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Críticas à decisão do STF sobre incidência de ITBI na integralização de imóveis

Mais uma vez o Supremo Tribunal perde uma chance de ouro de contribuir com a pacificação jurisprudencial. No caso ora abordado, inclusive, nos parece que o STF andou mal na exegese tanto da incidência do ITBI, quanto da sua hipótese de imunidade.

21/8/2020

Não raras vezes o Supremo Tribunal Federal, agindo no seu mister de pacificação da jurisprudência, acaba por fazer surgirem mais dúvidas do que respostas.

Este pode ter sido o caso do julgamento do RE 796.376/SC: em uma decisão por maioria (7 x 4) entendeu o STF que a imunidade de ITBI somente alcança a parcela do imóvel que equivalha ao capital subscrito. Quer dizer, o capital subscrito é o limite da imunidade na integralização de imóveis em sociedades empresárias.

No entanto, o voto vencedor, proferido pelo Min. Alexandre de Morais, foi econômico ao definir a base de cálculo do tributo e, ainda, parece ter dado nova orientação à hipótese de exceção da imunidade. Vejamos.

O voto vencedor nada dispôs sobre a origem do valor do imóvel utilizado como base de cálculo. Tal preceito somente pode ser extraído da análise do acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina e das razões recursais do Município de São João Batista/SC.

Dali, depreende-se que o valor considerado pela fiscalização foi “o valor histórico de cada bem declarado no contrato social”. O “valor histórico” deve ser aqui entendido como o valor de aquisição lançado na Declaração de Imposto de Renda quando da aquisição do imóvel.

O conceito é importante na medida em que a legislação do IR permite que, no casos de integralização de capital, os bens e direitos sejam transferidos pelo valor constante da declaração de bens (DIRPF) ou pelo valor de mercado. E, neste último caso, haverá pagamento de imposto de renda pelo ganho capital – equivalente à diferença positiva entre o valor de aquisição (histórico) e o valor de mercado. Vejamos:

Lei 9.249/95

Art. 23. As pessoas físicas poderão transferir a pessoas jurídicas, a título de integralização de capital, bens e direitos pelo valor constante da respectiva declaração de bens ou pelo valor de mercado.

§ 1º Se a entrega for feita pelo valor constante da declaração de bens, as pessoas físicas deverão lançar nesta declaração as ações ou quotas subscritas pelo mesmo valor dos bens ou direitos transferidos, não se aplicando o disposto no art. 60 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, e no art. 20, II, do Decreto-Lei nº 2.065, de 26 de outubro de 1983.

§ 2º Se a transferência não se fizer pelo valor constante da declaração de bens, a diferença a maior será tributável como ganho de capital.

De outro lado, a legislação é muito clara em determinar que o imóvel será substituído na Declaração de Imposto de Renda pelas quotas ou ações em igual valor. Aqui, não haverá ganho de capital a ser tributado.

O problema do acórdão proferido pelo STF reside na pobre (ou ausente) exposição sobre qual valor deve ser levado em conta para aferição de eventual pagamento de ITBI. Como exposto, o caso concreto nos permite afirmar que foi utilizado o valor histórico, mas o enunciado proposto pelo Min. Alexandre de Morais nada dispõe sobre isso, o que certamente levará a uma nova onda de questionamentos, já que o STF fixou o entendimento de que o valor “excedente ao capital subscrito” deverá ser tributado:

A imunidade em relação ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado.

Ao incluir o “valor dos bens” no texto da tese sugerida, deveria o Supremo Tribunal ter fixado tal parâmetro ou expressamente o deixado para as legislações municipais, ainda que o tivesse feito nas razões de decidir, até porque são essas que vinculam os tribunais inferiores. Ao não fazê-lo, o Supremo joga dúvida acerca da incidência do ITBI nessas operações de integralização, na medida em que é possível interpretar-se que o “valor do bem” é o valor de mercado. Então, o “valor histórico” seria imune enquanto a diferença (para o “valor de mercado”) seria objeto de tributação pelo ITBI...

Aliás, outro ponto do voto que merece atenção e até certa perplexidade, consiste justamente nas razões de decidir que fundamentam a decisão.

Como é de amplo conhecimento e, até o momento, assunto relativamente pacificado, a imunidade na integralização de imóvel não era cabível quando a atividade preponderante da pessoa jurídica fosse de compra e venda de imóveis, locação ou arrendamento mercantil.

No entanto, em diversos trechos do voto, para sustentar a inaplicabilidade da imunidade no valor “excedente ao capital subscrito”, o Min. Alexandre de Morais afirma que o inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF prevê dois tipos de imunidade e que a exceção relacionada à atividade da pessoa jurídica somente se aplica à segunda hipótese de imunidade, aquela prevista para a incorporação, fusão ou cisão de empresas.

Para não restarem dúvidas, cabem transcrições do voto:

Em outras palavras, a segunda oração contida no inciso I - “ nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos , a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil” - revela uma imunidade condicionada à não exploração, pela adquirente, de forma preponderante, da atividade de compra e venda de imóveis, de locação de imóveis ou de arrendamento mercantil. Isso fica muito claro quando se observa que a expressão “nesses casos” não alcança o “outro caso” referido na primeira oração do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF.

(...)

Ou seja, a exceção prevista na parte final do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF/88 nada tem a ver com a imunidade referida na primeira parte desse inciso.

Assim, o argumento no sentido de que incide a imunidade em relação ao ITBI, sobre o valor dos bens incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica, em realização de capital, excedente ao valor do capital subscrito, não encontra amparo no inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF/88, pois a ressalva sequer tem relação com a hipótese de integralização de capital.

Reitere-se, as hipóteses excepcionais ali inscritas não aludem à imunidade prevista na primeira parte do dispositivo. Esta é incondicionada, desde que, por óbvio, refira-se à conferência de bens para integralizar capital subscrito.

Disso decorre, logicamente, que, sobre a diferença do valor dos bens imóveis que superar o valor do capital subscrito a ser integralizado, incidirá a tributação pelo ITBI, pois a imunidade está voltada ao valor destinado à integralização do capital social, que é feita quando os sócios quitam as quotas subscritas.

A leitura destes parágrafos parece não permitir dúvidas de que o entendimento exposto pelo Eminente Ministro foi expresso no sentido de que a exceção prevista para empresas que desempenhem atividades preponderantemente imobiliárias somente se aplica aos casos de incorporação, fusão e cisão de empresas, alterando substancialmente todo o entendimento pacificado sobre o tema em praticamente todas as cortes judiciais do País. A exegese dada pelo Ministro parece inclusive “brigar” com o texto constitucional.

O último parágrafo do voto não deixa dúvidas de que estes trechos consistem em razões de decidir do julgado, vez que iniciado com os termos “disso decorre, logicamente (...)”. Assim, podemos entender que o acórdão do STF, assentado sobre o voto do Min. Alexandre de Moraes, fixou que “(...) incide a imunidade em relação ao ITBI, sobre o valor dos bens incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica, em realização de capital, (...)” sendo que esta imunidade “(...) é incondicionada, desde que, por óbvio, refira-se à conferência de bens para integralizar capital subscrito (...)”. Ou seja, inovou.

No nosso sentir, infelizmente, o voto vencedor não obteve a melhor atenção e estudo para um tema tão importante ao Direito Tributário e, por óbvio, para os cidadãos e empresas, o que poderá levar à multiplicação dos questionamentos ao invés da redução.

Ademais, tendo o caso sido julgado em regime de repercussão geral, no nosso entender, ainda que não haja efeito imediato às causas alheias ao caso concreto, à semelhança das súmulas vinculantes, é fato que o julgamento e até mesmo o processamento de recursos voltados ao STF sobre a temática serão afetados, vez que os casos decididos de acordo com teses fixadas em repercussão geral devem ser barrados nos Tribunais inferiores, e estes, por sua vez, são orientados a seguirem as teses fixadas pelos Tribunais Superiores, caso do STF.

Diante de todo este cenário, verificamos dois possíveis pontos de questionamento derivados do voto vencedor proferido pelo Min. Alexandre de Morais: a correta aferição da base de cálculo do ITBI quando o valor (de mercado) do bem exceder o capital subscrito (pelo valor histórico da DIRPF); e, ainda, a aplicação da exceção (imunidade constitucional do ITBI) à integralização de capital em pessoas jurídicas, mesmo que tais empresas desempenhem atividades preponderantemente imobiliárias.

Mais uma vez o Supremo Tribunal perde uma chance de ouro de contribuir com a pacificação jurisprudencial. No caso ora abordado, inclusive, nos parece que o STF andou mal na exegese tanto da incidência do ITBI, quanto da sua hipótese de imunidade.

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*Ricardo Lima Melo Dantas é advogado, sócio do escritório Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados.





*Pedro Junqueira Pimenta Barbosa Sandrin é advogado do escritório Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados.

 

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