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Como ficam as relações de trabalho após a perda da vigência da MP 927?

É certo as medidas provisórias editadas pelo presidente em situações de relevância e urgência são normas com força de lei, e que produzem efeitos jurídicos imediatos. Porém, precisam da posterior apreciação pelas Casas (Câmara e Senado) do Congresso Nacional para se converter definitivamente em lei ordinária.

21/8/2020

Inicialmente cumpre destacar que a MP 927, de 22 de março de 2020, fora editada pelo presidente da República a fim de regulamentar medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo decreto 6, de 20 de Março de 2020, decorrente do coronavírus (covid-19)

É certo as medidas provisórias editadas pelo presidente em situações de relevância e urgência são normas com força de lei, e que produzem efeitos jurídicos imediatos. Porém, precisam da posterior apreciação pelas Casas (Câmara e Senado) do Congresso Nacional para se converter definitivamente em lei ordinária.

O artigo 62 da CF/88 traz as regras gerais de edição e apreciação das medidas provisórias, definindo, inclusive, os assuntos e temas sobre os quais não podem se pronunciar.

Ademais, importante frisar que seu prazo inicial de vigência é de 60 (sessenta) dias, sendo prorrogado automaticamente por igual período caso não tenha sua votação concluída nas duas Casas do Congresso Nacional.

Destarte, a MP 927 chegou a ser aprovada pela Câmara dos Deputados, mas não teve consenso no Senado Federal, onde inclusive recebeu inúmeras emendas.

Visto isso, tem-se que a MP 927/20 perdeu o prazo para votação no dia 19/7/20, e, com isso, “caducou”, ou seja, perdeu sua validade.

Mesmo enquanto vigorou, cabe lembrar que a MP foi motivo de discordância dentre os membros da equipe econômica do governo, entidades de classe e parlamentares. Tanto que o Supremo Tribunal Federal teve a chance de apreciar o seu texto, analisando sua constitucionalidade e declarando dois artigos inconstitucionais (artigos 29 e 31).

O artigo 29 da MP 927 restringia a interpretação acerca da caracterização de doença ocupacional em virtude do coronavírus, destacando que não seria considerada doença do trabalho, exceto mediante comprovação do nexo causal. Já o artigo 31 transformava os auditores fiscais do trabalho em meros consultores que, ao realizarem fiscalizações nesse tempo, não iriam autuar as empresas durante a pandemia, mas apenas aconselhá-las a adequarem à legislação.

Esses dois artigos declarados inconstitucionais foram suspensos pelo STF ao passo que o restante do texto que disciplinava as demais providências dispostas na MP 927 foi mantida intacta.

Pois bem. Voltando o olhar para o prazo da MP 927 que foi expirado no dia 19/7/20, uma vez que sua votação não fora concluída, conforme já exposto, surgem aí inúmeras dúvidas, como por exemplo:

O texto publicado em março da MP, flexibilizou regras trabalhistas e permitiu aos empregados à negociação de forma direta com os funcionários, sem mediação do sindicato trabalhador, para realizar acordos sobre o teletrabalho, suspensão temporária do contrato de trabalho, antecipação de férias e feriados, banco de horas, adiamento do recolhimento do FGTS por três meses, dispensa de exames médicos ocupacionais, jornadas exaustivas dos profissionais de saúde, dentre outros temas.

Logo, não há dúvidas de que a MP visava facilitar a manutenção dos postos de trabalho por causa da crise gerada pela pandemia do coronavírus.

Visto isso, é possível afirmar que as medidas excepcionais da MP 927, adotadas em contratos de trabalho que estavam em vigor, como, por exemplo, a antecipação de férias, feriados, compensação de jornada e, que já se encerraram, são válidas e o STF não declarou inconstitucional, consequentemente, tudo indica que o Poder Judiciário trabalhista vai ratificar.

Com isso, não há dúvidas de que tudo que foi pactuado enquanto a MP 927 estava em vigor continua tendo validade, ou seja, os acordos realizados entre empregado e empregador devem ter sido realizados enquanto a medida provisória estava vigente, no período de 120 dias, compreendido entre 22/3/20, quando fora publicada no Diário Oficial da União, até 19/7/20.

No entanto, a partir do dia 19/7/20, destacam-se as medidas que foram mais utilizadas entre empregadores e trabalhadores, mas que não podem mais serem utilizadas:

Ademais, chama-se atenção para outras mudanças com a caducidade da MP 927:

1) Home Office/Teletrabalho:

2) Férias coletivas e individuais:

3) Feriados:

4) Banco de horas:

5) Segurança e saúde do trabalho:

6) CIPA:

E, ainda, os profissionais de saúde voltam à jornada normal. Nesse ponto, sabe-se que antes mesmo da pandemia esses profissionais já laboravam em jornada exaustiva, como, por exemplo, o regime 12X36, e a MP 927, que perdeu a vigência, disciplinava uma jornada que era de 12 horas de trabalho, prorrogada por mais 12 horas subsequentemente, sem o descanso de 36 horas, que inclusive o STF, no momento em que apreciou a respectiva MP, não declarou esse regime 12X12 como inconstitucional, sendo factível que a Justiça do Trabalho venha reconhecê-lo também, observado o período em que as medidas excepcionais da MP 927 ainda eram válidas.

Além disso, faz-se necessário destacar que com a caducidade da MP 927 significa dizer que ela não pode modificar outra lei vigente, ou seja, se existem regras próprias na CLT, como, por exemplo, o teletrabalho, que, em princípio, é bilateral, para aqueles que antes eram presenciais; artigos que disciplinam exames médicos e periódicos; constituição de CIPA, dentre outros, e os quais não estavam sendo aplicados em razão da vigência da MP 927 que assim impedia, no momento atual essas regras próprias passam novamente a ser aplicadas.

Em resumo, a partir do dia 19 de Julho de 2020 voltam as regras previstas na CLT, que eram devidamente aplicadas antes da pandemia.

No mais, o que se pode afirmar, diante de todo exposto, é que qualquer medida provisória que perde sua vigência – não sendo votada para ser convertida em lei e não tendo o Congresso Nacional cumprido com as formalidades que deveria, com a edição de um decreto legislativo, para explicar, regulamentar, disciplinar a situação da MP durante sua vigência, que seria o mais correto, nos termos do artigo 62 da CF/88 – gera uma grande insegurança jurídica, que desencadeia uma série de discussões na Justiça, pois o cenário é de incerteza para empresas e trabalhadores.

E, por fim, a realidade existente é a continuidade da pandemia, uma vez que, como é de conhecimento de todos, não houve ainda uma contenção do coronavírus. Logo, continua sendo imperativo o isolamento, não existindo regras trabalhistas específicas para regulamentar o atual momento, a não ser a redução e suspensão do contrato de trabalho, cuja então MP 936 fora convertida na lei 14.020/20.

Em arremate, o que se espera é que tão logo seja editada nova MP a fim de evitar o aumento desgovernado do índice de desemprego, uma vez que conforme já destacado anteriormente e pontuado pelo professor Ricardo Calcini, “O Senado, ao deixar de votar a referida medida provisória, põe em xeque o próprio crescimento da economia do país e a retomada gradual de postos de trabalho, na medida em que as empresas precisam de uma legislação mais contemporânea para lidar com um momento de total anomalia. A legislação trabalhista, tal como posta hoje sem a MP 927, não consegue, em tempo e modo, lidar com esta atual situação excepcional. Infelizmente, aplicar a CLT, para enfrentar as consequências ocasionadas pela Covid-19, é estimular a não abertura de postos de trabalho, inclusive incentivando as rescisões contratuais daqueles poucos ainda existentes no país”!

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*Cristina Ottoni Flávio é advogada no escritório Muzzi & Advogados Associados. Pós-graduada em Direito Material e Processual do Trabalho pela PUC/MG.





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Ricardo Souza Calcini  é mestre em Direito pela PUC/SP. Professor de pós-graduação em Direito do Trabalho da FMU. Palestrante e instrutor de eventos corporativos "in company" pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos.

 

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