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Novo mundo

A todo instante, a cada nova tecnologia apresentada e exposta ao mercado, a humanidade deve ter a cautela necessária para verificar se a oferta vai significar um ganho de acordo com os parâmetros éticos estabelecidos pelo consenso popular.

26/7/2020

A humanidade foi tomada de surpresa e, aturdida pelos constantes e instigantes desafios tecnológicos que vêm eclodindo de forma reiterada, vê-se diante de um novo mundo que apresenta uma revolução tecnológica sem precedentes, com marco referencial a partir da segunda metade do Século XX. Este avanço levou de roldão todas as áreas do conhecimento que tiveram que se ajustar dentro de um estreito lapso temporal – sem ainda o devido preparo – para assimilar os avanços da biotecnologia e da biotecnociência que, como um tsunami, invadiram as comunidades mundiais provocando considerados dilemas éticos.

As atividades de pesquisas ampliaram-se imensamente e, em decorrência, acarretaram profundas alterações sociais e morais. Não só o desenvolvimento incessante das pesquisas envolvendo seres humanos, mas também as interferências sobre o início e o fim da vida – como a reprodução humana homóloga e heteróloga, a maternidade substitutiva, a clonagem, as terapias gênicas, a eutanásia, a distanásia, a ortotanásia, o suicídio assistido, a engenharia genética, a utilização da tecnologia do DNA recombinante e das células-tronco embrionárias, o transplante de órgãos e tecidos humanos e muitos outros avanços científicos.

É, na realidade, um progresso sem fim na busca de novos conhecimentos que, não direcionados a contento, podem trazer sérios danos à humanidade, como acentuou Harari no breve comentário feito ao filme Matrix: “ O filme Matrix descreve um mundo no qual todos os humanos estão aprisionados num ciberespaço, e tudo que eles vivenciam é configurado por um algoritmo.”1 Observa, ainda, que as inovações tecnológicas são introduzidas por empresários, cientistas e investidores.

A todo instante, a cada nova tecnologia apresentada e exposta ao mercado, a humanidade deve ter a cautela necessária para verificar se a oferta vai significar um ganho de acordo com os parâmetros éticos estabelecidos pelo consenso popular.

Fato notório é que todas as áreas do conhecimento humano apresentaram dificuldades iniciais para abrirem suas comportas com o objetivo de abrigarem os novos conteúdos tecnológicos. Tanto é que, num só movimento, observa-se um crescente diálogo entre a inteligência artificial e os algoritmos, que podem se encarregar da leitura da volição humana e assim vão se alastrando e se incorporando ao dia a dia as mais recentes inovações na área da medicina, comunicação e tantas outras, criando uma nova globalização dos povos, trazendo inevitáveis contatos com os valores humanos.

Nenhuma dúvida paira no sentido de que a progressão científica caminha mais rapidamente do que a própria necessidade do homem, que é o destinatário final de todo o processo evolutivo. É só observar o conteúdo tecnológico em cada lançamento de aparelhos celulares. Daí que há necessidade de perscrutar se as novas tecnologias oferecidas são necessárias, convenientes e oportunas para que a humanidade possa atingir seu postulado do bene vivere.

Muitas dessas novas tecnologias já foram introduzidas com a decretação da pandemia e lograram sucesso nas áreas dos cuidados da saúde, educacional e da comunicação. Basta ver a incessante corrida dos pesquisadores contra o tempo para encontrar uma vacina que seja eficaz no combate ao vírus. A improvisação educacional em procurar dar continuidade ao programa pedagógico mediante aulas online e também os encontros das proveitosas lives. Finalmente, a comunicação que facilita e em muito a propagação de informações e aconselhamentos à comunidade mundial a respeito dos cuidados e protocolos de segurança com relação ao coronavírus. Não olvidando, é claro, o home office, experiência que deu certo e veio para ficar.

Com toda razão, vislumbrando um futuro ainda incerto, já advertia há uma década o arguto bioeticista Hossne: “Preparemo-nos, portanto, para esse “avanço” do conhecimento, sob suas múltiplas facetas, pois todas virão impregnadas de repercussão nos valores humanos.”2

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1 Harari, Yuval Noah. 21 lições para o século 21; Tradução Paulo Geiger – São Paulo, Companhia das Letras, 2018, p. 306.

2 Hossne, William Saad. Ética e cultura Danilo Santos de Miranda (org.) – São Paulo:Perspectiva: Edições SESC 2011, p. 199

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior, promotor de justiça aposentado/SP, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, membro da Rede Bioética Brasil, advogado.

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