Atualmente, o mundo vive uma crise econômica que teve origem na pandemia da covid-19 e que fez com que o Brasil voltasse alguns passos no crescimento econômico conquistado nos últimos anos. O otimismo trazido com a reforma da Previdência e com a aprovação da "PEC do teto de gastos públicos"1 deu lugar à incerteza sobre quando e como a economia brasileira irá retomar o seu crescimento.
Nesse momento de crise econômica, sanitária e política, o agronegócio tem sido visto, possivelmente, como o carro-chefe da retomada da economia nos próximos anos. Projeções do Ministério da Agricultura levam a crer que, em 2020, o agronegócio deve faturar cerca de R$ 716 bilhões, um aumento de 8,78% em relação a 2019, mesmo em um cenário de pandemia2.
Ainda de acordo com o Ministério da Agricultura, em junho de 2020, as exportações do agronegócio registraram recordes, com vendas superiores a US$ 10,17 bilhões, ou seja, um crescimento de 24,5% em relação às exportações de junho de 20193.
Em um cenário de otimismo em relação ao agronegócio para os próximos anos, muitos holofotes estão voltados para os recentes debates em torno dos projetos de reforma tributária que tramitam no Congresso Nacional e seus impactos no setor.
Atualmente, estão tramitando no Congresso Nacional dois projetos de reforma tributária. Um deles é a PEC 45/2019, de autoria do deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP), e o outro é a PEC 110/2019, apresentada por diversos senadores com base na PEC 293/2004, já aprovada em comissão especial da Câmara dos Deputados, sob a relatoria do ex-deputado Luiz Carlos Hauly.
Além disso, nos últimos dias, foi apresentado pelo Governo Federal o PL 3.887/2020, que propõe a criação da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), unificando a contribuição ao PIS e a COFINS em um único tributo sobre o valor adicionado, nos moldes do IVA europeu. Ainda que não seja um projeto de reforma de todo o sistema tributário, a unificação do PIS e da COFINS traz mudanças significativas na tributação sobre o consumo e, por isso, será objeto de análise neste artigo.
De forma bem resumida, a PEC 45/2019 prevê a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), um imposto federal que substituiria cinco tributos: IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISS. Nesse modelo, é fixada uma alíquota única aplicável a todos os bens e serviços consumidos em/ou destinados a cada um dos municípios ou estados brasileiros com base em "sub-alíquotas" fixadas por cada um dos entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Nessa proposta, não há a permissão para benefícios fiscais e não há tratamento diferenciado para diferentes setores da economia.
A PEC 110/2019, por sua vez, também estabelece a criação de um imposto chamado IBS, mas que seria de competência estadual e que substituiria nove tributos: IPI, IOF, PIS, COFINS, CIDE-Combustíveis, Salário-Educação, ICMS e ISS. O IBS proposto pela PEC 110/2019 prevê uma alíquota padrão, fixada por lei complementar, com a possibilidade de fixação de alíquotas diferenciadas para determinados bens ou serviços. Nesse modelo, há a possibilidade de concessão de benefícios fiscais em operações com alimentos, medicamentos, transporte público coletivo, entre outras atividades.
O PL 3.887/2020, que propõe a criação da CBS por meio da unificação do PIS e da COFINS, sugere que o novo tributo tenha como base toda a receita bruta decorrente da atividade empresarial, descontados os tributos nela incidentes. Nesse modelo é permitida a tomada de créditos fiscais relativos à tributação das etapas anteriores em observância à não cumulatividade. A alíquota seria de 12% para todas as operações, independentemente da atividade econômica, com ressalva para as instituições financeiras, sujeitas à alíquota atual de 5,8%. Segundo o Projeto de Lei, há a possibilidade de concessão de regimes especiais de apuração, créditos presumidos e outros benefícios, de maneira a incentivar determinadas atividades econômicas e fomentar o desenvolvimento de regiões do país.
Nos dias de hoje, a alta competitividade do agronegócio no comércio internacional está atrelada a políticas de incentivo adotadas pela União e pelos Estados em todo o Brasil. Essas políticas de subsídio, muitas vezes traduzidas em benefícios fiscais ou regimes especiais tributários, também são adotadas em outros países, até mesmo em maiores escalas do que vemos no Brasil. Dessa forma, é essencial a manutenção de políticas de incentivo para que o agronegócio no Brasil continue tendo protagonismo no comércio internacional e também no mercado interno.
Exemplo que ilustra a situação que vivemos hoje no Brasil é o convênio ICMS 100/1997, editado pelo CONFAZ, que prevê a redução da base de cálculo na saída de diversos insumos utilizados no agronegócio, como é o caso dos inseticidas, fungicidas, rações para animais, entre outros. A instrução normativa RFB 1.911/2019, por outro lado, estabelece a suspensão do PIS e da COFINS na venda de diversos insumos como cereais, cacau, carnes, pescados, frutas e café. Isso sem se falar nos muitos Estados que concedem crédito presumido de ICMS na venda de produtos como arroz, café e carne, exemplo do Estado do Paraná (anexo VII do regulamento do ICMS, aprovado pelo decreto 7.871/17).
O fim de políticas de subsídio voltadas para o agronegócio, seja via incentivo financeiro, como são as linhas de crédito voltadas ao setor, seja via incentivos fiscais, como são os benefícios já mencionados, sem dúvida afetaria a competitividade do agronegócio no comércio internacional. E sendo esse um dos principais mercados que poderão tirar o Brasil da crise financeira nos próximos anos, é importante que o Congresso Nacional dê atenção ao setor para não prejudicar o crescimento econômico do Brasil nos próximos anos.
Não se pretende, aqui, fazer qualquer juízo de valor sobre qual é o modelo de reforma tributária ideal, se é que existe um. Entendemos apenas que setores estratégicos da economia devem receber a devida atenção no contexto da reforma tributária para que se evitem ainda mais prejuízos à economia. Além do agronegócio, esse é o caso dos setores de transporte, saúde e de áreas de livre comércio, como a Zona Franca de Manaus.
Além disso, é importante lembrar que os projetos que estão tramitando no Congresso Nacional são apenas propostas, que estão sujeitas a emendas e ajustes ao longo do processo legislativo na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Nada impede, por exemplo, que as três propostas sejam fundidas e que se aproveite o melhor de cada um dos projetos.
A PEC 45/2019 seguiu o caminho de não dar enfoque a setores essenciais da economia, tendo a previsão de uma alíquota única para todas as atividades, sem a possibilidade de concessão de benefícios fiscais. Com isso, o agronegócio passaria a receber o mesmo tratamento tributário das demais áreas da economia. Além disso, a proposta não leva em consideração peculiaridades do setor, como a sazonalidade das safras e a existência de produtores rurais pessoas físicas, que seriam enquadrados como pessoas jurídicas, aumentando a tributação da cadeia de produção.
A PEC 110/2019, por seu turno, parece trazer em sua essência maior preocupação com setores essenciais da economia, permitindo a criação de alíquotas diferenciadas e benefícios fiscais que podem ser utilizados como políticas de subsídio para essas atividades. Com isso, áreas estratégicas da economia continuariam recebendo o apoio do governo por meio de renúncias fiscais que dão mais competitividade à economia brasileira no cenário internacional.
Por fim, o PL 3.887/2020, ainda que determine uma alíquota única de 12% e possa implicar aumento da carga tributária, também pareceu dar maior atenção a setores estratégicos da economia. No caso do agronegócio, essa proposta estabelece a isenção da CBS sobre receitas decorrentes da venda para pessoa jurídica de produtos in natura, a exemplo do cacau, carnes, peixes e laticínios, entre outros. Além disso, há também uma previsão de isenção da CBS na venda de produtos da cesta básica, que incluem diversos produtos relacionados à agroindústria.
Sabemos que um dos gargalos da economia no Brasil é a complexidade do sistema tributário, e que se espera que a reforma tributária simplifique esse sistema, dando fim aos diversos benefícios fiscais e regimes especiais que estimulam tantos entraves. Porém, a nosso ver, a reforma deve preservar o tratamento diferenciado de setores estratégicos, sob pena de agravar a crise econômica que vivemos atualmente.
Como conclusão do racional acima, entendemos que, em tempos em que a reforma tributária nunca esteve tão presente nas mesas de debate, seja qual for o modelo a ser aprovado pelo Congresso Nacional, o que se espera é que setores estratégicos da economia brasileira não sejam deixados de lado, evitando-se, assim, perdas ainda maiores para o país nos próximos anos.
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1 Proposta de EC que deu origem à EC 95.
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*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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