Migalhas de Peso

A divindade da ciência e a ciência da divindade

O caminho da Sabedoria é o que enxerga os papéis da Ciência e da Fé no tecido social e no coração de cada um. Erra-se muito ao contrapô-las, excluindo uma para deixar outra. Muito disso, claro, se deve a ignorância e má vontade ideológica.

21/8/2020

Ninguém nega a importância da Ciência, ainda mais em tempos de covid-19. Mas não se pode, a partir dessa qualidade notável, atribuir-lhe autoridade de deus ou caráter de religião, muito menos supor que possa dar resposta final para os anseios últimos do homem.

Seu sentido, incompleto e transitório, no final das contas depende de guiamento, a embasar as finalidades de cada ato e as justificativas de cada escolha. Supõe um ato de fé inicial, uma escolha, digamos, arbitrária, de que estudaremos isto e não aquilo, que isto vale e aquilo não, sem o que estaríamos tateando às escuras, esperando por amparo num mundo em ruínas, incapaz de explicar-se a si mesmo e, assim, de dar a lei a que todas as leis obedecem.

Seu desenvolvimento precisa partir de valores irrenunciáveis, jamais tomar por premissa a ideia que os exclui, baseado naquele ceticismo fácil, que de científico tem muito pouco. A existência do Absoluto, o Ser imóvel em torno do qual giram as filosofias, é o princípio e o fundamento de tudo.

O caminho da Sabedoria é o que enxerga os papéis da Ciência e da Fé no tecido social e no coração de cada um. Erra-se muito ao contrapô-las, excluindo uma para deixar outra. Muito disso, claro, se deve a ignorância e má vontade ideológica.

Para afirmá-lo nem seria preciso buscar amparo na Encíclica Fides et Ratio (Fé e Razão), do Papa São João Paulo II ou invocar pensadores como Blaise Pascal, homem de grande fé e de muita ciência.

Basta apenas ouvir a voz do coração que, segundo a tradição judaica, é também a voz do conhecimento. A razão dá sentido à fé e a separa da mera crendice; a fé reveste de especial dignidade a ciência e a impede de enveredar por caminhos sombrios.

Foi por ódio à religião verdadeira, por desprezo à ética fundada no único imóvel ponto do mundo que gira, por amor desmedida à razão que, no século passado, os cientistas do Nazismo protagonizaram algumas das maiores aberrações que o gênero humano já testemunhou.

A Ciência não é inimiga da Fé, mas um dos seus mais importantes frutos. Como um amigo me disse, inspirado em texto Bíblico (Rom 1, 20): “Ciência, para mim, é o descobrimento do pensamento de Deus, o Criador. Para o cientista não crente, mas sincero, vai ser o caminho de Deus”.

Independentemente da fé de cada um, ou mesmo da falta de alguma (sem isso se converta em ativismo contrário), acredito que uma dose de boa vontade e estudo sincero acaba por desfazer essa oposição aparente que os tempos puseram entre ambas.

Tão errado quanto desprezar a Ciência é render-lhe culto, como fizeram algumas das piores correntes ideológicas, a exemplo do iluminismo, positivismo, marxismo e materialismos em geral. Um provérbio árabe, com duas versões, faz bom resumo do que penso: “Confie em Alá, mas amarre seus camelos” ou “Amarre seus camelos, mas nunca deixe de invocar a proteção de Alá”.

De modo que assumir os limites da Ciência não significa fazer oposição a ela; e sim tornar-se capaz de aderir a seus esforços, de reconhecer seus méritos, sem se deixar levar pelas ilusões que cercam o idólatra, sempre a exigir do objeto de culto mais do que ele será capaz de um dia oferecer.

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*Paulo Henrique Cremoneze é advogado com atuação em Direito do Seguro e Direito dos Transportes. Sócio do escritório Machado, Cremoneze, Lima e Gotas - Advogados Associados. Mestre em Direito Internacional Privado. Especialista em Direito do Seguro.

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