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Como garantir a privacidade dos dados dos empregados testados positivos em relação à covid-19, compartilhar informações de forma segura, preservando a saúde, direitos e liberdades individuais

Não é recomendável divulgar os nomes dos empregados testados positivos em relação ao coronavírus.

7/8/2020

A Lei Geral de Proteção de Dados, LGPD (lei 13.709/18), ainda não está em vigor no Brasil. Envolvida numa confusão  legislativa, está prevista para entrar em vigor em agosto de 2020, com sanções aplicáveis somente em agosto de 2021, caso o PL 1.179/20 prossiga seus trâmites ordinários na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, ou, na hipótese de conversão da MP 959/20 em lei, passaria a ter vigência completa a partir de maio de 2021. Mas não é necessário que esta Lei passe a vigorar para que direitos sobre a intimidade, a vida privada e a honra dos indivíduos comecem a ser tratados de forma cautelosa pelos empregadores, porque esses são direitos já garantidos pela Constituição Federal, no artigo 5º, inciso X.

No presente artigo vamos tratar dos dados pessoais sensíveis, que ganharão maior proteção legislativa a partir do início da vigência da LGPD, que tem por objetivo principal assegurar maior controle aos indivíduos, pessoas naturais, sobre o uso se suas informações pessoais.

O artigo  5º, inciso II, da LGPD, conceitua dado pessoal sensível como “dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural”.

Com os índices de contaminação do coronavírus baixando na maior parte do mundo, a OIT publicou um guia com a recomendação de 10 ações para que as empresas evitem que os ambientes de trabalho sejam propícios à proliferação, dentre elas, a sétima: manter a vigilância da saúde; e a décima: revisar e atualizar as medidas preventivas e de controle que envolvem a situação.

Na mesma direção caminham os Governos e Prefeituras, editando normas para a reabertura do comércio e um seguro retorno ao trabalho, o que está levando muitas empresas a realizarem testes em massa de seus empregados.

É importante esclarecer que, mesmo diante do pagamento do serviço de diagnóstico  pelos empregadores, o resultado do teste pertence ao próprio indivíduo testado, por ser um dado pessoal de caráter sensível.

Embora se possa alegar que, por força do contrato de trabalho o empregador, na qualidade de Controlador e Processador dos dados, não necessite do consentimento expresso do empregado titular dos dados para processá-los, porque mera a existência do vínculo de emprego lhe concederia esse direito, de acordo com o art. 11, II, alínea “a” - cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador - é recomendável que, para obter um nível maior de segurança jurídica, obtenham o consentimento do empregado, de acordo com o art. 11, I, da mencionada lei, apresentando sempre a máxima transparência sobre a finalidade do processamento de tais dados.

De toda forma, não é recomendável divulgar os nomes dos empregados testados positivos em relação ao coronavírus.

Isso porque, dentre outros riscos, ao compartilhar e processar as informações acerca do resultado do indivíduo testado para a covid-19, o titular do dado pode ser exposto a algum tipo de discriminação no ambiente de trabalho, o que é vedado pela LGPD, em seu artigo 6º, XI, que preceitua o seguinte: “Art. 6º As atividades de tratamento de dados pessoais deverão observar a boa-fé e os seguintes princípios: (...) IX - não discriminação: impossibilidade de realização do tratamento para fins discriminatórios ilícitos ou abusivos.”.

Para evitar a discriminação no ambiente de trabalho e uma alegação de danos morais, caso o empregador se depare com um resultado positivo para covid-19 e precise utilizar esta informação para preservar a saúde de outros empregados, uma boa prática é encaminhar o empregado ao departamento médico, afastá-lo para que fique isolado durante o período recomendado pelo médico responsável, solicitando que o mesmo liste os colegas com quem teve contato físico antes de ser testado, para possibilitar que o empregador mantenha um maior monitoramento dos sintomas dos mesmos, atentando-se, assim, às orientações da OIT.

Por outro lado, é defensável que dados sensíveis sejam processados sem o consentimento do titular em algumas hipóteses, tais como: i) quando forem indispensáveis à administração pública (art. 11, II, alínea b); realização de estudos por órgão de pesquisa (art. 11, II, alínea c) – neste caso, garantido o anonimato; e para a proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiros (Art. 11, II, alínea e). Mas destacamos que tais processamentos não caberiam ao empregador, e sim diretamente aos órgãos da Administração Pública.

Vale lembrar que a alteração à LGPD advinda da lei 13.853/19 (art. 11, § 4º) proíbe que os controladores de dados sensíveis obtenham vantagens econômicas ao compartilhar dados relacionados à saúde dos indivíduos: “É vedada a comunicação ou o uso compartilhado entre controladores de dados pessoais sensíveis referentes à saúde com objetivo de obter vantagem econômica, exceto nas hipóteses relativas a prestação de serviços de saúde, de assistência farmacêutica e de assistência à saúde, desde que observado o § 5º deste artigo, incluídos os serviços auxiliares de diagnose e terapia, em benefício dos interesses dos titulares de dados (...).”.

No caso das empresas privadas, para evitar um aumento de contendas litigiosas e garantir a preservação dos dados de seus empregados, é recomendável que atuem em conformidade com a LGPD, ainda que não esteja vigente e se antecipem realizando o mapeamento dos dados pessoais tratados internamente, a identificação das vulnerabilidades e das possibilidades de vazamento de dados e realizem um mapa dos riscos com base nos dados coletados.

Ao identificar os maiores riscos a que a organização está exposta, é necessário que defina políticas claras à respeito de como os dados pessoais deverão ser tratados e realize o treinamento de todos os profissionais, incluindo o tema na agenda de prioridades de todos, presando pela garantia de direitos e liberdades individuais de seus empregados, fornecedores e clientes.

Será um grande desafio atingir o equilíbrio entre os direitos do titular sobre seus dados sensíveis, evitando qualquer espécie de discriminação; manter a transparência a respeito do processamento dos dados pelos empregadores; evitar que os interesses econômicos se sobreponham aos direitos individuais; e fornecer dados ao Poder Público para atualização das estatísticas e prevenção à contaminação de outros indivíduos. Por isso, recomenda-se que os indivíduos tenham maior clareza de seus direitos em relação aos seus dados pessoais, sejam eles sensíveis ou não, e que as empresas se adequem à LGPD, independente da proximidade de sua vigência.

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*Rebeca Cardenas Bacchini é advogada, especialista de Direito e Processo do Trabalho, atua como Senior Legal Counsel.






*Victor Fernandes Cerri de Souza
é advogado, especialista em Direito Processual Civil e Contratos.





*Ricardo Souza Calcini é mestre em Direito pela PUC/SP. Professor de pós-graduação em Direito do Trabalho da FMU. Palestrante e instrutor de eventos corporativos "in company" pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos.

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