Em razão da covid-19, que vem assolando o mundo e o nosso país, passou a ser debatido no Senado Federal em meados de abril deste ano o projeto de lei 1.179/20, que se preocupa em estabelecer novos regramentos de urgência por intermédio da criação de um regime jurídico emergencial e transitório das relações jurídicas de direito privado, no período da pandemia.
O referido projeto não tem o condão de alterar as leis vigentes. Mas, dado o caráter emergencial da crise gerada pela pandemia, objetivou criar regras transitórias com fins de proteção de certas relações jurídicas que, em alguns casos, suspendessem temporariamente a aplicação de dispositivos dos códigos e das leis extravagantes, limitando-se a tratar de matérias preponderantemente privadas.
Sob o palco das relações consumeristas, o referido projeto de lei traz a lume um único artigo no seu Capítulo V (artigo 8º), que cuidou estritamente de suspender – até 30/10/20 –, a aplicação da regra do artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor (o chamado “direito de arrependimento pelo consumidor”) na hipótese do produto ou do serviço contratado ocorrer por entrega domiciliar (delivery). Relembrando, o direito de arrependimento é o benefício legal concedido ao consumidor que o permite desfazer uma contratação, sem ônus, na hipótese dela ter sido realizada fora do estabelecimento físico do fabricante ou comerciante, já que nesta situação não é possível ao consumidor aferir com precisão e exatidão o que se está contratando, podendo esta expectativa ser frustrada.
Confira, em seguida, a redação original do artigo 8º constante do projeto de lei 1.179/20: “Art. 8º Até 30 de outubro de 2020, fica suspensa a aplicação do art. 49 do Código de Defesa do Consumidor na hipótese de produto ou serviço adquirido por entrega domiciliar (delivery).”
Fato é que a redação do referido texto legal causou enorme desconforto e insegurança ao empresário que atua no comércio varejista e atacadista do “e-commerce”. Isto porque não foram especificados quais produtos e serviços deveriam se submeter aos efeitos transitórios deste regime emergencial, bem como se a referida norma valeria para todos os setores e segmentos da indústria, indistintamente, já que a única condição é que a contratação de produtos e serviços se desse por meio de entrega domiciliar (destaca-se que o crescente mercado de “e-commerce” movimentou, no país, cerca de R$ 75,1 bilhões em 2019).
A insegurança criada levou vários empresários a questionar os impactos incertos dessa regra sobre os seus negócios, especialmente na garantia legal e contratual dos seus produtos e serviços, bem como os impactos em toda a cadeia de consumo e as adaptações que deveriam ser conduzidas na estratégia de atendimento ao consumidor no pós-venda. Inegavelmente, acendeu-se o farol vermelho de uma avalanche de litígios consumeristas pós-pandemia em desfavor da indústria em geral, trazendo mais preocupação sob o ponto de vista financeiro aos empresários.
Felizmente estas dúvidas foram estancadas com a sanção da lei federal 14.010, de 10/6/20. Com o advento da nova lei, o artigo 8º foi modificado para limitar o seu escopo apenas para produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos. Confira a seguir a redação constante da nova lei: “Art. 8º. Até 30 de outubro de 2020, fica suspensa a aplicação do art. 49 do Código de Defesa do Consumidor na hipótese de entrega domiciliar (delivery) de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos.”
Em nosso entendimento, as alterações lançadas no dispositivo legal acima foram de extrema relevância e muito bem-vindas para limitar e enquadrar no referido regime jurídico transitório apenas a suspensão do direito de arrependimento do consumidor em relação a produtos de consumo imediato e de medicamentos.
Concluindo, a redação estampada no artigo 8º da lei federal 14.010, de 10/6/20, deixa claro que, até 30 de outubro de 2020, está suspenso o direito de arrependimento previsto no Diploma Consumerista, benefício este válido exclusivamente para entrega domiciliar de produtos perecíveis e medicamentos, não impactando ou afetando os fabricantes e empresários que comercializam produtos dos demais setores da indústria e do comércio, ao que se aplicam as regras atualmente em vigor.
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