Em conversas com colegas sempre afirmei da necessidade de termos um verdadeiro processo eletrônico brasileiro. A pandemia vivenciada hoje demonstra a fragilidade de nossos sistemas eletrônicos e como os Tribunais estão à mercê, ainda em 2020, do trabalho manual dos serventuários. Quem se prejudica é o advogado, jurisdicionado e todo aquele que depende do processo e da resolução judicial de conflitos.
O que temos hoje, na maioria dos Estados, é um leitor online de arquivos em “.pdf”, nada mais do que um e-reader. Se acessa, inclui e visualizam arquivos online, mas todo o trabalho “de fundo” é feito manualmente e, daí, a necessidade dessa grande quantidade de serventuários que atuam na confecção de cartas de citação até a expedição de ofícios, atos esses que poderiam ser realizados por softwares já existentes no mercado.
Há a necessidade de que os nossos Tribunais se debrucem em informatizar (efetivamente) as Cortes. A inteligência artificial (ou “robôs”) estão disponíveis no mercado e podem substituir o trabalho humano em diversas atividades que hoje tomam tempo daqueles que deveriam se curvar a ações mais importantes dentro do curso de um processo judicial.
A iniciativa privada vem (constantemente) se informatizando, retirando das mãos dos colaboradores certos atos que podem ser, facilmente, feitos por sistemas integrados. Exemplos, para o judiciário, do uso da tecnologia existente no mercado são diversos.
O software pode ser “ensinado” a analisar se em determinado processo as peças obrigatórias foram inseridas pelo advogado da parte, evitando que isso seja feito por um serventuário!
No caso de ser uma execução de um contrato, por exemplo, o software verifica a existência do anexo do instrumento contratual (ele pode ser programado para verificar se o documento tem requisitos básicos de um contrato, como partes, valores, obrigações, etc.); se a data de assinatura do contrato, confrontada com a de ajuizamento da demanda, não extrapola o prazo prescricional, fazendo essa primeira checagem, sem a necessidade de intervenção humana.
A mesma lógica pode ser aplicada à existência de procuração, declaração de hipossuficiência, etc.
Verificada a presença dos requisitos básicos para aquela demanda (previamente definido pelo respectivo Tribunal) o próprio sistema cruza os dados das guias juntadas com os valores nas contas correntes respectivas e, estando tudo nos conformes, elabora a carta / mandado de citação.
Caso não tenham sido recolhidas as custas, por exemplo, o próprio sistema publica ato ordinatório padrão intimando a parte para que regularize a situação.
Isso tudo ocorre em minutos e, nesse exemplo, os atos processuais tramitaram de forma eletrônica, sem a ingerência humana.
Identificado algo que o sistema entenda diverso daquilo que foi “ensinado” ele é enviado ao serventuário respectivo que verifica tal ponto de dúvida e define o que deve ser feito, porém sem a necessidade de análise de todo o processo.
Para os que não estão acostumados com as inovações tecnológicas isso pode parecer utópico, mas não é. Tais softwares com “inteligência artificial” já estão em uso na iniciativa privada.
Atualmente contas são abertas em aplicativos, onde o interessado preenche seus dados e envia uma selfie para a instituição financeira e minutos depois, se aprovado, o novo correntista tem limites para transações e cartões de crédito sendo enviados por correios.
Agora a questão é: alguém realmente acha que o banco tem uma pessoa para analisar cada foto e dados enviados ou é um software que foi “treinado” (programado) para verificar padrões, cruzar informações, etc.?
Importante que nunca deixaremos de ter um ser humano pronto a verificar se algo realmente está ocorrendo dentro dos conformes (pelo menos nos próximos anos), mas permitiremos que a atuação humana ocorra no que for realmente necessário.
Caberá ao advogado preencher (por certo) mais dados e informações, com muito mais atenção, munindo o sistema de elementos que serão utilizados posteriormente, sabendo que se digitou algo errado causará dano a seu cliente, tanto de tempo quanto financeiro. Acabarão as constantes “petições diversas”, tão comuns no processo eletrônico do E-Saj paulista.
Os benefícios decorrentes de um efetivo processo eletrônico, tanto para a parte, advogado e judiciário são incontáveis. Os softwares já existem, basta o interesse de implantá-los o quanto antes, permitindo uma efetiva celeridade processual sem a perda da segurança jurídica.
Que o capital humano seja usado para as grandes questões que ele realmente tem de resolver e que as máquinas façam o “trabalho braçal”.
Com a tecnologia correta, uma pandemia como a que vivenciamos nesse momento não prejudicaria tanto o curso dos processos judiciais como vem prejudicando nesse momento.
_________
*José Tito de Aguiar Junior é advogado. Sócio do escritório Aguiar & Salvione Sociedade de Advogados, Pós-graduado em Direito Processual Civil.