Migalhas de Peso

Doença profissional e o ônus da prova do empregador

O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região enfrentou o tema do ônus processual sobre doenças advindas das atividades laborais, em processo de trabalhadora que desempenhou suas atividades em favor de determinada instituição financeira por 28 anos, e, em razão de suas funções com esforços repetitivos a levou a ser afastada em 1998 para recebimento de benefício previdenciário.

28/7/2020

A doença profissional muitas vezes não é de compreensão dos trabalhadores, que acabam por praticarem atividades laborais de grande impacto a sua saúde, assim, fez-se necessária à sua conceituação por meio do artigo 20, I, da lei 8.213/91.

Com a legislação em vigor, firmou-se o entendimento de que são aquelas produzidas ou desencadeadas pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade, deste modo, são todas as doenças advindas em razão da atividade praticada durante o trabalho, sem ligação as demais atividades praticadas fora do local de labor.

Diante disso, inúmeros processos na atualidade versam sobre as doenças advindas das atividades laborais, para que seja instituída a responsabilidade das empresas ante aos danos causados e custos para restabelecimento do trabalhador.

O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região enfrentou o tema, em sua 2ª Turma, no processo de trabalhadora que desempenhou suas atividades em favor de determinada instituição financeira por 28 anos, e, em razão de suas funções com esforços repetitivos a levou a ser afastada em 1998 para recebimento de benefício previdenciário.

A trabalhadora demonstrou que diariamente fazia digitação contínua com manuseio de objetos pesados, além de efetuar tais atividades em pé, sem as observações de segurança a saúde, o que desencadeou diversas dificuldades e danos pela limitação de sua capacidade.

Em razão das consequências ocasionada pelas atividades laborais, a empregada se afastou algumas vezes da instituição financeira, a partir de 1998, sendo que o Comunicado de Acidente de Trabalho – CAT do ano citado foi emitido pelo próprio banco e a garantiu o benefício previdenciário B94 (pecúlio), no percentual de 50%, sendo reconhecido em ação judicial.

Posteriormente, a trabalhadora foi reabilitada, mas ainda precisou ser afastada mais duas vezes, além da citada, recebendo benefício previdenciário nas espécies B91 e B31.

Ademais, as provas testemunhais comprovaram as péssimas condições de trabalho a que os obreiros são submetidos, além de que, na justiça comum já há decisão transitada em julgado que reconhece a redução de sua capacidade laborativa da trabalhadora, pelo ambiente totalmente lesivo a saúde.

A instituição financeira, em sua defesa, alegou que não participou do processo administrativo que culminou na declaração e reconhecimento do INSS, sobre o nexo causal existente entre a doença e as atividades laborais, nem da ação judicial que demonstra a redução da capacidade laboral, diante disso, buscou a tese de que doença que afeta a empregada não era decorrente de suas atividades laborais.

Apesar das diversas alegações da trabalhadora e a farta documentação do INSS oriunda do processo administrativo, a sentença de 1ª instância rejeitou todos os pedidos formulados, sob o fundamento de que o laudo pericial concluiu que inexistia o nexo causal pleiteado.

Com isso, em sede de Recurso Ordinário argumentou a obreira que o laudo pericial destorceu a realidade, só levando em consideração os documentos apresentados pela instituição financeira, não podendo ser considerado como prova hábil a desconstituir o nexo causal existente.

Em contrapartida, nas contrarrazões, o banco rebateu o alegado, de forma semelhante ao que fora alegado na contestação, para que pudesse manter o laudo apresentado sem a aplicação do nexo causal do ambiente de trabalho aos danos existentes a saúde da Reclamante.

O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, por meio da 2ª Turma, reformou a sentença de primeira instância, a qual julgou os pedidos improcedentes, sob o fundamento de que os documentos que comprovam o reconhecimento do nexo causal pela autarquia previdenciária, o atestado de saúde ocupacional e a decisão estadual transitada em julgado são suficientes para que haja presunção relativa do nexo causal da enfermidade com as atividades laborais.

Diante disso, por ser colocada como presunção relativa poderia ser desfeito o convencimento jurisdicional trazendo prova em contrário ao alegado, para que demonstrasse a higidez do ambiente de trabalho.

Dessa forma, o ônus da prova sobre a inexistência do nexo causal entre o trabalho e a doença é transferido a instituição financeira, uma vez que o INSS já tinha reconhecido tal nexo.

A relatora firmou o entendimento de que além da empresa não se desincumbir do ônus que lhe era devido, ou seja, demonstrar a inexistência do nexo causal, ainda, considerou o laudo pericial como frágil, em razão de não corresponder com a realidade e ser pouco elucidativo, de outra banda, reafirmou o depoimento das testemunhas por estas trazerem a realidade dos fatos, que comprovam a existência do nexo.

Com isso, no acórdão se esclareceu que a enfermidade que acometeu a trabalhadora resultou em sequelas, as quais a impedem de executar tarefas cotidianas, bem como, é parcialmente incapacitada para as funções laborais, em razão das dores que sente em seus membros.

Deste modo, a instituição financeira fora condenada a pagar a trabalhadora indenização na forma de pensão mensal, em razão da perda da capacidade laborativa, bem como, indenização por danos morais.

Diante de tal posicionamento, tem-se que observar novos rumos para as demandas em que tem por objeto a doença profissional para que as empresas busquem meios de se desincumbir do ônus da prova sobre a inexistência do nexo causal entre o trabalho e a doença, não ficando somente a mercê de laudos do perito e do órgão administrativo.

PROCESSO 0100003-96.2016.5.01.0244

__________

*Vinícius Medeiros Rossi da Silva é advogado do escritório Luz & Tedrus Bento Advogados, especializando em Direito Civil pela Damásio Educacional, formado pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCCAMP.




*Camila Eduarda M. de Almeida é colaboradora do escritório Luz & Tedrus Bento Advogados, graduanda na PUC/CAMP.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Coisa julgada, obiter dictum e boa-fé: Um diálogo indispensável

23/12/2024

Macunaíma, ministro do Brasil

23/12/2024

Inteligência artificial e direitos autorais: O que diz o PL 2.338/23 aprovado pelo Senado?

23/12/2024

(Não) incidência de PIS/Cofins sobre reembolso de despesas

23/12/2024

A ameaça da indisponibilidade retroativa

23/12/2024