Recentemente, o Governo Federal enviou ao Congresso o projeto da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços – CBS, projeto de lei 3.887, de 2020. Como era de se esperar, as ideias iniciais para a chamada “reforma tributária” foram alvo de críticas, construtivas ou não, mas o que, de fato, surpreendeu foi a narrativa em construção acerca da reforma, o que, por si só, atrai uma (rápida) análise.
Inicialmente, é preciso destacar que a reforma foi parcelada em quatro etapas: as duas primeiras tratam da tributação sobre o consumo e as duas últimas cuidam da tributação ligada a renda/trabalho. Esse fato é suficiente para que ganhe relevo o primeiro grande perigo dessa narrativa: tomar a parte como o todo, de sorte que eventuais erros/excessos não viciem as próximas fases, isto é, há um fecundo campo de discussão – e não lobby – no qual acertos devem ser mantidos e erros/excessos devem ser sanados nas discussões do PL e no lançamento das próximas etapas.
Outro aspecto foi o timing, ou seja, o momento em que foi lançada a primeira fase. Bem, por mais que seja impossível ignorar os atual e futuro (próximo) cenários político e econômico, cabe uma simples reflexão: quantas chances de discussão já foram perdidas e quantas mais serão? Soa até irônico o simples fato de os segmentos econômicos que mais pleitearam profundas mudanças nos últimos quinze anos se valerem desse contexto para, mal iniciado o combate, baterem em retirada. Se analisados os últimos anos e vislumbrados os próximos, parece quase impossível um ambiente perfeito, de extrema calmaria para discussões técnicas e políticas, ou seja, “é agora ou nunca”.
O nome; exato, o nome. Por mais que se concorde quanto à estranheza ou não do título, é certo que, durante os últimos mais de cinquenta anos, a “denominação e demais características formais” são irrelevantes para qualificar qualquer tributo (inclusive, como estabelece o artigo 4° do Código Tributário Nacional – CTN).
A metodologia da CBS. A técnica empregada se aproxima da tributação sobre o valor agregado em cada fase da cadeia produtiva, justamente a técnica mais defendida por tributaristas e economistas nos últimos quinze anos. Então, se a técnica empregada está em relativa sintonia com o que se defendeu por um bom tempo, por que não a manter e a aperfeiçoar?
A timidez do projeto. Vale destacar o alerta acima: cuidado ao tomar a parte como o todo. Se quatro etapas serão propostas, é necessário que se aguarde até a última fase, para que, só então, expectativas iniciais sejam confirmadas ou não e o balanço (final) das mudanças seja fechado; até lá, deve-se tomar cada etapa como uma fase de uma (grande) construção. Ademais, o PL claramente tem um viés de estabilização, é dizer, foram aproveitadas as bases de duas contribuições já existentes (PIS/Cofins) e incorporadas lições jurisprudenciais razoavelmente sólidas a respeito da base de cálculo (exclusão de outros tributos de sua base) e dos créditos a serem tomados (ICMS e notas fiscais inidôneas).
O aumento da carga tributária. A alíquota indicada é nitidamente superior às atuais, o que conduz à imediata conclusão de aumento da carga. No entanto, cabe novamente o alerta inicial: erros/excessos da primeira fase podem e devem ser corrigidos durante as discussões legislativas e nas próximas fases; os acertos devem ser vinculantes e os erros para nada mais servem do que aprendizado. Vale lembrar que, em projetos anteriores igualmente relevantes (reformas trabalhista, fiscal e previdenciária), o “sarrafo” inicial de cada projeto foi igualmente elevado, cabendo ao Congresso promover discussões de modo a adequá-lo ao factível/adequado.
O discurso fácil/conveniente. Mudanças geram incerteza e insegurança (não necessariamente jurídicas) aos atingidos, o que atrai uma repulsa inicial que deságua na manutenção do status quo. Contudo, não pode ser encarado com naturalidade os envolvidos (e não atingidos) encamparem o mesmo discurso. Afinal, busca-se aparentemente atingir apenas os que detém capacidade e estrutura econômico-financeiras.
Dessa forma, é preciso ter cautela em relação a toda e qualquer análise, sob pena de se ceifar qualquer viés reformatório, que, em tese, seria a saída para a retomada econômica.
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*Edison Carlos Fernandes é sócio diretor e responsável pelas áreas de Direito Público e Direito contábil IFRS no escritório Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados.
*Jorge Guilherme Ferreira da Fonseca Moreira é advogado do Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados, atua nas áreas de Contencioso tributário e procedimento administrativo tributário.