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STF volta com a liberdade de expressão na pauta

Enquanto um determinado tema não reclamar urgência, a Suprema Corte seguirá julgando outras matérias, como, aliás, já vinha fazendo no final do último semestre. Afinal, o país e o mundo não param. Há vida institucional e social para além dos problemas desencadeados pela pandemia.

6/8/2020

Após um primeiro semestre imprevisível, que reclamou soluções engenhosas e criativas para endereçar respostas a desafios institucionais e jurisdicionais nunca antes experimentados, os trabalhos do Supremo Tribunal Federal retomaram seu curso regular, depois do necessário e justo recesso forense semestral dos ministros e ministras.

Desde meados de março, quando foi desafiado a (re)inventar o meio e a forma física pelo qual articula a linguagem constitucional para solver problemas de direitos fundamentais que a todo o momento se descortinam no curso da história, a Suprema Corte esteve quase que integralmente dedicada a temas relacionados à pandemia do covid-19.

Da concepção hermenêutica acerca de quem possui, no jogral e peculiar pacto federativo brasileiro, competência para adotar medidas sanitárias com vistas à contenção da pandemia à avaliação do acerto jurídico-constitucional das Medidas Provisórias editadas pelo Governo Federal voltadas a equacionar ou mesmo mitigar os problemas econômicos que afetaram drasticamente as relações de emprego, diversos temas das mais variadas espécies foram submetidos à qualificada jurisdição constitucional do Supremo Tribunal Federal.

Conquanto os entes subnacionais da federação brasileira venham procedendo a uma paulatina abertura da economia, as pesquisas e os noticiários jornalísticos que as informam dão conta de que o número de mortos e infectados só aumenta. Ao invés de decrescer, a curva em alguns estados é incrementada com números que refletem o desastre de políticas públicas talvez não muito bem arquitetadas.

Os prognósticos mais otimistas daqueles que acompanham a pauta de julgamentos da Suprema Corte tendem a acreditar que a judicialização da crise, apesar de ter arrefecido nos últimos tempos, não se esgotou.

No entanto, enquanto um determinado tema não reclamar urgência, a Suprema Corte seguirá julgando outras matérias, como, aliás, já vinha fazendo no final do último semestre. Afinal, o país e o mundo não param. Há vida institucional e social para além dos problemas desencadeados pela pandemia.

Múltiplos aspectos da nossa democracia constitucional reclamam uma resposta que componha conflitos. É o que muito claramente se vê na pauta de julgamentos do mês de agosto divulgada na última semana pelo ministro Dias Toffoli. Há temas, por exemplo, relacionados a controle de constitucionalidade, servidores públicos, direito do trabalho e sistema penal.

Todavia, dentre todos os temas a serem apreciados, seja em videoconferência, seja no agora expandido sistema do Plenário Virtual, talvez o que mais genuinamente se perfilhe na categoria de direito fundamental strictu sensu, sejam aqueles cujas ações dizem respeito à liberdade de expressão, tema este que faz parte da própria história institucional do Supremo como Corte Constitucional vocacionada à tutela dos direitos fundamentais.

Desde o julgamento do paradigmático caso Siegfried Ellwanger (habeas corpus 82.424) em 2004, em que a Suprema Corte efetivamente se abriu a temas sociais ditos sensíveis, seguido do célebre julgamento da ADPF 130, o tema da liberdade de expressão, com alguma frequência, retoma a pauta de julgamentos dos Ministros e Ministras.

Talvez porque, numa comunidade aberta de intérpretes da Constituição, seja ela a condição mais elementar que enseja a existência dos múltiplos fóruns de debate na esfera pública que, filtrados por procedimentos institucionais qualificados, são reverberados nas instituições representativas da “vontade popular”. O princípio democrático só se realiza enquanto tal quando efetivamente garantida a liberdade de expressão em toda a sua extensão (liberdade de se expressar, de criticar, pensar, criar, emitir juízos valorativos e etc.).

Sem liberdade de expressão, o que se tem é uniformidade discursiva sem pluralidade. Daí a importância da tutela deste direito fundamental. É como anotou o ministro Alexandre de Moraes na ADPF-MC 548: “A Constituição protege a liberdade de expressão no seu duplo aspecto: o positivo, que é exatamente ‘o cidadão poder se manifestar como bem entender’, e o negativo, que proíbe a ilegítima intervenção do Estado”.

Chama-nos atenção a vasta quantidade de casos relacionados ao tema da liberdade de expressão na pauta do corrente mês de agosto, justamente num momento de ressignificação da esfera pública com as mídias digitais da Indústria 4.0, em que a Suprema Corte é desafiada a assentar as bases e os limites hermenêuticos do que é exercício legítimo da liberdade de expressão. São 5 (cinco) ações a terem julgamento iniciado e uma outra com devolução de voto-vista.

No RE 120.9429 (relator o ministro Marco Aurélio)1, a Suprema Corte será chamada a apreciar o tema 1055 da Repercussão Geral: “Responsabilidade civil do Estado em relação a profissional da imprensa ferido, em situação de tumulto, durante cobertura jornalística”.       

Já na ADIn 5537 (relator o ministro Roberto Barroso)2, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino – CONTEE, questiona-se a lei 7.800/16, do Estado de Alagoas, que criou o programa “Escola Livre”, vedando em todo o Estado a prática da “doutrinação” política e ideológica pelos professores3.

Por sua vez, há um conjunto de 3 (três)4 Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF’s)5 de relatoria do ministro Roberto Barroso atreladas à verificação da validade jurídico-constitucional da veiculação de informações didáticas de gênero nas escolas pelos professores e nos respectivos materiais escolares.

O RE 1.075.412 (tema 995)6 volta a julgamento com voto-vista do ministro Alexandre de Moraes. O relator, ministro Marco Aurélio, fixou a seguinte tese de Repercussão Geral: “Empresa jornalística não responde civilmente quando, sem emitir opinião, veicule entrevista na qual atribuído, pelo entrevistado, ato ilícito a determinada pessoa".

Inaugurando a divergência, o ministro Edson Fachin entendeu que “somente é devida indenização por dano moral pela empresa jornalística quando, sem aplicar protocolos de busca pela verdade objetiva e sem propiciar oportunidade ao direito de resposta, reproduz unilateralmente acusação contra ex-dissidente político, imputando-lhe crime praticado durante regime de exceção”.

Não são poucos os temas ligados à liberdade de expressão que terão sua sorte definida pela Suprema Corte no início deste segundo semestre forense. As múltiplas facetas da liberdade de expressão terão suas bases interpretativas definidas a partir da leitura cultural e jurídica que os ministros e ministras farão dos fenômenos sociológicos que se descortinam na atual quadra histórica em que o significado da esfera pública é constantemente retraduzido e que reclama do julgador posturas altivas na garantia do princípio democrático.

Há que se sopesar equilibradamente cada caso específico para que não se cometa excessos e equívocos. Por um lado, a liberdade de expressão e o debate público não podem ter sua força normativa mitigada por censuras judiciais, “pois a liberdade política termina e o poder público tende a se tornar mais corrupto e arbitrário quando pode usar seus poderes para silenciar e punir seus críticos”7.

Por outro, as liberdades públicas não podem “ser biombo para criminalidade”8, ou, nas palavras do ministro Roberto Barroso proferidas no julgamento da constitucionalidade do chamado Inquérito das Fake News, “democracia não abre espaço para violência, ameaças e discurso de ódio”9.

Ao fim e ao cabo, trata-se daquilo que Alvin Goldman e Daniel Baker prescrevem quando anotam que “a liberdade de expressão envolve trocas e balanceamentos entre o valor deste direito e os prejuízos que o discurso pode causar, de modo que nenhum país pode resolver essas trocas apenas a partir da proteção integral da liberdade”10.

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1 Lista Virtual 495-2020, 14 a 21 de agosto.

2 Lista Virtual 275-2020, 14 a 21 de agosto.

3 Tramitam apensadas as ADI’s 5580 ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Em Educação - CNTE e 6038 ajuizada pelo PDT, ambas de Alagoas e de relatoria do ministro Roberto Barroso.

4 Na lista 276-2020: ADPF 461, ajuizada pelo Procurador-Geral da República, contra lei do Município de Paranaguá que veda política de ensino com informações sobre gênero no município. ADPF 465, da Procuradoria-Geral da República, contra lei do Município de Palmas/TO que veda a discussão e utilização de material didático e paradidático sobre “ideologia ou teoria de gênero”. ADPF 600, da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, contra lei que veda a abordagem de conteúdo relacionado à temática de gênero. Todas de relatoria do ministro Roberto Barroso.

5 Lista Virtual 276-2020, 14 a 21 de agosto.

6 Lista Virtual 248-2020, 14 a 21 de agosto.

7 Ronald Dworkin, O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norte-americana. Martins Fontes: 2006, p. 319; Harry Kalven Jr The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14, p. 429.

8 ADPF-MC 572.

9 ADPF-MC 572.

10 Goldman, Alvin I; Baker, Daniel. Free Speech, Fake News, and Democracy. First Amendment Law Review. V. 18. N. 1. 2019. p. 68

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*Leonardo Pereira Santos Costa é advogado do escritório Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia.






*Anna Luiza Frutuoso Mota
é estagiária do escritório Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia.

 

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