que ele, sem privação de liberdade e por meios de obrigações, regras de conduta ou sujeição a um conselheiro de teste4, pode, ao mesmo tempo, dar quitação, dentro do possível faticamente, pela ofensa causada e não praticar outro ato punível.
Sobre o tema, o parágrafo segundo do mesmo dispositivo legal menciona que a suspensão, em geral, não será concedida quando o autor for condenado durante os cinco anos anteriores à infração, a uma ou mais penas que, no total, adicionem um ano de prisão ou multa ou, ainda, quando o novo delito foi cometido durante o período probatório vinculado a uma condenação anterior.
Na sequência, o art. 44, parágrafo terceiro, do Código Penal Paraguaio, disciplina que a referida suspensão não pode se limitar a uma parte da pena. Já o parágrafo quarto dispõe que o tribunal determinará um período de julgamento não inferior a dois e não superior a cinco anos, que devem ser contados a partir da sentença final sendo possível que o período de teste possa ser posteriormente reduzido ao mínimo ou, antes do final do período fixado, estendido até o máximo esperado.
O art. 45, do Código Penal Paraguaio ao abordar sobre as obrigações do condenado, esclarece que, para fins de “período de prova”, o tribunal pode impor certas obrigações a fim de dar satisfação à vítima pelo crime causado e restaurar a paz social sendo ressalvado, entretanto, que as obrigações impostas não podem exceder os limites de exequibilidade para o condenado, trazendo a ideia de que deverá existir um equilibrio entre os fatores envolvidos.
Nesse sentido, de acordo com o art. 45, parágrafo segundo, o tribunal pode impor ao (à) condenado (a): 1) a reparação, em prazo determinado e de acordo com as suas possibilidades, dos danos causados pelo ato punível, 2) o pagamento de uma quantia em dinheiro para uma instituição de caridade; ou 3) a realização de outros benefícios para o bem comum, como doações para entidades de assistência social.
Sobe as obrigações do condenado, o parágrafo terceiro do mesmo dispositivo legal estipula que, quando o condenado o condenado oferecer outros benefícios adequados e destinados à satisfação da vítima ou da sociedade, o tribunal aceitará a proposta desde que a promessa de seu cumprimento seja confiável.
Referido artigo explica, por exemplo, a condenação dos irmãos Assis ao pagamento de multas5 para a reparação dos danos sociais causados às autoridades paraguaias, bem como a destinação para instituições penitenciárias.
O art. 46 disciplina, por sua vez, as regras de conduta. A partir da leitura do referido dispositivo, o juízo poderá expedir as chamadas normas de conduta para o período de julgamento quando o condenado necessita deste apoio para não voltar a cometer atos criminosos.
Referidas regras de conduta não devem infringir, importante destacar a partir da leitura do referido artigo, os direitos invioláveis ??das pessoas ou constituir uma limitação excessiva em suas relações sociais.
O parágrafo segundo do art. 46 do Código Penal Paraguaio, disciplina que o tribunal poderá obrigar o condenado a: 1. cumprir as ordens relativas à sua residência, instrução, trabalho, tempo livre ou arranjo de suas condições econômicas; 2. comparecer perante o tribunal ou outra entidade ou pessoa em datas específicas; 3. não encontrar certas pessoas ou certos grupos de pessoas que poderia dar-lhes a oportunidade ou incentivo para realizar atos puníveis novamente; 4. não possuir, transportar ou deixar em depósito certos objetos que possam lhe dar oportunidade ou incentivo para cometer atos puníveis novamente; e 5. cumprir os chamados “deveres de manutenção”, ou seja, todos aqueles delimitados para o caso concreto.
O parágrafo terceiro do mencionado dispositivo legal traz obrigações que poderão ser impostas, mesmo que sem o consentimento do condenado, a saber: 1) submissão a tratamento médico ou com o objetivo de desintoxicar o indivíduo,e ; 2) permanência em casa ou em determinado estabelecimento.
O parágrafo quarto, por sua vez, traz importante disposição no sentido de que, caso o condenado assuma por sua própria iniciativa compromissos em relação ao seu futuro ou à sua conduta de vida, o tribunal pode dispensar a imposição de regras de conduta quando o cumprimento da promessa, diante dos elementos do caso concreto, forem conviáveis.
O artigo 49, por sua vez, trata sobre a revogação da suspensão condicional da pena no sistema paraguaio disciplinando, em síntese, que o tribunal revogará o benefício quando o condenado 1) durante o período de teste cometeu novo crime doloso, demonstrando, portanto, que não cumprir a expectativa que fundou a suspensão.
Sobre a liberdade condicional, prevista no art. 51, do Código Penal Paraguaio, o juízo suspenderá a execução do restante da sentença privativa de liberdade, quando: 1. dois terços da pena foram cumpridos; 2. pode-se esperar que o condenado, não vá praticar novos crimes e; 3. Desde que haja o consentimento do condenado.
A decisão que analise sobre a (im) possibilidade de colocação do condenado em liberdade condicional será baseada, em particular, na personalidade do condenado, sua vida anterior, as circunstâncias da ofensa, seu comportamento durante a execução do sentença, suas condições de vida e os efeitos que a suspensão teria sobre ele.
Diante dos novos episódios, o caso envolvendo os irmãos Assis não deixa de ser curioso, fazendo jus ao título dessa série de artigos, levando-se em conta 1) a velocidade com a qual foi proferida uma decisão condenatória (menos de um ano) e a 2) (i) reversibilidade das punições decretadas contra ambos, não apenas no desenrolar do processo penal (ainda que haja eventual interposição de recurso pela Defesa) mas, e sobretudo, no que diz respeito às suas respectivas imagens.
Aguardemos os próximos capítulos...
___________
1- O curioso caso de Ronaldo de Assis Moreira. Disponível em: Clique aqui. Acesso em: 25.ago.2020.
3- PARAGUAI. Código Penal Paraguaio. Disponível em: Clique aqui. Acesso em: 24.ago.2020.
4- Tradução literal do termo “assessor de prueba”, utilizado no Código Penal Paraguaio. Sobre o tema, vide a tradução literal feita do art. 47, do Código Penal Paraguaio:
Artigo 47.- Conselho de teste
1º O tribunal determinará que, durante todo ou parte do período de julgamento, a pessoa condenada está sujeito à supervisão e direção de um orientador de teste, quando indicado para impedi-lo de praticar atos puníveis novamente.
2 Quando a execução de uma pena privativa de liberdade de mais de nove meses for suspensa para uma pessoa condenada com menos de 25 anos, o aconselhamento de teste.
3º O orientador do julgamento prestará apoio e atendimento ao condenado. Com acordo judicial irá monitorar o cumprimento das obrigações e regras de conduta impostas, bem como de promessas. Além disso, ele apresentará um relatório ao tribunal nas datas determinadas por isso e irá notificá-lo de lesões graves ou repetidas de obrigações, regras de conduta ou promessas.
4º O orientador do teste será nomeado pelo tribunal, que poderá dar instruções para o cumprimento das funções indicadas no parágrafo anterior.
5º O aconselhamento teste pode ser exercido por funcionários, por entidades ou por pessoas fora do serviço público.
5- Multas cujos parâmetros para aplicação encontram-se disciplinados no art. 52, do Código Penal Paraguaio.
___________
*Victor Minervino Quintiere é sócio do escritório Bruno Espineira Lemos & Quintiere Advogados, Professor de Direito Penal no Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e Vice-Presidente da Comissão de Acompanhamento das Reformas Criminais da OAB-DF.