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Da necessária disseminação dos MASCs na pandemia

Com o avanço do vírus e a prorrogação das medidas de isolamento, a vida em sociedade foi gravemente atingida e muitos reflexos foram percebidos nas relações jurídicas firmadas em diferentes esferas, sejam familiares e de sucessões, profissionais ou contratuais.

24/8/2020

Há cinco meses, no dia 11 de março, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou estado de pandemia em razão da epidemia do covid-19 e, desde a declaração, muitas medidas para contenção do avanço da doença foram tomadas, como a instituição de medidas de isolamento social.

Com o avanço do vírus e a prorrogação das medidas de isolamento, a vida em sociedade foi gravemente atingida e muitos reflexos foram percebidos nas relações jurídicas firmadas em diferentes esferas, sejam familiares e de sucessões, profissionais ou contratuais.

No âmbito do direito de família, podemos citar o aumento astronômico do número de pedido de divórcios1, bem como a dificuldade de se estabelecer o funcionamento da guarda compartilhada e a visitação dos filhos durante este período atípico. Ainda, com o triste aumento de óbitos no país, o número de conflitos no âmbito das sucessões, consequentemente, também foi ampliado de forma exponencial.

Adiante, no âmbito trabalhista, podemos mencionar que além de ficar notória a fragilidade do trabalhador informal2, que ficou durante grande período sem renda, uma vez que impossibilitado de trabalhar, estamos diante de um período de tamanha instabilidade de empregos, em que muitos empregados tiveram seus salários reduzidos, outros foram demitidos, de modo que a taxa de desemprego restou alargada de forma significativa.3

Com relação às relações contratuais no sentido amplo, podemos observar uma diversidade de desavenças. Como forma de exemplificar, podemos narrar a respeito do cancelamento de viagens que, em razão do fechamento das fronteiras, se fez necessário, mas gerou diversos impasses com companhias aéreas, agência de turismo e hotéis. Seguindo, podemos citar, também, o aumento de questões no que concerne ao aluguel, seja no âmbito residencial ou comercial. Por fim, ainda podemos indicar como exemplo, os financiamentos, que, por conta da dificuldade no recebimento de renda pelos trabalhadores, acabaram sofrendo tentativas de resolução ou revisão contratual.

Portanto, verificamos que houve um grande aumento de litígios durante o período de isolamento social, de modo que se faz necessária a disseminação dos tipos de meios de resolução de conflito e incentivo à sua utilização, sob pena de enfrentarmos um acentuado ajuizamento de demandas assim que as atividades judiciais sejam completamente retomadas, o que poderia inviabilizar a prestação jurídica adequada.

À vista disso, os operadores do direito têm se reinventado, adaptando-se e criando métodos de modo a auxiliar na reinvenção do próprio sistema jurídico como um todo. O Poder Judiciário foi um dos grandes afetados, tanto por ser órgão de suma importância para a manutenção da ordem no país, quanto pela necessidade de rápidas modificações estruturais a fim de ajustar a atividade jurisdicional à nova peculiaridade em que vivemos.

Por esta razão que, em tempos de pandemia, se tem ressaltado a importância das partes tentarem o diálogo antes e durante o ingresso de ação judicial. Isso porque, além da solução consensual ser, em regra, a via mais rápida, faz-se necessário ponderar o atual momento, seus reflexos em todos os setores, bem como o bom senso das partes a fim de que um não saia totalmente prejudicado, uma vez que a pandemia, em tese, prejudicou a todos.

Ademais, é necessário salutar a insegurança da espera pela entrega jurisdicional, uma vez que a demora pode acarretar, efetivamente, no não recebimento de alguma indenização, pois diversas empresas, diariamente, têm fechado as portas, em razão dos reflexos suportados pelas medidas de isolamento social.

E é neste contexto que se mostram tão importantes os Métodos Adequados de Solução de Conflitos - MASCs, pois são uma alternativa para o tão abarrotado Judiciário. Contando com uma maior celeridade, os métodos alternativos para solução de conflitos geram uma maior economia, resultando em maior satisfação das partes envolvidas.

No nosso ordenamento jurídico, identificamos dois grandes grupos de métodos de resolução consensual de conflito que podem ser classificados em autocompositivos e heterocompositivos. Os autocompositivos ainda podem ser subdivididos três categorias: a negociação, a conciliação e a mediação enquanto os heterocompositos subdividem-se em arbitral e jurisdicional.

Nas palavras de Didier Jr (2016). “Autocomposição é o gênero do qual são espécies: a) Transação: concessões mútuas; b) Submissão de um à pretensão do outro; reconhecimento da procedência do pedido; c) Renúncia da pretensão deduzida.”

A negociação permite acordo judicial ou extrajudicial entre as partes sem que haja intervenção de terceiro, desde que os conflitos envolvam direitos disponíveis, de modo que somente se faz necessário o ingresso com ação para homologar a transação firmada.

A mediação é firmada na presença de terceiro imparcial, o mediador, que auxilia no diálogo das partes. A mediação é uma forma de diálogo que nasce da vontade das próprias partes em conflito, que encontram uma solução viável a ambos, mediante conversa harmônica, com auxílio do mediador.

Assim, o objetivo da mediação, além de promover a resolução de conflitos entre as partes, é preocupar-se com o problema em si, a fim de garantir uma relação futura, razão pela qual se faz tão importante o papel das próprias pessoas na efetiva solução do problema, para que haja reconhecimento e alteração de comportamento de forma consciente.

A conciliação também é administrada por um terceiro, denominado conciliador, a quem compete aproximar as partes, controlar as negociações, apontando vantagens e desvantagens, sugerir e formular propostas com o objetivo de alcançar a composição. Portanto, na conciliação, diferentemente da mediação, o terceiro tem papel ativo, com a prerrogativa de sugerir acordo após avaliar as vantagens e desvantagens.

Por outro lado, na heterocomposição, a solução do conflito é transferida para um terceiro imparcial (árbitro ou juiz), e ele estabelece a resposta definitiva em relação à questão posta. Como dito acima, a heterocomposição também pode ser subdivida em categorias: arbitral e jurisdicional.

A arbitral pode ser entendida como uma alternativa extrajudicial e voluntária, a qual as pessoas capazes, sejam físicas ou jurídicas, elegem como meio para solucionar conflitos. Não cabe influência, portanto, do Poder Judiciário. As partes irão escolher o árbitro, que é pessoa de confiança, especializada naquele tipo de conflito e que atuará de forma neutra e imparcial para solucionar controvérsias. A decisão final é, portanto, proferida por este árbitro e tem caráter definitivo.

Essas soluções são caracterizadas pela extrema rapidez, o que não se evidencia no Poder Judiciário. Ainda, há quem prefira a solução arbitral, posto que o arbitro é especializado no conflito, de modo que terá elementos suficientes para, de forma imparcial, decidir sobre a questão posta. Com a assinatura da cláusula compromissória, o instituto assumirá caráter obrigatório, sua sentença terá força judicial, sendo proferida por esses especialistas, escolhidos pelas partes conflitantes.

A arbitragem surgiu para desafogar a jurisdição estatal e é largamente utilizada no âmbito do comércio internacional, no entanto, por ser ainda um instrumento caro, não possui a amplitude que poderia ter para outros setores.

A jurisdicional, por fim, é aquela que ocorre quando as partes se utilizando do seu direito de ação para provocar o estado-juiz para resolução do litígio.

O Código Processual Civil de 2015 introduziu em nosso ordenamento jurídico o modelo multiportas de resolução de disputas, ou seja, cada conflito deve ser encaminhado para o meio mais adequado de resolução dentre os tantos citados anteriormente. Para Tartuce (2016, p.4) “o processo judicial não constitui a via adequada para a composição de todos os conflitos, devendo o Estado oferecer outros mecanismos para garantir o acesso a justiça”. Portanto, a especialização do pacificador é importante para assegurar a resolução do conflito de forma personalizada e mais bem fundamentada.

Assim, entender esse momento e seus impactos se torna essencial para que a resolução do conflito seja a melhor e mais correta possível, considerando todas as nuances do caso concreto. A prestação jurisdicional efetiva não é somente aquela que põe fim ao processo, mas também aquela que resolve o conflito da melhor forma no menor tempo possível, o que será inviável se todos os conflitos inchados pelo isolamento social forem solucionados tão somente pela via judicial. Deixar de recorrer ao Judiciário não é abrir mão da justiça, pelo contrário, é procurar meios mais eficazes e céleres para sua obtenção, utilizando-se do método mais adequado para resolução da lide.

Inclusive, o entendimento dominante é de que não é só o estado-juiz capaz de fazer justiça. Neste sentido alude Kleber Cazzaro (2013, p. 183) “a evolução do Direito e, consequentemente, da jurisdição, está intimamente atrelada à evolução do próprio Estado. Portanto, um dos principais focos de ação do Estado é exatamente o estabelecimento de métodos para tratamento de conflitos em Sociedade.”

E, no presente momento, em que a incerteza e a angústia são tamanhas, torna-se necessário fomentar esse pensamento de interação entre as partes por meios de seus advogados, com o intuito de afastar o individualismo do processo, de modo que o papel de cada um dos operadores do direito seja o de cooperar com boa-fé numa eficiente administração da justiça, buscando a composição. É necessário desenraizar a política da judicialização!

Entendemos que o diálogo nunca foi tão importante como no atual momento atual, de modo que mais do que nunca há necessidade dos operadores do direito examinarem soluções alternativas antes da judicialização, de modo a serem os protagonistas de soluções de composição e não somente representantes de demandas coletivas. Nas palavras de Câmara (2002, p.2) “se o Estado tem o monopólio da jurisdição, não tem o monopólio da realização da Justiça. Esta pode ser alcançada por vários meios, sendo a jurisdição apenas um deles.”

O momento, portanto, é importante para refletirmos e rediscutirmos o papel do poder público e dos operadores do direito na busca pelo bem-estar coletivo e, para que o Estado-Juiz possa atuar como principal ator desse cenário, faz-se necessário que se retirem dele certas amarras que engessam seu campo de atuação, de modo a desafogar o Judiciário para que prestem jurisdição adequada.

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1 Informação extraída de: Clique aqui

2 Informação extraída de: Clique aqui

3 Informação extraída de: Clique aqui

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DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 18 ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2016.

TARTUCE, Fernanda. Mediação nos Conflitos Civis. 3 ed. Rio de Janeiro: Ed. Método, 2016.

GRADOS, Guido Cesar Aguila; CAZZARO, Kleber; STAFFEN, Márcio Ricardo (orgs.). Constitucionalismo em mutação: Reflexões sobre as influências do Neoconstitucionalismo e da globalização jurídica. Blumenau: Nova Letra, 2013.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Arbitragem.3.ed.rev.amp.E.atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.

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*Renata Belmonte é advogada do escritório Albuquerque Melo Advogados.






*Amanda Zanoni é advogada do escritório Albuquerque Melo Advogados.

 

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