1. Introdução
A busca pela redução da judicialização e pela segurança jurídica trouxe mecanismos de uniformização da jurisprudência ao teor do artigo 926 do Código de Processo Civil, pelo qual “Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.”
Mas esta questão parece contraditória, isso porque, se de um lado as decisões judiciais são proferidas sem fundamentação em razão do volume, por outro lado, este volume também pode ser causado pela ausência de decisões que sigam uma lógica de precedentes, causando a instabilidade do entendimento e trazendo a falsa impressão de direito, o que resulta na judicialização de demandas que poderiam ser evitadas.
Diante disto, entendemos ser necessário discutir sobre a utilização de mecanismos de uniformização para efeito de redução do volume de ações ajuizadas e da quantidade de recursos que chegam aos Tribunais Superiores.
2. Os mecanismos de uniformização da jurisprudência como meios de aumentar a segurança jurídica e diminuir a judicialização de conflitos
O artigo 927 do Código de Processo Civil trouxe mecanismos de utilização do efeito vinculante aos precedentes, súmulas e demandas repetitivas, com o intuito de reduzir a judicialização das demandas repetitivas, a quantidade de processos que chegam aos Tribunais Superiores, a discrepância de decisões nos diferentes Tribunais do país ou até mesmo entre as turmas, e, por consequência, visa buscar a segurança jurídica das decisões.
Estes mecanismos são aplicados às decisões judiciais de mérito, utilizando-se de súmulas, precedentes ou enunciados de entendimentos dos Tribunais Superiores em demandas repetitivas para julgamento de casos concretos de maneira uniforme.
Os mecanismos enumerados no artigo 927 do CPC partem da premissa trazida pelo artigo 926 do mesmo diploma, que determina aos Tribunais que promovam a uniformização da jurisprudência, mantendo-a estável, íntegra e coerente.
A estabilidade da jurisprudência seria possível se não ocorressem alterações repentinas e injustificadas de entendimento, que acabam prejudicando a segurança jurídica dos jurisdicionados nas suas relações entre si e com o Estado, porque não há uma lógica de utilização dos precedentes ou não se mantem uma tradição de posicionamento.
No entendimento de Tereza Arruda Alvim (2015), a jurisprudência não pode ser alterada, salvo se presentes duas hipóteses, primeiro, quando o entendimento modificado for equivocado, segundo, quando houver alterações no plano social. Isto porque o entendimento dos Tribunais não pode ser estático e alheio às mudanças e clamores sociais.
Para que ocorra alteração do entendimento firmado, o parágrafo 4º do artigo 927 do CPC determina que contenha “fundamentação adequada e específica”, o que, no entendimento de Alvim (2015), seria o rechaço de todos os argumentos embasadores da tese que se pretende abandonar, bem como fundamentos da tese que será adotada.
Nesse sentido, a alteração “pode ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese”, a teor do que determina o parágrafo 2º do artigo 927 do CPC, pressupondo a devida manifestação dos interessados para demonstrarem eventuais alterações no plano social, cultural e econômico, que justifiquem a mudança do entendimento e possam chegar perto de uma adequação do direito à realidade social, o que também demandaria tempo para resultar em eventual mudança, amadurecendo o entendimento do Órgão.
A jurisprudência deve ser, também, íntegra e coerente, seguindo o disposto nos artigos 10 e 489 do CPC, com uma fundamentação que vá além da aplicação da norma ao caso concreto.
Na verdade, a fundamentação da decisão judicial prescinde também de análise das teses jurídicas arguidas, da motivação pelo acolhimento ou não da argumentação, após o devido exercício do contraditório pelas partes, que toma um contorno ainda mais complexo no conceito do CPC de 2015.
Não basta que o julgador oportunize às partes que manifestem sobre as teses arguidas ou documentos juntados pela parte contrária na inicial, na defesa ou durante a instrução processual; é necessário que antes de decidir o juiz conceda prazo às partes para se manifestarem sobre a tese ou fundamento jurídico no qual irá se basear, mesmo que este não tenha sido invocado por nenhuma das partes e ainda que seja matéria passível de decisão de ofício, a exemplo da coisa julgada ou da prescrição.
Esta previsão tenta evitar as “decisões surpresa”, nas quais o julgador encontra saída distinta de qualquer dos argumentos expostos pelas partes e julga consoante seu arbítrio, deixando de conceder a elas a oportunidade de se manifestarem sobre a tese jurídica que irá embasar a decisão.
O parágrafo 3º do artigo 927 do CPC traz ainda a possibilidade de “modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica”, o que resultaria na aplicação do enunciado firmado em casos futuros, norteando as decisões judiciais com a nova tese jurídica adotada, dando forma ao precedente. Todavia, a modulação, em princípio, também poderia causar insegurança jurídica, se aplicada de imediato, na medida em que interfere nos atos já realizados pelos jurisdicionados em suas relações, que estão ou não sub judice, se for concedido efeito ex tunc ao provimento vinculante, ou seja, com efeito retroativo.
Por este motivo, consoante Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (2016), aplica-se de forma análoga e extensiva da Lei da Ação Direta de Inconstitucionalidade (LADIn), artigo 271, que permite ao STF a adoção de efeito ex nunc, ou seja, a partir de então às decisões no processo de controle abstrato concentrado das leis e atos normativos, fixando o dies a quo, ou seja, prazo para início da vigência do provimento vinculante em data futura, como meio de não atingir situações consolidadas. Sobre esta base, entende que não seria necessário adotar a aplicação do referido artigo, já que a própria Constituição proíbe a irretroatividade do direito pela garantia indiscutível da segurança jurídica, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada.
No caso de superação de entendimento, Nery Junior e Nery (2016) diz que a norma de aplicação da modulação com eficácia ex nunc é ainda mais necessária, senão obrigatória, em razão da boa-fé objetiva e da segurança jurídica, sob pena de prejuízo ao jurisdicionado, que agiu lastreado pela lei até então considerada constitucional ou consoante interpretação dada pelos tribunais naquele sentido.
Outrossim, segundo Nery Junior e Nery (2016, p. 1972), o princípio da boa-fé objetiva fundamenta-se também no princípio da confiança, segundo o qual “se deve proteger a confiança que os atos ou condutas da Administração/Judiciário provocaram no espírito ou na esfera jurídica do administrado/jurisdicionado”, não podendo haver mudança repentina e imediatamente aplicável sem causar prejuízo aos interessados.
Toda esta discussão torna-se especialmente importante face à forma como serão proferidas as decisões judiciais que farão parte de eventual fundamento de jurisprudência, súmula ou precedente, que venham a ser utilizados para uniformizar o entendimento e ser aplicados com provimentos vinculantes por determinado Tribunal, seja de instância Estadual, seja de instância Superior.
A utilização de mecanismos de uniformização não pode sobrepujar a devida interpretação da norma e a correta aplicação ao caso concreto, devendo apenas orientar o julgador a partir de premissas prévias e exaustivamente discutidas, assim como completamente fundamentadas.
A decisão judicial decorre fatidicamente da intepretação da lei face ao caso concreto, não havendo possibilidade de simples aplicação lógica e dedutiva de enunciado de súmula ou precedente, por exemplo, sem a devida análise do caso concreto e sua possível adequação ao mecanismo utilizado e à lei, uma vez que todo pronunciamento judicial prescinde de interpretação.
Para Alexandre Freitas Câmara, a prática dos tribunais brasileiros não está de acordo com o que foi pensado pelo legislador, ao determinar no Código de Processo Civil o emprego dos mecanismos de uniformização de jurisprudência, sendo necessário uma radical mudança na forma de decidir, porquanto as decisões judiciais brasileiras “não levam em conta de modo adequado a história institucional da matéria a ser decidida” (CÂMARA, 2018, p. 169).
De acordo com a pesquisa realizada por Câmara, não há em nossos tribunais o correto uso dos precedentes, por exemplo. Em sua pesquisa, trouxe diversos julgamentos do STF, nos quais são citados precedentes como fundamento das decisões proferidas, no entanto, não há uma preocupação de estruturar as decisões corretamente.
Para a utilização de precedentes, seria necessário haver nas decisões: (I) a descrição da circunstância fática do caso concreto; (II) o que tal circunstância se assemelha ao precedente utilizado; (III) o exame dos argumentos debatidos no voto de cada julgador do órgão colegiado; (IV) o que prevaleceu e o porquê deste argumento ou tese jurídica se aplicar ao caso em julgamento (CÂMARA, 2018).
De fato, esta realidade não ocorre em nossos julgamentos. Não há, primeiramente, a devida indicação do argumento ou tese jurídica que prevaleceu no julgamento, sendo que muitas vezes cada julgador do órgão colegiado utiliza fundamentos divergentes para, ao final, decidir da mesma forma, constando na ementa dos julgados apenas o acolhimento ou não do recurso.
Nos julgamentos em que se utiliza precedentes, consta apenas a citação destes na ementa, com a conclusão de que o julgamento ocorreu daquela ou de outra forma com base no precedente, sem, todavia, realizar o confronto ou cotejo analítico dos fatos e da tese jurídica acolhida.
Ou ainda, há apenas a transcrição de ementa de casos com o mesmo resultado, sem indicar a causa determinante das decisões empregadas, as questões fáticas do caso concreto e o porquê deste se amoldar aos precedentes citados, ou seja, “não há a tentativa de demonstrar que a ratio decidendi do precedente é de algum modo aplicável ao caso sob exame” (CÂMARA, 2018, p. 164).
Destarte, a simples transcrição de precedentes e ementas como fundamento das decisões judiciais “sem identificação de seus fundamentos determinantes e a demonstração de que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos” (CÂMARA, 2018, p.148) não supre o dever de fundamentar determinado pelo inciso V do § 1º do artigo 489 do CPC e descaracteriza a integridade e a coerência necessárias à esperada segurança jurídica.
Além disto, é uma prática processual inconstitucional, porque incompatível com o modelo constitucional de processo civil brasileiro, que por certo também pode causar um engessamento dos julgadores de instâncias inferiores.
É o que ocorre também nos julgamentos baseados apenas em jurisprudências, por exemplo, porque a prática forense brasileira deixa a desejar na utilização dos mecanismos de uniformização como princípio argumentativo das decisões proferidas, apenas citando em suas decisões o que seriam casos análogos, sem demonstrar sua relação com o caso concreto e apenas se limitando a julgar sob fundamento da seguinte expressão: “consoante entendimento pacificado por este tribunal”.
No caso das súmulas, há ainda a tentativa de resumir em enunciado objetivo o entendimento do tribunal sobre determinada tese jurídica. O problema é que a súmula passa a ser uma norma jurídica aplicável em todos os casos semelhantes a partir daquele momento, tornando as decisões dos tribunais em “superdecisões”. Entretanto, desconsiderando o pensamento positivista de que a lei conteria a infinidade de soluções dos casos, torna-se texto normativo preexistente e abstrato, utilizado sem a devida problematização do caso concreto e por simples subsunção aos casos repetitivos, ou seja, sem a devida interpretação construtiva, a pretexto de reduzir o tempo de julgamento e de reduzir a judicialização.
É uma prática contrária ao pensamento pós-positivista e não alcança tais objetivos, porque a atividade interpretativa vai além de entender a vontade do legislador, aqui incluindo o legislador/julgador ao proferir textos normativos (precedentes ou súmulas, por exemplo), e deve avaliar os elementos não linguísticos que perpassam os limites do processo, quais sejam, a realidade social, cultural, política, econômica, jurídica e histórica.
Na realidade, a intepretação da norma e a aplicação do direito ocorrem simultaneamente e sofrem interferência direta do contexto histórico vivido pelo intérprete. E, sem a devida interpretação, não se leva em consideração as alegações das partes, a fundamentação e a problematização decisional, o que é imprescindível para o julgamento dos casos repetitivos.
Neste sentido, Georges Abboud (2018, p. 1103 a 1105) entende que a problemática desse sistema é que ocorre uma consolidação de entendimento a partir de um único caso, com provável impossibilidade de revisão da matéria, uma vez que a única forma de mudança do entendimento jurisprudencial seria por lei.
Em síntese, explicita que, enquanto os positivistas acreditam que o texto normativo conteria a infinidade de soluções de casos, a corrente pós-positivista entende que deve haver uma problematização do texto normativo diante de um caso concreto, acrescentando ao exercício interpretativo a análise da realidade fática, social, histórica, econômica que envolve o caso concreto. E que pelo direito de integridade, o juiz deve acrescentar fundamentação ao julgado para justificar a não aplicação de precedente, sob pena de haver rompimento de integridade (ABBOUD, 2018, p. 1103 a 1105).
Portanto, pode-se dizer que o ato de interpretar do magistrado seria justamente a aplicação da lei e do enunciado ao caso concreto, diante de todos os elementos que o permeiam, fundamentando sua decisão em determinada tese jurídica que melhor se amolda ao caso concreto.
A intenção clara do legislador é de trazer uniformização às decisões judiciais, comprometendo o julgador a proferir decisões que sigam uma lógica de interpretação da norma, seja do seu próprio órgão, seja dos órgãos a ele superiores.
Nery possui posicionamento contrário quanto à aplicação dos mecanismos de uniformização de jurisprudência, exceto das decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade e dos enunciados de súmula vinculante, ou seja, entende que “dar eficácia ao CPC 927 III a V é deixar de observar o due processo of law, o texto e o espírito da Constituição” (NERY JUNIOR, 2016, p. 1963).
Ainda, citando as correntes das escolas da exegese, Nery Junior ensina que, (i) inicialmente o juiz era visto como “boca da lei”, com função apenas de aplicar a lei ao caso concreto; (ii) após veio a corrente em que o juiz “é livre para julgar, não se vinculando apenas ao direito positivo, mas também às demandas da sociedade”; (iii) chegou-se ao momento em que “cabe aos juízes não só elaborar os textos normativos abstratos e de caráter geral (obrigatório), isto é, fazer a lei (súmula, vinculante, súmula, orientações, precedentes), como também aplicá-la” (NERY JUNIOR, 2016, p. 1963).
As hipóteses dos incisos I e II, excetuados como aplicáveis, estão previstos nos artigos 102, 105 e 103-A da Constituição Federal, ao contrário dos demais mecanismos que são trazidos apenas pela lei infraconstitucional, sem previsão na Carta Magna, considerando, portanto, que apenas as normas previstas nesta tem força de lei, não podendo os magistrados elaborar textos normativos.
Justifica seu entendimento contrário sob argumento de que só existe hierarquia jurisdicional em relação aos Tribunais no caso de competência recursal, quando podem cassar decisões de instância inferior. Ao contrário disto, as súmulas, os precedentes e as decisões em recursos repetitivos não possuem força legal capaz de obrigar os magistrados a se vincularem, por não constituírem preceito legal abstrato e de caráter geral com competência vinculativa prevista na Constituição.
Neste sentido, no seu entendimento, os incisos III a V do artigo 927 do CPC seriam inconstitucionais, já que equiparam tais mecanismos à súmula vinculante do STF, e concedem ao Poder Judiciário a função eminentemente legislativa, sem ocorrer prévia alteração da Constituição neste sentido.
Destarte, em que pese o entendimento do nobre doutrinador, o CPC inovou acrescentando procedimentos à forma de julgar, com vistas à redução da litigiosidade e do número de recursos que chegam aos Tribunais Superiores; também não alterou o conteúdo da lei ou da Constituição, mas apenas o método de interpretação da legislação de direito material com vistas à uniformização do entendimento.
Ocorre que o CPC não proíbe os julgadores de realizar interpretação, ao contrário, esta torna-se ainda mais imprescindível para uma correta fundamentação da decisão. O que se verifica é que a utilização de tais provimentos na motivação das suas decisões visa “assegurar não apenas a estabilidade, mas a integridade e a coerência da jurisprudência” (NERY, 2016, p. 1964).
Portanto, mesmo que nas decisões fundamentadas em jurisprudência, precedente ou súmula, houvesse a análise do argumento ou da tese jurídica utilizada, o que não ocorre na prática forense brasileira, como discutido anteriormente, a ratio decidendi não deveria ser compreendida como norma vinculante finalizada e pronta, a ser aplicada sem qualquer interpretação e materialização ao caso concreto, pois é apenas texto normativo.
Assim, a interpretação construtiva não encontra respaldo no pensamento puramente positivista, em que o silogismo é utilizado para aplicação da norma de forma automática, ou seja, apenas encontra e revela a vontade do legislador, que é preexistente.
No pós-positivismo a decisão judicial transcende ao ato declaratório e não criativo do direito, e a decisão judicial deve ser construída diante de uma problematização jurídica entre o caso concreto e a realidade social, cultural, política, econômica, jurídica e histórica que o envolve, para então ser aplicado ao texto normativo.
Seguindo este contexto, Abboud (2018, p. 1106 a 11007) entende que deve haver uma conformação entre o passado do texto normativo e o presente da norma, sem a qual não há uma correta interpretação.
Por outro lado, ensina que, à exceção da súmula vinculante prevista no artigo 103-A da Constituição Federal, nenhum provimento vinculante pode se sobrepor à lei. E que, publicada lei posterior, se for favorável ao provimento vinculante, aplica-se a lei com interpretação ao provimento, se desfavorável, o provimento torna-se inaplicável, sem necessidade de novo julgamento de repetitivo.
Ainda, ensina que para não ocorrer o engessamento da jurisprudência no julgamento de casos repetitivos, é necessário que ocorra diferenciação do caso concreto em relação ao provimento vinculante ou afastamento do provimento vinculante quando apresentado novo argumento não apreciado quando da formação do texto vinculante. E, em caráter geral e abstrato, deve haver revisão de teses jurídicas pelos tribunais para adequá-las ao contexto de incidência.
Sobre a utilização de provimentos vinculantes, Câmara entende que “para que o sistema brasileiro de padrões decisórios vinculantes funcione, é absolutamente necessária uma mudança radical na forma de fundamentar as decisões, tornando-as compatíveis com o modelo constitucional de processo” (CÂMARA, 2018, p. 174).
Já Abboud (2018, p. 1124 a 1126) conclui que os provimentos vinculantes previstos no CPC são mecanismos de contingenciamento de processos repetitivos mal utilizados pelos tribunais, que não resolvem o problema da insegurança jurídica, como amplamente demonstrado, além de pouco contribuir para a democracia.
Destarte, tais mecanismos também não trouxeram diminuição da litigiosidade excessiva, porquanto, ainda não surtiram os efeitos esperados. Ao contrário disto, o que se verifica é que a preocupação com o volume de ações, a utilização equivocada dos provimentos vinculantes e as metas numéricas impostas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), são exemplos de elementos que apenas contribuem para diminuir a qualidade das decisões judiciais.
O Código de Processo Civil é de 2015, já são quase 5 (cinco) anos após a sua edição e o que percebemos é o aumento de casos julgados e baixados, mas não houve diminuição proporcional do número de casos novos, consoante pesquisas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) (JUSTIÇA EM NÚMEROS, 2015-2018).
É que a cultura brasileira é de conflito e os agentes influenciadores são inúmeros, como o cidadão, a mídia, as organizações sociais, os órgãos reguladores, os entes públicos e privados em suas relações jurídicas, e o próprio Poder Judiciário (CNJ, 2011).
Esta já era uma preocupação antes e se tornou ainda maior após o CNJ conseguir formas de medição desses números, construindo uma base de dados capaz de medir a produtividade dos magistrados, número de casos novos, baixados, pendentes e de vincular estas informações a questões ligadas à gestão dos órgãos do Poder Judiciário, conforme disposto na emenda constitucional 45/04.
Esta, inclusive, foi matéria de discussão no VIII Encontro Nacional do Poder Judiciário, que ocorreu 10 anos após a criação do CNJ (CNJ, 2014), evento em que, diante dos números apresentados, chegou-se à conclusão de que a "Cultura da Litigiosidade" poderia sobrecarregar a Justiça com 114 milhões de processos em 2020. Esta marca não está muito distante, pois, de acordo com relatório elaborado em 2019, o Poder Judiciário finalizou o ano de 2018 com 78,7 milhões de processos em tramitação, (JUSTIÇA EM NÚMEROS, 2019) e o número de casos novos só aumenta a cada ano, em que pese o hercúleo trabalho de redução de processos pela baixa e encerramento por meio da tentativa de tramitações mais céleres dos processos.
3. Considerações finais
Portanto, o efeito vinculante que foi aplicado aos mecanismos legais de precedentes, súmulas e resolução de demandas repetitivas pelo CPC de 2015, por si só não resulta na diminuição da quantidade de ações ajuizadas e de recursos levados a julgamento nas instâncias superiores. Por outro lado, a perseguição exclusiva à celeridade processual, ao invés de melhorar a prestação jurisdicional e o acesso à justiça, pode influenciar negativamente na qualidade das decisões judiciais, o que de fato resulta na insegurança jurídica e na supressão de direitos.
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1 BRASIL. Lei 9.868/99.
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BRASIL. Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999. [Lei da Ação Direta de Inconstitucionalidade]. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Brasília: Presidência da República, [1999]. Disponível clicando aqui. Acesso em: 25 maio 2020.
JUSTIÇA EM NÚMEROS. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2015-2018. Anual. Disponível em: Disponível clicando aqui. Acesso em: 25 jan. 2020.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Departamento de Pesquisas Jurídicas. Demandas repetitivas e a morosidade na Justiça Cível Brasileira. [Pesquisa]. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2011. Disponível clicando aqui. Acesso em: 25 jan. 2019.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. “Cultura da litigiosidade” pode sobrecarregar Justiça com 114 milhões de processos em 2020. CNJ, 10 nov. 2014. Disponível clicando aqui. Acesso em: 25 jan. 2019.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Relatório Justiça em Números 2019. Disponível clicando aqui. Acesso em: 31 jul. 2020.
ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2018.
CÂMARA, Alexandre de Freitas. Levando os padrões decisórios a sério. São Paulo: Atlas, 2018.
GONÇALVES, Vinícius José Corrêa. Tribunais multiportas: pela efetivação dos direitos fundamentais de acesso à justiça e à razoável duração dos processos. Curitiba: Juruá, 2014.
NERY JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado. 16ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
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