Há pontos positivos e mazelas incuráveis no texto do o PL 3.887/20, apresentado na última terça feira (21/07) pelo ministro Paulo Guedes ao Congresso Nacional. A proposta para o que seria a primeira etapa da tão aguardada (e necessária) reforma tributária, nasce com uma promessa de simplificação, ao propor extinguir as Contribuições para o Programa Integração Social (“PIS”) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (“Cofins”) e instituir a CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços. Uma espécie de IVA (Imposto sobre Valor Agregado) Federal.
O novo tributo, que incidiria sobre “a receita bruta de cada operação” que envolva bens e serviços, extinguiria a sistemática cumulativa e garantiria crédito sobre bens e serviços adquiridos na etapa anterior, exatamente no valor da CBS destacado na nota fiscal que suporta a operação.
Esta medida, quando analisada sob a perspectiva da segurança jurídica, pode ser o único acerto da proposição. Ainda que reste alguma indefinição sobre o exato conceito de serviço, ao aparentemente alargar a base de aproveitamento de créditos e não mais entrar no complexo conceito de insumo, a nova contribuição resolve, pelo menos em teoria, a litigiosidade excessiva que era corriqueira quando se falava em desconto de créditos para o PIS/Cofins.
Neste contexto, ao vincular o desconto de crédito ao valor expressamente destacado na etapa anterior, afasta-se a metodologia original do creditamento de base sobre base, e aproxima-se de um critério mais objetivo (como o dos tributos indiretos), característico dos IVAs modernos, com menor espaço para dúvidas e contestações.
Este cenário parece ótimo, especialmente quando comparado com o atual que envolve pautar tomadas de decisões gerenciais com base em posicionamentos dos tribunais superiores, que seguem se esforçando para resolver a controvérsia sobre o conceito de “insumo”, mas ainda utilizam a subjetividade de termos como “essencialidade” e “relevância”.
Mas, os pontos positivos param por aí.
Mesmo com a alteração da sistemática de creditamento, alguns pontos foram ignorados e, pior, há temas sustentados como “vantagens” que não o são.
Despesas relevantes tais quais aluguéis e depreciação de ativos imobilizados com vida útil remanescente, poderão ser aproveitados para fins de desconto de créditos?
Além disso, ainda que se tente demonstrar uma simplificação através da diminuição de campos necessários para o adimplemento das obrigações acessórias, a declaração do novo tributo segue excessivamente complexa (mais de 200 campos a serem preenchidos por lançamento).
Da mesma forma, a chamada simplificação não atinge a todos, haja vista a manutenção de sistemáticas de apuração diversas, tal qual o regime monofásico para combustíveis e cigarros. Sem contar as isenções e aplicação de alíquotas diferenciadas, as quais, da mesma forma, vão na contramão do que segue aventado pelos representantes do governo e era esperado pelos contribuintes.
Seria para todos, mas, na verdade, foi pensado para quase todos... O argumento para manutenção da monofasia é a facilidade do monitoramento. Mas, também poderia ser a preponderância da manutenção de postos de gasolina e pontos de vendas de cigarros no regime do Simples Nacional, que acabaria não gerando a arrecadação esperada, já que as sociedades sujeitas a este regime também seguem na lógica antiga.
No entanto, o ponto mais sensível é o impacto da elevação da alíquota para 12%. Por mais que o governo afirme que não haverá um aumento na carga tributária, para alguns setores, isso simplesmente não é verdade.
Mesmo o suposto “novo cálculo” fácil, que deixaria de ser feito com gross-up e passaria a ser por fora, naturalmente não compensa uma alíquota nominalmente muito maior – é matemático e os 12% se equivalem a 10,71% em uma conta por dentro grosseira. O percentual é muito maior que as alíquotas combinadas de PIS e Cofins em quaisquer das suas sistemáticas.
O setor de serviços tem caracteristicamente como seu maior custo a folha salarial e será penalizado diretamente. Isso porque o pagamento de empregados continua sem permitir desconto de créditos. Ou seja, como a alíquota nominal foi aumentada e o principal custo não pode ser aproveitado, o aumento da carga tributária é refletido como um impacto direto no preço dos serviços – que, por óbvio, ficarão mais caros.
Tal medida pode ter como efeito o incentivo à chamada pejotização. A contratação de profissionais via Pessoa Jurídica torna viável o creditamento, às custas da precarização das relações de trabalho.
O cenário piora quando pensamos nos negócios que antes estavam sujeitos à sistemática cumulativa do PIS e da Cofins, ou seja, tinham carga tributária combinada de 3,65%. O salto para os 12% pretendidos pode ser simplesmente inviável para parte dessas empresas.
Adicionalmente, ainda há as “justificativas” apresentadas pelo Poder Público ao introduzir o tema. Não há espaço para se afirmar como vantagem uma “melhoria nas condições de concorrência entre as empresas” – todos pagarão mais tributos? A vantagem é a régua mais alta?
Muito menos seria cabível os representantes do Fisco afirmarem que o adquirente não sabe o quanto se paga de PIS e Cofins embutido nas suas compras e que isso justificaria a majoração de alíquota. Na maioria das cadeias produtivas mais longas, não se sabe o quanto se paga de qualquer tributo no Brasil.
Também é falaciosa a afirmação que foi a CBS a trazer “completa e total desoneração das exportações”, uma vez que este já era o cenário percebido na realidade do PIS e da Cofins. Da mesma forma, a não cumulatividade do PIS e da Cofins já garantia o direito ao crédito de insumos adquiridos de empresas optantes pelo Simples Nacional, definitivamente não foi uma inovação da CBS.
Se a ideia era abandonar um sistema tributário caro e complexo, o que se conseguiu foi torná-lo ainda mais caro, com poucas simplificações.
Ao final, a impressão que fica é que a conta das discussões com PIS e Cofins ficou muito alta. Diante das seguidas discussões judiciais sobre a composição das bases de cálculo das referidas contribuições, pareceu que tais tributos já não arrecadavam o quanto era necessário, além de deixarem cifras vultosas a serem discutidas.
E não adianta esperar que o empresário empurre a majoração do tributo para o consumidor final, como foi sugerido pelo governo. O aumento da carga tributária, quando não diminui a margem praticada, sufocando o empresário, sobrecarrega a ponta da cadeia, elevando os preços (inflação) à população que, como de costume, acaba pagando a conta. É ruim para o empresário e é ruim por consumidor. Quem ganha é o Governo.
É verdade, que no plano macroeconômico, há quem defenda que o aumento da carga tributária do setor de serviços não é exatamente prejudicial. Uma mudança em prol de um sistema tributário que distorça menos a alocação de recursos, poderia resultar em uma economia mais eficiente. Possivelmente, ainda que os serviços representem uma fatia menor do bolo, o bolo aumentaria, o que, em termos absolutos, implicaria em um crescimento de todos os setores no longo prazo. Se é realmente este o ponto, que assim seja apresentado, apesar da impopularidade.
Aos contribuintes, cabe esperar a evolução das discussões no congresso e aguardar que as outras etapas da reforma ataquem outras frentes e tributos, mais complexos, relevantes e, definitivamente, mais necessitados de uma simplificação real e efetiva, que vá além da majoração de alíquota ao se fundir dois tributos.
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