Uma das grandes inovações do novo Código de Processo Civil brasileiro, editado há cinco anos atrás (2015), é o sistema de precedentes judiciais, com eficácia vinculante aos órgãos do Poder Judiciário, fundado no primado da segurança jurídica, valor fundamental do ordenamento jurídico (CF, art. 5º, caput) e da coerência do sistema judicial em relação aos seus destinatários, os jurisdicionados, como dispõe o seu art. 926: “Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.
Nesse contexto, devem os juízes observar, de acordo com o art. 927 do Código de Processo Civil, determinados precedentes judiciais fixados em peculiares recursos destinados à uniformização da jurisprudência, em âmbito nacional.
São vinculativas, segundo estabelece a norma:
“I. As decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade,
II. Os enunciados de súmula vinculante,
III. Os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos,
IV. Os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional,
V. A orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados”.
Essa vinculação deve ser prestigiada, inclusive, pelos integrantes das Cortes Superiores, em suas decisões monocráticas ou proferidas em órgãos fracionários, de hierarquia inferior àquele que estabeleceu o precedente ao qual a lei atribui efeitos vinculantes. Caso contrário, além de violar a segurança jurídica, princípio de raiz constitucional, se instalaria uma verdadeira anarquia judicial, que a nova lei processual pretendeu coibir.
Surgiu, assim, ampla discussão na doutrina brasileira, de que os precedentes judiciais acima mencionados vinculariam, também, a atividade do árbitro. Algumas premissas se põem para delimitar a controvérsia e defini-la.
A primeira é a de que as partes devem ter estabelecido, na cláusula compromissória arbitral, que a arbitragem será regida pelo Direito brasileiro A segunda é no sentido de que o árbitro exerce poder jurisdicional, de acordo com a boa doutrina e nos termos da Lei de Arbitragem, que lhe atribui os mesmos deveres aplicáveis ao juiz.
Ou seja, o árbitro, assim como o juiz, deve dizer o direito aplicável ao caso concreto e, no exercício de seu mister, pouco importa a forma de sua investidura, como juiz ou árbitro. O próprio diploma processual equiparou a atividade dos árbitros àquela dos juízes ao prever, no mesmo dispositivo, o poder-dever dos juízes de exercer a jurisdição e a possibilidade de as partes se valerem da arbitragem.
A Lei de Arbitragem, por sua vez, sujeita os árbitros, no exercício de sua função jurisdicional, a responderem pela prática de tipos penais, afetos aos funcionários públicos (lei 9.307/96, art. 17).
Não é porque os árbitros exercem sua função que estariam, necessariamente, atrelados aos precedentes judiciais vinculantes, pois não praticam o mesmo tipo de jurisdição estatal privativa dos juízes.
Aos magistrados cumpre observar o Código de Processo Civil como diploma legal que regula o processo estatal.
Já, a arbitragem tem seu rito processual regulado pelas partes, na convenção de arbitragem (art. 21, lei 9.307/96), respeitados os princípios constitucionais, dentre os quais se destacam os da ampla defesa e do contraditório. E, isso, sem prejuízo de as partes estipularem, em conjunto com o(s) árbitro(s), negócios jurídicos processuais, como permite a lei, através da prática de atos negociais com a estipulação de regras procedimentais, direitos e obrigações no termo inicial da arbitragem ou em momento posterior.
A liberdade das partes no processo arbitral é, então, maior do que aquela concedida pelo novo Código de Processo Civil, embora esse admita, ainda que de forma mais limitada do que na arbitragem, a celebração de negócios jurídicos processuais pelas partes (CPC, art. 190).
Não se pode igualar o sistema de normas da arbitragem com o sistema processual civil, embora, por força da própria lei que a instituiu, a arbitragem encontre limites na sua aplicação.
Mas, a despeito da diferença dos institutos, consistiria em manifesta patologia sistêmica admitir-se a possibilidade, de um lado, de o juiz em uma demanda judicial estar vinculado ao precedente e, de outro, o árbitro em processo arbitral não, com fundamento nos princípios da isonomia e da segurança jurídica. Sustentar o contrário seria admitir uma verdadeira cisão no Direito brasileiro, discrepante sobre temas idênticos de mérito, a depender de quem vai julgar o caso (um árbitro ou um juiz), o que acabaria por gerar indesejável insegurança e tornar o instituto da arbitragem desacreditado.
Com base, pois, na prevalência do princípio da segurança jurídica e na integridade do sistema, deve-se concluir pela vinculação dos árbitros a todas as espécies de precedentes judiciais sobre temas de direito material, aos quais o legislador atribuiu eficácia vinculativa, tal como previsto no art. 927 do novo Código de Processo Civil.
Afinal, uma vez proferida decisão vinculante sobre tema de direito substantivo, esse comando passa a ter status normativo e gera para os jurisdicionados a expectativa de que o seu comando vai nortear a solução de litígios sobre o mesmo tema.
Não me parece, no entanto, que o princípio da isonomia seja fundamento suficiente para que todas as hipóteses de precedentes previstos no novo CPC sejam aplicáveis, in totum, aos procedimentos arbitrais, sem verificar a sua adequação à arbitragem, que, como se viu, possui normas procedimentais próprias e dispensa, inclusive, a aplicação da lei processual civil. Assim, decisões vinculantes relativas às normas adjetivas ou formais só poderão incidir em demandas submetidas ao Poder Judiciário e ao processo judicial, cujo rito não é compatível com a arbitragem e a liberdade de escolha dos litigantes em processo arbitral.
Caberá aos árbitros, por conseguinte, analisar cada hipótese de precedente de mérito vinculante, de forma a verificar sua aplicabilidade no caso concreto.
Assim, por exemplo, não há dúvidas de que, sendo a arbitragem regida pelo Direito brasileiro, os árbitros não poderão, por exemplo, aplicar norma que tenha sido declarada inconstitucional, em ação direta de inconstitucionalidade julgada pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de controle concentrado de constitucionalidade.
Afinal, essa norma deixa de ter validade no ordenamento jurídico após o pronunciamento de sua inconstitucionalidade, como salienta a doutrina especializada. Nesse contexto, a observância desse precedente não decorre, a rigor, do Código de Processo Civil, mas propriamente da inexistência da norma jurídica no ordenamento, diante da eficácia da declaração de mérito de sua inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, como estabelece o art. 102, § 2º, da Constituição da República.
Conclui-se, portanto, que os árbitros devem observar às decisões as quais o legislador atribui eficácia vinculante, tanto em sede de controle concentrado de constitucionalidade, como no caso de enunciado de súmula vinculante. Não com fundamento propriamente na lei processual, mas por força da necessidade de interpretar todo instituto jurídico conforme a Constituição. A arbitragem não pode desprezar a incidência dos princípios constitucionais (lei 9.307/96, art. 21), sob pena de afrontar a unidade do ordenamento jurídico.
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