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O que esperar da sistemática do FUNRURAL após a adin 4.395/DF e com base nas leis 10.256/01 e 13.606/18

Hoje inexiste obrigatoriedade do adquirente em reter e recolher o FUNRURAL devido pela pessoa física empregadora rural com base nas leis 10.256/01 e 13.606/18. Por outro lado, a sub-rogação do adquirente existe tanto no que tange ao SENAR devido pela pessoa física empregadora rural e segurado especial quanto ao FUNRURAL devido pela produção adquirida de segurado especial.

19/8/2020

O Funrural talvez seja um dos tributos de compreensão mais complexa que temos na atualidade, dada a uma confusão legislativa e jurisprudencial sobre o tema. Há pouca verdadeira compreensão da matéria, muito menos sua contextualização no específico mundo do agronegócio. Isso tudo vem gerando um panorama de grande insegurança jurídica, resultando em injustiças fiscais e desvirtuamento da concorrência deste mercado.

No momento, aguardamos o fim do julgamento da adin 4.395/DF, proposta pela Associação Brasileira de Frigoríficos, tendo como relator o ministro Gilmar Mendes. A ação tem por objeto a declaração de inconstitucionalidade do FUNRURAL do empregador rural pessoa física. O julgamento foi suspenso para aguardar o voto do ministro Dias Toffoli. Até a suspensão, a votação estava empatada. Os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello votaram pela inconstitucionalidade de diversos dispositivos, dentre os quais se destaca o que trata da sub-rogação do FUNRURAL na figura do adquirente de produção rural adquirida das Pessoas Físicas produtoras rurais. Prevalecendo a inconstitucionalidade da adin 4.395/DF, na forma como está hoje, significa dizer que o STF encerrará, ou ao menos minimizará, as divergências sobre o tema da sub-rogação prevista na lei 9.528/97.

A questão da sub-rogação das obrigações da pessoa física produtora rural empregadora, todavia, merece algumas reflexões extras. Vale lembrar que a sub-rogação tratada na lei 9.528/97 (e incluída na decisão da adin 4.395/DF) já teve sua aplicação afastada com base na Resolução do Senado Federal 15, de 2017. Essa Resolução foi editada em função do reconhecimento pelo Supremo das inconstitucionalidades do Funrural na Pessoa Física empregadora rural nos autos do RExt 363.852/MG (Caso Mataboi). A Resolução é clara no assunto, esclarecendo existir inconstitucionalidade no artigo 30, inciso IV, da lei 8.212/91, com a redação conferida pela inconstitucional lei 9.528/97.

Da mesma forma, o STF se pronunciou sobre a sub-rogação do adquirente de produção rural de empregador pessoa física no RE 596.177/RS, declarando a inconstitucionalidade dessa sistemática e, neste caso, atribuindo efeito vinculante no Judiciário a todos os casos idênticos para aquela determinada situação (Repercussão Geral). Assim, com base no RExt 363.852/MG, na resolução 15/17 e no RExt 596.177/RS, a responsabilidade do adquirente no FUNRURAL do empregador rural pessoa física (sistemática da sub-rogação ou substituição tributária) já não era possível de ser aplicada por falta de lei que respalde essa sistemática, vindo o atual julgamento da adin 4.395/DF apenas confirmar o que já estava mais que claro pelos precedentes citados.

E como fica a sub-rogação/obrigação de retenção e pagamento dos adquirentes com os “novos” FUNRURAIS da lei 10.256/01lei 13.606/18? Não fica! A lei 10.256/01, mesmo que com sua constitucionalidade reconhecida no julgamento do RExt 718.874/RS (decidido com repercussão geral), não tratou da sub-rogação do adquirente no FUNRURAL da pessoa física empregadora rural, assim como também não se pronunciou quanto ao tema a Suprema Corte na oportunidade do RExt 718.874/RS.

Por outro lado, a recente Lei nº 13.606/18, tratando do PRR (Programa de Regularização Tributária Rural), restou silente sobre o assunto da sub-rogação no FUNRURAL, apenas considerando expressamente da sub-rogação do SENAR. Como se vê, a responsabilidade de retenção e pagamento do adquirente (sub-rogação ou substituição tributária) quanto ao FUNRURAL devido pela pessoa física empregadora rural não foi disciplinada por nenhuma das leis em vigor, não se aplicando, portanto, aos “novos” FUNRURAIS (lei 10.256/01 e lei 13.606/18) qualquer espécie de responsabilidade tributária do adquirente dessa produção rural. Aliás, o CTN é claro ao afirmar que a responsabilidade tributária decorre de disposição expressa de lei (parágrafo único, art. 121 do CTN), claro lei vigente. Jamais poderia ser embasada em lei revogada ou muito menos juízo presuntivo da Administração Pública.

Desse modo, é possível afirmar, com plena convicção, que hoje inexiste obrigatoriedade do adquirente em reter e recolher o FUNRURAL devido pela pessoa física empregadora rural com base nas leis 10.256/01 e 13.606/18. Por outro lado, a sub-rogação do adquirente existe tanto no que tange ao SENAR devido pela pessoa física empregadora rural e segurado especial (art. 16 da lei 13.606/18) quanto ao FUNRURAL devido pela produção adquirida de segurado especial (art. 1º da lei 9.528/97, mesmo após RExt 363.852/MG, RExt 596.177/RS, RExt 718.874/RS e a atualíssima adin 4.395/DF).

A despeito deste raciocínio todo comprovar a certeza das conclusões alcançadas, vale dizer que o adquirente que simplesmente não reter e não recolher o FUNRURAL da produção adquirida de produtor pessoa física empregadora corre o sério risco de ser autuado, em face da manutenção por parte da Fazenda de sua interpretação equivocada sobre o assunto. Por isso mesmo, recomendamos que o adquirente se previna dessas autuações, recorrendo-se preventivamente ao Judiciário para que seja declarado o seu direito e irresponsabilidade fiscal e, logo, não seja sub-rogado na obrigação de FUNRURAL de outrem. Isso porque, pelas regras da responsabilidade fiscal, o sub-rogado responde pelo tributo que tinha dever jurídico de recolher como se fosse obrigação própria. Já no caso de autuações já realizadas, o adquirente tem inúmeros argumentos para fazer cair essas cobranças indevidas e anular esses atos nulos da Fazenda. Este artigo resume a insegurança jurídica gerada nesse tumultuado universo do FUNRURAL devido pela pessoa física empregadora, prejudicando a fluidez da própria cadeia do agronegócio.

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*Florence Cronemberger Haret Drago é sócia fiscal no escritório Nogueira, Haret, Melo e Maroli Advogados (NHM Advogados) e pós-doutora pela USP.

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