A União e suas autarquias cobram em juízo os seus créditos tributários utilizando-se de uma ação executiva de rito especial, conhecida como execução fiscal e instituída pela lei 6.830/80. O valor da causa de uma execução fiscal e composto pelo tributo e os encargos. Dentre os encargos, destacam-se para o presente artigo os honorários.
O decreto-lei 1025/69 estabelece, em seu art. 1º.1, o pagamento de um encargo no importe de 20% (vinte porcento) a ser pago pelo executado em favor dos cofres públicos da União.
O art. 3º. do decreto-lei 1645/782 estabeleceu que o encargo de 20% substituiria a condenação do devedor em honorários de advogado, de modo que a natureza jurídica da verba destacada no DL 1025/69 passou a ser, inequivocamente, de honorários sucumbenciais.
Nesse mesmo sentido evoluiu o entendimento do STF3, que compreendia tal encargo como receita da União e, após o DL 1645/78, passou a compreender que o chamado “encargo” consiste verdadeiramente em verba honorária sucumbencial.
Percebe-se, assim, que desde 1978 a natureza jurídica de tal verba é de honorários de sucumbência, sendo irrelevante o fato de serem destinadas efetivamente aos causídicos ou aos cofres da União (discussão que perdeu a relevância após a entrada em vigor da do CPC/154 e da lei 13.327/165).
A partir da vigência da LEF, portanto, a situação foi uniformizada, conferindo-se tratamento igualitário à execução de todos os executivos fiscais e aplicando-se, na ausência de lei processual específica, o Código de Processo Civil. Ou seja, desde 1980 não se pode falar em utilização do referido DL 1025/69 para imposição de “encargo” (leia-se “honorários advocatícios”) sucumbencial em desfavor do contribuinte, haja vista a disciplina das Execuções Fiscais federais ser regulada por lei própria que estabelece EXPRESSAMENTE que o Código de Processo Civil deve ser utilizado de maneira subsidiária, não fazendo qualquer ressalva aos executivos federais.
O Código de Processo Civil de 1973 – vigente quando da edição da LEF -, por sua vez, nada estabelecia de maneira específica com relação aos honorários “pré-fixados” na inicial da execução de título extrajudicial, o que foi alterado em 2006 com a inclusão do art. 652-A.
Em 18 de março de 2016, com a entrada em vigor do CPC atual, a disciplina da matéria foi alterada, determinando o legislador que ao despachar a inicial não tem mais qualquer autonomia para alterar o valor a ser estabelecido a título de honorários sucumbenciais, como ocorria durante a vigência da legislação anterior. O art. 827 determina que a verba será de 10% (dez porcento), senão vejamos:
Art. 827. Ao despachar a inicial, o juiz fixará, de plano, os honorários advocatícios de dez por cento, a serem pagos pelo executado.
§ 1º No caso de integral pagamento no prazo de 3 (três) dias, o valor dos honorários advocatícios será reduzido pela metade.
§ 2º O valor dos honorários poderá ser elevado até vinte por cento, quando rejeitados os embargos à execução, podendo a majoração, caso não opostos os embargos, ocorrer ao final do procedimento executivo, levando-se em conta o trabalho realizado pelo advogado do exequente.
O fundamento normativo para a determinação de fixação de verba honorária inicial na execução de títulos extrajudiciais, portanto, é o Código de Processo Civil e não mais o já revogado DL 1025/69. Assim, o “encargo” previsto no art. 1º. do DL 1025/69 foi efetivamente revogado de maneira tácita por lei posterior, mas, ao contrário do quanto afirmado naquela peça consultiva, a revogação se deu pelo art. 1º. da LEF e hoje a matéria é disciplinada exaustivamente pelo art. 827 do CPC, que trata das execuções de títulos extrajudiciais – incluindo-se aí as execuções fiscais por força da aplicação subsidiária prevista na LEF.
A lei 8.906/94 estabelece em seu art. 226 três tipos diversos de honorários advocatícios: convencionais, fixados por arbitramento e os sucumbenciais. Importa dizer e esclarecer é que, nos termos da legislação vigente, os honorários sucumbenciais são pagos pela parte contrária ao advogado da parte adversa.
A natureza dos honorários sucumbenciais é de norma processual com relação à sua incidência e valor – já que decorrentes de uma ação judicial - e de norma material com relação à sua essencialidade, formação de título de natureza alimentar7 e possibilidade de cobrança autônoma.
Essa natureza híbrida é pacificamente reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme se depreende, v.g., da ementa abaixo transcrita:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA. CAPÍTULO DOS HONORÁRIOS. SENTENÇA PROFERIDA NA VIGÊNCIA DO CPC/1973. APLICAÇÃO DO CPC/2015. 1. Em homenagem à natureza processual material e com o escopo de preservar os princípios do direito adquirido, da segurança jurídica e da não surpresa as normas sobre honorários advocatícios de sucumbência não devem ser alcançadas pela lei processual nova. A sentença (ou o ato jurisdicional equivalente, na competência originária dos tribunais), como ato processual que qualifica o nascedouro do direito à percepção dos honorários advocatícios, deve ser considerada o marco temporal para a aplicação das regras fixadas pelo CPC/2015. Assim, se o capítulo acessório da sentença, referente aos honorários sucumbenciais, foi prolatado em consonância com o CPC/1973, serão aplicadas essas regras até o trânsito em julgado. Precedente da Corte Especial. 2. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1818858/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI da 3ª. Turma do STJ – DJ 02/12/2019)
Constata-se, assim, sem maiores esforços, que honorários de sucumbência somente podem ser estabelecidos a partir da existência de uma relação jurídico-processual, de modo que a disciplina da matéria relativa aos honorários sucumbenciais devidos pelo executado ao patrono do órgão fazendário, desde 1980, resta atribuída ao Código de Processo Civil, nos exatos termos do art. 1º. da LEF.
Um dos pilares do devido processo legal é a necessidade de tratamento isonômico das partes, seja no que toca ao contraditório, à ampla defesa, às garantias processuais e paridade de armas, quer no que tange aos riscos que se corre com a propositura de uma demanda.
A diferença marcante entre advogados públicos e privados reside simplesmente no fato de uns são contratados por instrumentos particulares de prestação de serviços e os outros são servidores públicos, concursados, que se sujeitam às regras do serviço público.
Essa diferença na forma de contratação e na forma de remuneração em nada atinge a verba honorária decorrente da sucumbência. Lembre-se que os honorários sucumbenciais são aqueles pagos pela parte contrária em decorrência da sucumbência na ação judicial, em nada se relacionando com a remuneração devida pelo constituinte ao seu patrono.
Nesta perspectiva, tem-se que os honorários de sucumbência decorrem de um evento processual, e por essa razão têm seu nascedouro no âmbito intraprocessual: despacho da petição inicial.
Em decorrendo os honorários sucumbenciais do fato de uma das partes sair vencedora da ação, é claro que a atribuição de tal verba ao vencedor não pode se dar de maneira diferenciada ao “defensor” dos entes públicos.
Se os honorários de sucumbência devem remunerar o trabalho realizado no âmbito processual, seria conceder tratamento privilegiado não apenas à parte (Fazenda), que teria uma análise de risco menos impactante do aquela do contribuinte, mas também ao patrono da parte (advogado), pois não é conferido ao advogado do contribuinte estabelecer parâmetros percentuais certos da ordem de 20% pelo tão só ajuizamento da execução fiscal. E tal diferenciação inevitavelmente esbarra no postulado fundamental do Devido Processo Legal, que tem como paradigma a paridade de armas entre os litigantes.
A paridade de verba honorária sucumbencial devida ao patrono do vencedor é decorrente do processo equilibrado. Repise-se que não se trata de dar tratamento diferenciado à parte (Fazenda), que goza de privilégios processuais, mas sim ao seu advogado, pessoa física, pelo simples fato de promover a defesa do ente público e não do contribuinte.
Tal disparidade não encontra justificativa constitucionalmente aceitável, de modo que a aplicação indistinta de previsão normativa já revogada e que representa diferenciação entre advogados, não pode ser aceita, sob pena de se estabelecer uma natureza diversa daquela prevista em lei ao “encargo” acrescido pelo juízo no momento em que despacha a petição inicial.
Assim, a previsão de verba sucumbencial diferenciada para advogados públicos e privados ofende a paridade de armas necessária ao devido processo legal, pois os benefícios processuais oferecidos ao advogado de uma das partes – e, consequentemente, os riscos da demanda a uma das partes - seria evidentemente maior do que o da outra, implicando um tratamento não isonômico sem qualquer fundamento.
Tanto assim o é que o CPC estabelece disciplina única para os honorários sucumbenciais, não fazendo qualquer tipo de diferenciação com relação a advogado público ou privado, já que a sucumbência está relacionada exclusivamente ao trabalho desenvolvido pelo postulante e ao sucesso na atuação processual.
Conforme acima abordado, desde o início da vigência do CPC, os honorários iniciais da execução de título extrajudicial – aí incluídas as Certidões da Dívida Ativa da União - deverão ser arbitrados na forma do art. 827, ou seja, no patamar de 10% (dez porcento), podendo ser elevado até vinte por cento, quando rejeitados os embargos à execução ou reduzido pela metade, no caso de pagamento integral no prazo legal. Esse valor será pago aos advogados públicos, na hipótese de êxito da fazenda; e ao patrono do contribuinte, caso vencida a fazenda.
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1 Art 1º É declarada extinta a participação de servidores públicos na cobrança da Dívida da União, a que se referem os artigos 21 da Lei nº 4.439, de 27 de outubro de 1964, e 1º, inciso II, da Lei nº 5.421, de 25 de abril de 1968, passando a taxa, no total de 20% (vinte por cento), paga pelo executado, a ser recolhida aos cofres públicos, como renda da União.
2 Art 3º Na cobrança executiva da Divida Ativa da União, a aplicação do encargo de que tratam o art. 21 da lei nº 4.439, de 27 de outubro de 1964, o art. 32 do Decreto-lei nº 147, de 3 de fevereiro de 1967, o art. 1º, inciso II, da Lei nº 5.421, de 25 de abril de 1968, o art. 1º do Decreto-lei nº 1.025, de 21 de outubro de 1969, e o art. 3º do Decreto-lei nº 1.569, de 8 de agosto de 1977, substitui a condenação do devedor em honorários de advogado e o respectivo produto será, sob esse título, recolhido integralmente ao Tesouro Nacional.
3 RE 95.146/RS
4 Art. 85. (...) § 19. Os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei.
5 Art. 29. Os honorários advocatícios de sucumbência das causas em que forem parte a União, as autarquias e as fundações públicas federais pertencem originariamente aos ocupantes dos cargos de que trata este Capítulo. Parágrafo único. Os honorários não integram o subsídio e não servirão como base de cálculo para adicional, gratificação ou qualquer outra vantagem pecuniária.
6 Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.
7 Art. 85, §14 do CPC – “Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.”
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*Ana Beatriz Ferreira Rebello Presgrave é doutora em Direito Constitucional pela UFPE. Mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Graduada em Direito pela PUC-SP. Professora do Curso de Graduação e do Programa de Pós-graduação em Direito da UFRN. Estágio pós-doutoral na Westifälische Wilhelms-Universität Münster (WWU). Membro da diretoria do IPPC. Membro da ABDPRO. Membro do IBDP. Membro do IBDFAM. Conselheira Federal da OAB/RN.
*Alexandre Ogusuku é advogado. Especialista em Direito Tributário. Conselheiro Federal da OAB/SP e Presidente da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia.