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Condicionantes para a constitucionalidade da taxa de fiscalização ambiental: Exercício do poder de polícia e competência para licenciamento da atividade ou empreendimento

A preservação e proteção do meio ambiente foram ratificadas ao (devido) nível constitucional, na Carta Política, tendo o Constituinte originário previsto mecanismos para implementação de normas jurídicas indutoras (comportamentais) à preservação.

22/7/2020

1. Introdução

A história da Humanidade está umbilicalmente conjugada à proteção e utilização do meio ambiente, notoriamente com o surgimento da Revolução Industrial. Com o passar dos anos, tanto os mecanismos de proteção, quanto os de utilização sustentável foram sendo aprimorados, à evidência da escassez e do non-renewable resources.

A preservação e proteção do meio ambiente foram ratificadas ao (devido) nível constitucional, na Carta Política, tendo o Constituinte originário previsto mecanismos para implementação de normas jurídicas indutoras (comportamentais) à preservação.

Dentre as mais eficientes normas indutoras comportamentais, destaca-se, indene de dúvidas, os recursos jurídico-tributários previstos em lei, que, para o devido delineamento desta análise, restringir-se-á às taxas.

Ensina-nos o artigo 3º da lei 5.172/1966 (Código Tributário Nacional – "CTN") que "tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada". Por decorrência lógica, as diversas taxas de (para) fiscalização ambiental (ou outra nomenclatura que a equivalha) instituídas livremente pelos entes federativos, em todas as esferas, são, indiscutivelmente, um tributo.

Neste contexto, dispõe o artigo 77 do CTN que as taxas têm (modal deôntico: obrigatório) como fato gerador da hipótese de incidência tributária, o exercício regular do poder de polícia ou a prestação de serviço de serviço público ao contribuinte, ou posto à disposição. Destaca-se:

Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.

Para os fins a que se aplicam este artigo, delimitar-se-á a análise ao autorizativo "exercício regular do poder de polícia", notadamente com viés ambiental, conjugando-se ao princípio (notoriamente ínsito ao Direito Ambiental) do poluidor-pagador. 

Dentre tais mecanismos, dos quais destacamos o licenciamento administrativo (prévio) ao exercício de atividades potencialmente poluidoras, multas punitivas, determinações para recuperação ambiental, conjugadas ou não com medidas compensatórias, destaca-se a cobrança de tributos1, enquanto fontes (diretas e indiretas) para o múnus de um ecossistema ecologicamente sustentável, economicamente viável, socialmente adequado e justo.

Enquanto o artigo 77 do CTN aduz que o fato jurídico-tributário que ocasiona a exigibilidade da taxa (fato gerador) é o exercício do poder de polícia ou a prestação de serviço ao contribuinte, ou a sua colocação à disposição, o artigo 78 do mesmo diploma, delimita o poder de polícia como a "atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente (...) ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, (...) ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos" – grifos nossos.

2. A referibilidade nas taxas de fiscalização ambiental – Adequação à Constituição Federal, ao Código Tributário Nacional e à LC 140/2011

Considerando que a remuneração do ente público (ou de quem lhe fizer as vezes), em razão do exercício do poder de polícia, deve ser apurada com base em critérios e métodos que guardem similitude com a atividade desenvolvida, não é sequer plausível sustentar a adoção de taxa com roupagem de imposto (arrecadação direcionada ao custeio geral da Administração Pública).

Consoante o professor Ives Gandra da Silva Martins2 o exercício do poder de polícia 'lato sensu' é um serviço público prestado pelo ente tributante, a quem é facultado ressarcir-se pela espécie tributária denominada taxa. Segundo o Jurista, este ressarcimento "(...) vincula-se ao custo operacional do serviço prestado, que em face de cobrança superior ao mesmo, embora de difícil quantificação, implicar imposição de espécie tributária diversa da rotulada de taxa (...)".

Como esclarece Aliomar Baleeiro3, "nos casos das taxas, a base de cálculo deve mensurar o custo da atividade estatal, ou seja, a sua intensidade em relação ao contribuinte, refletindo o caráter sinalagmático, que lhe é inerente. A graduação nas taxas não se opera, tecnicamente, de acordo com os rendimentos do contribuinte, seu patrimônio, ou capacidade financeira em geral, elementos estranhos" – grifos nossos.

Essa necessidade imperiosa de vinculação intrínseca do fato gerador (critério material da hipótese de incidência tributária) da taxa, ao exercício de um dever/poder constitucional (uma atividade estatal específica), restaria plenamente inócua se o legislador infraconstitucional tivesse (e não o tem!) autonomia (jurídico-constitucional) para, ao seu alvedrio, eleger situações extrínsecas ao próprio poder de polícia.

Pertinente o seguinte silogismo:

Premissa Maior – Obrigatoriedade lógico-jurídica de haver correlação (referibilidade) entre o fato gerador e o poder polícia sub judice;

Premissa Menor – A taxa decorre de uma atividade estatal específica e, por conseguinte, sua valoração (resultado do critério quantitativo da regra-matriz de incidência) deve qualquer relação direto com o custo da atividade estatal;

Conclusão – Taxas não podem ser exigidas por um Ente Federativo nas hipóteses em que o Poder de Polícia (v.g. competência para licenciar um empreendimento) seja incumbido a outro Ente Federativo, cujo efeito prático seria a criação de um "pseudoimposto" ou "criptotributo".

Estabelecidas tais premissas jurídico-tributárias, cumpre-nos trazer à lume o regramento do Direito Ambiental, notadamente o artigo 23 da Constituição Federal de 1988, que conferiu competência concorrente à União, Estados (e Distrito Federal) e Municípios para legislar em matéria de Direito Ambiental, materialmente quanto à proteção do meio ambiente e combate à poluição em qualquer de suas formas, e preservação das florestas, fauna e flora.

De igual sorte, nossa Carta Política estabeleceu igual competência aos entes da Federação para a instituição de taxas, condicionadas à adequação aos artigos 77 e 78 do CTN, consoante as competências político-administrativas subjacentes à cada esfera federativa, limitando e delimitando (tais competências) a atribuição constitucional do sujeito ativo (ente federativo).

As competências constitucionais, no Brasil, estão segmentadas em federais (concernentes ao interesse nacional – notoriamente os artigos 21 e 22 da CRFB), municipais (atinentes ao interesse local), reservando-se aos Estados e Distrito Federal a competência residual ou negativa (por assim dizer, as que não negadas e/ou atribuídas a outros entes federativos), além das competências concorrentes/comuns.

Nesta linha, cumpre-nos trazer à baila que a inteligência do artigo 77 do CTN, consigna que o lançamento (enquanto atividade administrativa) das taxas deve estar adstrito aos fatos jurídicos, para os quais sejam competentes para o exercício efetivo e regular do poder de polícia, "no âmbito de suas respectivas atribuições".

Conforme já exposto alhures, as taxas decorrentes do exercício do poder polícia (dentre as quais, as ambientais) se destinam a custear os serviços ou reembolsar o ente federativo proporcionalmente (relação sinalagmática) ao custo despendido para o exercício do poder.

Nessa linha de raciocínio, por conseguinte, afigura-nos inconstitucional o lançamento tributário de Taxa de Fiscalização Ambiental, por sujeitos ativos que não sejam competentes para o exercício efetivo do poder de polícia sub judice.

Sabe-se que o discrímen adequado a priori é a atribuição de competência legislativa para legislar sobre a matéria (e, nas linhas acima elencadas, há competência concorrente em matéria de Direito Ambiental, e competência comum para fins materiais/administrativos). Conquanto, a fortiori, para a conformação jurídico-tributária (constitucional) desta Taxa de Fiscalização Ambiental, o sujeito ativo hipotético deverá, de igual forma, ser competente, no caso em concreto, para o exercício do poder de polícia elencando no artigo 78 do CTN (v.g., regular e licenciar/autorizar o exercício de atividade econômica).

Em uma interpretação conforme à Constituição, haja vista o postulado da harmonia do texto constitucional, a despeito de a Carta Política ter estabelecido competência concorrente aos entes federativos para legislar sobre meio ambiente, tal constatação não implicar afirmar que a Carta Política tenha estabelecido iguais competências (interesses nacional, local e residual/negativo).

Evidencia-se que dita competência concorrente não é um convite à ineficiência (pois inconstitucional), nem mesmo à superposição de poderes, que desaguaria em conflito de tutelas e medidas administrativas entre os respectivos órgãos dos entes de federativos.

Bem caminhou o Constituinte ao estabelecer, no artigo 146 da Carta Política, que "cabe à lei complementar (...) dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios".

Nesta toada, cumpre tal desiderato, tanto o CTN, quanto a LC 140/2011, especial em matéria ambiental ("Lcp 140"), que, no caput do artigo 17 ratifica o quanto aqui sustentado – na linha de que, a competência concorrente não implica superposição de poderes, notoriamente para fins fiscais, em atenção às limitações constitucionais ao poder de tributar, em linha com o disposto no artigo 15 do mesmo diploma legal. Veja-se:  

Art. 17.  Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada. 

§ 1º Qualquer pessoa legalmente identificada, ao constatar infração ambiental decorrente de empreendimento ou atividade utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores, pode dirigir representação ao órgão a que se refere o caput, para efeito do exercício de seu poder de polícia. 

Não há o que tergiversar: a Lcp 140 literalmente consigna que há um único ente federativo competente para exercer o poder polícia, a depender do caso em concreto (consoante sustentamos alhures). Este mesmo ente federativo detém, in casu, a competência fiscal (exclusiva, sob o viés jurídico-tributário, sob pena de ofensa ao princípio constitucional subjacente) para exigência da Taxa de Fiscalização Ambiental.

Nessa linha de raciocínio, sendo legítimo o Estado para licenciar um empreendimento econômico, será este Estado constitucionalmente balizado para exigir a Taxa de Fiscalização Ambiental, configurando-se inconstitucional, por exemplo, o "Município Y" exigir-lhe (do contribuinte-empreendedor) a mesma taxa, haja vista a ausência de interesse local que justifique o serviço e a contraprestação fiscal correspondente.

Permissa venia aos que sustentam entendimento diverso, a nosso sentir, o parágrafo 3º do artigo 17 da Lcp 140, para além de corroborar nosso entendimento, explicita que que é nulo o ato administrativo decorrente do poder de polícia exercido pelo ente ilegítimo para tal desiderato, no caso em concreto, senão vejamos:

Art. 17.  Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada.

(...)

§ 3º  O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput.

Essa é a interpretação conforme juridicamente plausível das normas da Lcp 140, frente ao CTN e, decerto, à Carta Política.

O professor José Marcos Domingues4 argutamente sustenta que "(...) admitindo-se para argumentar a legitimidade da lei 10.165/2001, mereceria ela uma interpretação conforme a Constituição, no sentido de que a TCFA só seja devida ao IBAMA quando ele agir ao amparo de uma competência privativa sua (fiscalização de empreendimentos ou atividades causadores(as) de potencial impacto ambiental regional ou nacional), ou quando ele demonstrar que se vale da competência supletiva [artigo 15 da Lcp 140] pela omissão da autoridade ambiental local competente (Estado e Município)" – grifos nossos.

3. Conclusão         

Ante o exposto, sucintamente, somos da opinião de que a taxa ambiental somente poderá ser lançada (e exigida) pelo ente federativo competente para o licenciamento da atividade ou empreendimento in casu, sendo ilegal e inconstitucional o lançamento do mesmo crédito tributário por outro ente federativo, ainda que sob o pálio da proteção do meio ambiente.

_________

1 A título ilustrativo, em âmbito estadual e distrital, destaca-se o (assim convencionado) ICMS-Ecológico estabelecido pelo Estado do Paraná, farol para os demais entes federativos.

2 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA. Constitucionalidade de sua Instituição. In: Revista Jurídica Virtual. Vol. 2, n. 21, 2001 – Parecer.

3 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Atualização de Misabel Abreu Machado Derzi. 11ª edição. Forense: Rio de Janeiro, 2002, p. 552.

4 DOMINGUES, José Marcos. Taxas Ambientais no Direito Brasileiro. Especial Referência à Taxa Federal de Controle e Fiscalização Ambiental. In: Revista de Direito Internacional Econômico e Tributário. Brasília: UCB, Jul/Dez/2006, v. 1, n2.

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*Gabriel Alves Elias é sócio da MoselloLima Advocacia. Pós-graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP).

*Igor Bastos de Almeida Dias é advogado tributarista da MoselloLima Advocacia. Pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).



 

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