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Novo marco legal do saneamento básico – Impactos e novidades para o setor

Universalização, livre concorrência, segurança jurídica, uniformidade regulatória e governança estão entre as principais metas para este novo momento do setor.

18/8/2020

O acesso à água potável e ao saneamento básico constitui o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 6 da Agenda 2030, plano de ação organizado pelas Nações Unidas, externando o compromisso em garantir a universalização até 2030. Esta meta é alcançada, de acordo com a ONU, “quando é constante e regularmente garantido para todos, independentemente de sua condição social, econômica ou cultural, de gênero ou etnia”.

No Brasil, o Painel Saneamento informa, apoiado em dados de 2018, que 83,6% da população possui acesso à água, enquanto 46,9% não tem coleta de esgoto. Em audiência pública no Senado Federal, no mês de setembro de 2019, o Instituto Trata Brasil noticiou indicador associado a eficiência de entrega de água, segundo o qual em 2017 o país teve prejuízo de R$ 11 bilhões nessa área.

Este é o contexto em que se insere o Novo Marco Legal do Saneamento Básico (lei 14.026/20) e o seu intuito de viabilizar a universalização dos serviços até 31/12/33, assegurando o atendimento de 99% da população com água potável e de 90% da população com coleta e tratamento de esgoto (artigos 10-B e 11-B, lei 11.445/07). Assim, objetiva uniformizar regras, definir padrões da atividade regulatória e da formulação de políticas públicas, bem como aumentar a competição, sendo obrigatória a abertura de licitação.

Indispensável a priori delimitar o contexto das mudanças normativas à definição legal de saneamento básico (art. 3º, I, lei 11.445/07). Esta abrange o conjunto de serviços públicos, infraestruturas e instalações operacionais de abastecimento de água potável, desde a captação até as ligações prediais e seus instrumentos de medição; esgotamento sanitário, incluindo coleta, transporte, tratamento e disposição final; limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, abrangendo as atividades de coleta, varrição manual e mecanizada, asseio e conservação urbana, transporte, transbordo, tratamento e destinação final; e drenagem e manejo das águas fluviais urbanas.

1. Prestação de Serviços

A lei 14.026/20 alterou em muitos pontos a lei 11.445/07, sancionada há treze anos enquanto marco regulatório do setor de saneamento básico, a partir da junção de projetos que tramitavam no Poder Legislativo, esperando-se incremento na segurança jurídica entre as partes relacionadas e a atração de novos investimentos.

A prestação dos serviços relacionados a esse espaço de atividades com intenção de atender as finalidades precípuas de universalização e qualificação obedece no Novo Marco Legal a diretrizes assentadas em princípios fundamentais (art. 2º, lei 11.445/07) divididos nos seguintes eixos temáticos:

I Universalização: Acesso pela população, disponibilidade, regularidade, continuidade, prestação concomitante de abastecimento de água e esgotamento sanitário;

II Efetiva prestação do serviço: Eficácia das ações e dos resultados, eficiência, sustentabilidade econômica, P&D, segurança, qualidade, regularidade, integração das infraestruturas e dos serviços;

III Prestação regionalizada dos serviços: Atenção às peculiaridades locais e regionais;

IV Governança: Transparência, controle social, processos decisórios institucionalizados, seleção competitiva de prestadores dos serviços;

V Proteção: Saúde pública, conservação dos recursos naturais, proteção do meio ambiente, segurança da vida e do patrimônio;

VI Políticas públicas: Articulação com aquelas em que o saneamento básico é fator determinante, gestão eficiente dos recursos hídricos, estímulo à racionalização do consumo, fomento à eficiência energética.

A prestação desse serviço público depende da celebração de contratos de concessão, por meio de licitação prévia, vedando-se no Novo Marco Legal, a possibilidade de serem firmados contratos de programa, convênios, termos de parceria ou assemelhados (art. 10, lei 11.445/07).

Nos contratos de concessão deverão constar além das cláusulas essenciais já previstas em lei (art. 23, lei 8.987/95), outras específicas relativamente as metas de expansão, qualidade e eficiência na prestação do serviço; repartição dos riscos entre as partes contratantes; receitas alternativas destinadas a produção de água de reúso; e metodologia de cálculo das indenizações de bens reversíveis na hipótese de extinção do contrato (art. 10-A, lei 11.445/07).

A validade de tais contratos depende, entre outras exigências legais (art. 11, lei 11.445/07), da comprovação mediante estudo da viabilidade técnica, econômica e financeira da prestação de serviços e da existência de metas e cronograma de universalização do saneamento básico.

A legislação conferiu especial importância a essas metas, pois representam cláusula obrigatória, configuram condição de validade e mesmo nos contratos firmados anteriormente ao Novo Marco Legal, devem ser buscadas alternativas a fim de atingir as metas de universalização (e.g. prestação direta, licitação complementar ou aditamento dos contratos já licitados).

A parte contratada para prestação ou concessão dos serviços públicos de saneamento básico precisará, incluindo os contratos em vigor, comprovar a capacidade econômico-financeira (recursos próprios ou contratação de dívida), de maneira a viabilizar a concretização até 2033 da meta de universalização (art. 10-B, lei 11.445/07).

Nesse sentido, o texto legal prevê que regulamentação da metodologia inerente a essa comprovação ocorra no prazo de 90 dias. O Ministério do Desenvolvimento Regional abriu consulta pública em 29/07/2020 com o propósito de coletar contribuições voltadas a elaboração da referida metodologia, que será sucedida por audiência pública (portaria/MDR 2.069).

No concernente aos prestadores de serviços, o Novo Marco Legal estipulou a obrigação de manter sistema contábil que demonstre separadamente os custos e as receitas de cada município ou região atendidas (art. 18, lei 11.445/07) e a possibilidade de subdelegar o objeto do contrato até o limite de 25% do seu valor, desde que haja previsão contratual ou autorização expressa do titular dos serviços, dependendo ainda de comprovação técnica e demais requisitos legais (art. 11-A, lei 11.445/07).

2. Regulação

A finalidade de universalização do acesso a esses serviços, junto com outras expressas no Novo Marco Legal, possuem viabilização intimamente relacionada a atividade regulatória, exercida pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).

A agência com nova nomenclatura é responsável pela instituição de normas de referência que regularão os serviços públicos de saneamento básico (artigo 1º, lei 9.984/00). Deve, pois, observar os princípios da regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, modicidade tarifária, utilização racional dos recursos hídricos e universalização dos serviços (artigo 4º-A, § 3º, I, lei 9.984/00).

Explique-se que a regulação é subordinada aos princípios de transparência, tecnicidade, celeridade e objetividade das decisões. Pretende, com efeito, estabelecer padrões; assegurar o cumprimento das metas e condições previstas nos contratos, planos municipais ou de prestação regionalizada; prevenir e reprimir o abuso do poder econômico, resguardada a competência do SBDC; e definir tarifas visando equilíbrio contratual e modicidade tarifária (artigos 21 e 22, lei 11.445/07).

A competência regulatória da ANA foi acrescentada a partir do Novo Marco Legal pela edição de normas de referência focadas na regulação da prestação dos serviços públicos de saneamento básico (art. 25-A, lei 11.445/07), procedimento no qual é indispensável a garantia da prestação concomitante dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário (artigo 4º-A, § 3º, VIII). Essas normas de referência (art. 4º-A, § 1º, lei 9.984/00) tratarão, entre outros temas, de:

I Estabelecimento de padrões relativamente aos sistemas de saneamento básico (qualidade e eficiência), aos instrumentos negociais firmados entre o titular do serviço público e o delegatário (metas de qualidade, eficiência, ampliação da cobertura dos serviços, matriz de riscos e mecanismos de manutenção do equilíbrio), ao conteúdo mínimo necessário a universalização e sustentabilidade econômico-financeira desses serviços e a governança das entidades reguladoras;

II Fixação de metas dirigidas a universalização (nível de cobertura existente, viabilidade da expansão e número de municípios atendidos) e substituição nos sistemas de tratamento de efluentes, juntamente a organização de sistema de avaliação do cumprimento dessas metas;

III Regulação tarifária: subsídios às populações de baixa renda (tarifários, fiscais ou internos, conforme detalhamento no artigo 31, lei 11.445/07) de modo a permitir a universalização dos serviços; compartilhamento, quando couber, dos ganhos de produtividade com os usuários; entre outros mecanismos destinados a promover a prestação adequada, o uso racional de recursos naturais e o equilíbrio econômico-financeiro.

A ANA durante a edição das normas de referência é orientada por lei a priorizar as liberdades econômicas (estímulo a livre concorrência, competitividade, eficiência e sustentabilidade econômica) e conferir atenção às peculiaridades locais e regionais na adoção de métodos, técnicas e processos, incentivando a regionalização da prestação dos serviços (art. 4º-A, § 3º, lei 9.984/00).

3. Políticas Públicas

O Novo Marco Legal proporcionou mudanças significativas na esfera de formulação de políticas públicas de saneamento básico, instituindo órgão colegiado responsável pela concretização dessas iniciativas. Essas alterações normativas também abrangem arcabouço que sustentará a definição de políticas, projetos, planejamento e ações direcionadas a meta de universalização.

O Comitê Interministerial de Saneamento Básico (CISB), órgão colegiado instituído pelo Novo Marco Legal (art. 53-A, lei 11.445/07), é responsável por assegurar a implementação da política federal de saneamento básico. É competente para coordenar, em âmbito federal, o Plano Nacional de Saneamento Básico, elaborar estudos técnicos que subsidiem as decisões quanto a alocação de recursos federais e promover a observância das normas de referência editadas pela ANA (art. 53-B, lei 11.445/07 e arts. 2º e 3º, decreto 10.430/20).

A política federal de saneamento é dividida em diretrizes (art. 48, lei 11.445/07) e objetivos (art. 49, lei 11.445/07). As primeiras apoiam-se em perspectivas de longo prazo, tais quais equidade social e territorial no acesso pela população a esses serviços, desenvolvimento sustentável, urbano e regional, melhoria da qualidade vida, das condições ambientais e de saúde pública. Igualmente vocaciona-se a orientar a atividade regulatória e de governança (uniformização, divulgação das melhores práticas, promoção da segurança jurídica, redução dos riscos regulatórios) e estimular Pesquisa e Desenvolvimento.

No espaço das políticas públicas, as diretrizes fixam padrões a serem utilizados durante a sua formulação, como, indicadores epidemiológicos e de desenvolvimento social; critérios objetivos de elegibilidade e prioridade com rol exemplificativo; unidade de referência correspondente a bacia hidrográfica; mecanismos de cooperação entre os entes federados; e prioridade às políticas que visem ampliação dos serviços.

Os objetivos da política federal acrescentados pelo Novo Marco Legal dizem respeito a promoção da concorrência, capacitação técnica do segmento, regionalização dos serviços, educação e salubridade ambientais, redução do consumo de água e contribuição ao desenvolvimento nacional agregada a intuitos correlatos.

O Plano Nacional de Saneamento Básico (art. 52, lei 11.445/07), por sua vez, tem conteúdo mínimo previsto em lei abrangendo objetivos e metas de universalização, proposição e planejamento de programas, projetos e ações, juntamente a sua avaliação sistemática. Dessa forma, exemplifica áreas prioritárias para as ações da União, determinando que o planejamento envolvido na elaboração desses documentos considere a perspectiva de vinte anos, devendo serem avaliados anualmente e revisados a cada quatro anos.

Os objetivos relativos à regionalização são facilitados por intermédio da elaboração de planos regionais em articulação com estados e municípios e apoio de órgãos e entidades públicas, além de prestadores de serviços, a fim de otimizar o planejamento e os serviços de saneamento básico.

A legislação determina com a intenção de alcançar esse escopo que o CISB acompanhe a destinação de recursos federais, segundo as diretrizes e objetivos anteriormente mencionados, avaliando e aprovando as orientações para sua aplicação (art. 50, lei 11.445/07).

Deve, por isso, garantir nesses procedimentos simplificados e uniformizados a racionalidade direcionada à universalização e ampliação dos investimentos públicos e privados no setor, a maximização da relação benefício-custo e o alcance da maior população possível, observando sempre a eficiência e a transparência no uso de recursos públicos (art. 3º, decreto 10.430/20).

Sublinhe-se, por fim, as possibilidades trazidas pelo Novo Marco Legal no que toca ao controle exercido pela sociedade direcionado a acompanhar as políticas públicas e a prestação de serviços de saneamento.

No exercício da atividade regulatória, particularmente na instituição de normas de referência, a ANA deverá realizar consultas e audiências públicas, ouvir as entidades encarregadas da regulação e da fiscalização e aquelas representativas dos municípios, avaliando o impacto regulatório das normas propostas e prezando sempre pela segurança jurídica e uniformidade regulatória.

Outros exemplos são as previsões de participação em órgãos colegiados nacionais de caráter consultivo (art. 47, caput, lei 11.445/07) e de que as informações públicas do Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (SINISA) serão em formato de dados abertos (art. 53, § 1º, lei 11.445/07).

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*Wilson Sales Belchior é sócio do escritório Rocha, Marinho E Sales Advogados.

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