Nosso sistema de justiça e nosso país no momento em que se encontram, apesar da existência de políticas que tentam viabilizar a aceleração dos julgamentos dos processos judiciais, necessitam da oportunidade de vislumbrarem mecanismos mais hábeis para solucionar os litígios do cotidiano, em especial as relações de consumo.
De forma geral, sempre admitiu-se a convivência pacífica do intervencionismo estatal ao lado da solução privada das lides, porém, urge a necessidade de que nossas normas se adequem a nova realidade social e econômica atualmente enfrentada, possibilitando a efetiva aplicação dos institutos da mediação e da arbitragem nas relações de consumo.
A aplicabilidade desses institutos tem a necessidade imperiosa, de se afirmar, que o nosso sistema do litigioso se tornou muito mais cultural do que necessário e não atende mais às expectativas dos cidadãos, demonstrando a real necessidade do desenvolvimento da mediação e principalmente da arbitragem, como instrumentos mais hábeis para solução de conflitos.
Deste modo, é totalmente possível a simetria entre o instituto da arbitragem e o Código de Defesa do Consumidor, com o intuito de vermos os litígios do cotidiano terem uma solução mais célere, adequada e justa para as partes envolvidas.
HISTÓRICO DA ARBITRAGEM BRASILEIRA:
A arbitragem foi instituída no Brasil, e ficou delimitada pela lei marco maciel (lei de arbitragem), esta norma pode e deve solidificar-se com a norma consumerista e com os contratos de adesão, por atender mais adequadamente às expectativas da sociedade.
A primeira aparição do instituto da arbitragem em nosso sistema jurídico nacional, muito embora o seu desconhecimento, se deu na Constituição Imperialista de 1824, que dispunha o seguinte texto: “Art. 160. Nas causas cíveis e nas penais civilmente intentadas, poderão as partes nomear juízes árbitros. Suas sentenças são executadas sem recurso, se assim convencionarem as partes”.
As constituições brasileiras posteriores silenciaram a esse respeito, surgindo novamente apenas na Carta Magna de 1988, onde diferentemente das outras Constituições, tratou-se expressamente de arbitragem no seu Art. 114, disciplinando a arbitragem seguindo a mais moderna filosofia sobre o assunto.
Após a Constituição de 1988, depois de longos quatro anos de tramitação no Congresso Nacional, nasceu a lei 9.307/96 regulamentando o instituto da arbitragem, considerada uma norma moderna e que deixou para trás a antiga disciplina de arbitragem vista no Código de Processo Civil de 1975, onde era completamente desprestigiada1.
Além da agilidade e no imediatismo da arbitragem, necessária e capaz de responder com presteza a velocidade das negociações do mundo moderno, a via arbitral torna-se indispensável nas situações em que há continuidade do relacionamento, após a solução do conflito, pois, antes de tudo, a arbitragem tem como grande instrumento de resolução a mediação.
E esta mediação encontra respaldo em situações em que invariavelmente ocorrerão conflitos de consumo, seja no caso de fornecedores que se encontram em situação de monopólio de determinado segmento de mercado, seja para aqueles que embora enfrentando a concorrência precisarão sempre sair atrair os consumidores para seus bens.
Dentre suas vantagens mais evidentes podemos destacar a facilidade, a segurança, a tecnicidade, a rapidez, o sigilo e a economia.
Via de regra, a arbitragem é mais simplificada que o órgão jurisdicional, pois as partes podem eleger seus “juízes privados” dotados de poderes para impor uma solução satisfatória a todas as lides que envolvam direitos patrimoniais disponíveis sem que se recorra à força coercitiva do Estado. Seu objetivo não é como alardeiam alguns, de concorrer com a jurisdição estatal ou substituí-la, mas de tornar-se uma opção na solução de conflitos desafogando-a.
É a arbitragem um meio mais do que comum, usado a muito na Europa, Estados Unidos, Japão e outros países, para dirimir os conflitos. E na verdade um meio alternativo, as soluções dadas pelo Estado, e tem a mesma eficácia, das suas resultantes sentenças, onde não cabem recursos, e podem ser empregadas em todos os tipos de direitos patrimoniais disponíveis.
Carlos Alberto Carmona, prevê o crescimento dos números de adeptos da arbitragem à medida que suas potencialidades forem sendo descobertas e desenvolvidas2.
Walter Ceneviva comenta que “a arbitragem será uma das soluções para desafogar os problemas judiciários. Está longe de nossas tradições, mas como diz Rezek, a situação em que vivemos é patológica, onde precisamos de novos rumos. Os antigos, apesar das velhas queixas, repetidas em decênios de monotonia, não resolveram a prestação jurisdicional e nem levam jeito de resolvê-la a curto prazo”3.
Fazendo um estudo comparativo da cláusula compromissória e a relação consumerista, temos o comentário do ilustre Professor Antônio Junqueira de Azevedo: “uma vez, porém, feito o compromisso e válido, sem abuso ao consumidor, a arbitragem que se segue terá, por sua vez, que ser decidida sem ferir as normas cogentes do CDC”4.
De todo modo, acreditamos na possibilidade de realização de justiça quando utilizamos a mediação e a arbitragem como forma de resolução dos conflitos consumeristas. A possibilidade de maior celeridade já traz em si, a justiça, pois justiça tardia, não é justiça.
CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 9.307/96 E DA APLICAÇÃO NAS RELAÇÕES DE CONSUMO:
Ressaltando-se que, mesmo no campo privado da arbitragem, as normas a serem seguidas serão normas contidas no Código de Defesa do Consumidor, e isto, mesmo estando a cargo da justiça privada.
É facultado às partes, em qualquer contrato, convencionar que os litígios que possam surgir relativamente ao mesmo sejam submetidos à arbitragem, conforme dispõe o art. 4°, da Lei n° 9.307/96, mediante a inserção, no instrumento negocial ou em apartado (§ 1a), de cláusula compromissória5.
Para alguns doutrinadores, a principal crítica a lei 9.307/96, embora pertencente ao ordenamento jurídico pátrio, possui o vício insanável da ofensa ao princípio magno da inafastabilidade da jurisdição previsto no artigo 5°, inciso XXXV, do Diploma Maior.
É fato que a utilização da via arbitral desloca a competência de julgamento da causa para fora do Poder Judiciário.
Todavia, a discussão enfrentada por juristas de envergadura vem se esvaziando na exata medida em que a alegada inconstitucionalidade da lei reflete o pensamento minoritário de nossa literatura jurídica e jurisprudencial.
Nelson Nery Júnior, apoiado nas lições de José Frederico Marques, Pontes de Miranda, Hamilton de Moraes e Barros, Erwin Marx e até decisão da Corte Constitucional italiana, nos revela porque a arbitragem não significa renúncia ao direito de ação, tampouco viola o princípio do juiz natural: "A escolha pelas partes de um árbitro para solucionar as lides existentes entre elas não significa renúncia ao direito de ação nem ofende o princípio constitucional do juiz natural. Com a celebração do compromisso arbitral as partes apenas estão transferindo, deslocando a jurisdição que, de ordinário, é exercida por órgão estatal, para um destinatário privado. Como o compromisso só pode versar sobre matéria de direito disponível, é lícito às partes assim proceder”6.
De fato, a proibição constitucional (art. 5°, XXXV) veda que a lei (e não as partes) exclua alguma questão da apreciação do judiciário, todavia, se as partes decidirem deslocar a jurisdição e eleger a arbitragem para solucionar um conflito envolvendo direito patrimonial sob sua esfera de disponibilidade não haverá qualquer óbice legal ou constitucional.
Devemos ainda lembrar que a lei 9.307/96, em seu art. 33 dá aos interessados, a possibilidade de acesso ao judiciário para que a sentença arbitral, quando eivada de vícios, seja declarada nula. Além disso, somente o judiciário estatal poderá executar a sentença arbitral.
Patrícia Galindo da Fonseca destaca:
"A lei é expressa ao identificar o árbitro como juiz de fato e de direito em seu dispositivo 18º. Em respeito ao princípio constitucional da não exclusão pela lei da apreciação da lesão ou ameaça a o direito pelo Poder Judiciário, assegura-se às partes a possibilidade de rever o laudo arbitral em ação de nulidade ou embargos de devedor, conforme preceituado no art. 32 e 33 parágrafo 2°. (...)."
Sendo possível que se travem infindáveis discussões sobre esta matéria, parece mais prudente, no exame que se segue, levar em conta a possibilidade de que venha a prevalecer à admissibilidade da arbitragem nas relações consumeristas porque em sua grande maioria são direitos disponíveis.
As relações jurídicas no Brasil, quando levadas para o campo das relações de consumo, tem uma significativa proteção, embasada no CDC, quando falamos em arbitrabilidade das relações de consumo, falamos no envolvimento de forças que se declaram desiguais, há a possibilidade de arbitramento destas relações, sem maculação.
Pois bem, uma primeira observação a ser feita é que não há na Lei 8.078/90, seja no artigo mencionado, seja em qualquer outro, restrição a essa via alternativa (privada) de solução de litígio.
A professora Selma M. Ferreira Lemes responde a esta indagação com propriedade:
“Assim, com serenidade e utilizando da melhor hermenêutica, à luz dos direitos nacional e comparado, é que haveremos de concluir que a arbitragem, observando os requisitos necessários, é meio hábil de solução de conflitos de consumo e pode ser incentivado e utilizado na sociedade”7.
Há na norma legal brasileira a permissão da aplicação de arbitragem (e mediação), quando existe a disponibilidade do direito submetido ao litígio e a sentença do árbitro. Pois as questões consumeristas são indiscutivelmente de caráter cogente (art. 1° da Lei 8.078/90).
Na verdade, temos a certeza que o procedimento arbitral é aplicável nas relações de consumo, desde que estejamos diante de um "direito patrimonial disponível", que não caiba ao potencial proprietário do direito, a indisponibilidade deste, pois se houver indisponibilidade do direito, a relação não poderá emergir na esfera da arbitragem.
António Junqueira de Azevedo, em artigo entitulado A Arbitragem e o Direito do Consumidor, propõe-se a solucionar a questão do aparente conflito entre a Lei de Arbitragem que permite a inserção de cláusula compromissória nos contratos de adesão e o Art. 51 inc. VII, do CDC. Em suas conclusões o doutrinador conclui pela arbitrabilidade das questões que envolvem consumo, com a ressalva de que deva ser instituída por compromisso e não por cláusula compromissória ante a vedação imposta pelo art. 51 inc. VII, do CDC: "Como adiantamos, a Lei de Arbitragem nada alterou no Código de Defesa do Consumidor, sobre os direitos do consumidor. Perante a lei protetiva, o quadro era, e é, pois, o seguinte: o compromisso entre consumidor e fornecedor, desde que sem abuso deste sobre aquele, é permitido; a cláusula compromissória, inversamente, tem presunção absoluta de abusividade e é proibida (art. 51, VII)8.
Nelson Nery, alinhado com este entendimento, após esclarecer que os contratos de consumo podem ser de adesão ou não, deixa claro que o art. 51 inc. VII (88), do CDC, não é incompatível com o art. 4°, §2°, da Lei de Arbitragem e que ambas as leis sobrevivem vigentes e se completam: "Basta lembrar, por exemplo, que o CDC, art. 51, inciso VII, aplica-se apenas aos contratos de consumo, enquanto que o art. 4°, §2.° aplica-se a todo e qualquer contrato de adesão: civil, comercial ou de consumo”.
A Constituição Federal de 1988, no seu Art, 5°, inciso XXXII, contêm a seguinte determinação legal: "O Estado promovera na forma da Lei a Defesa do Consumidor", por este motivo é que se germinou o Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990, por determinação da CF. Bem como a Lei de Arbitragem 9.307/1996 dotada de procedimento capaz de viabilizar o mandamento constitucional da defesa do consumidor e o princípio da alternatividade da solução dos conflitos.
A grosso modo, e no afã se concluir simetricamente os motivos acima elecandos de validade e eficácia da cláusula compromissória de arbitragem inseridas no contrato de adesão, afirmamos que, tem competência absoluta o juízo arbitral, para a mediação e a solução dos conflitos quando de direitos disponíveis, em face de cláusula compromissória de arbitragem, instituída nos contratos de adesão.
Portanto, atendido os requisitos exigidos pelo Legislador, não há o que se falar em inconstitucionalidade ou em desrespeito ao Art. 51, inciso VII, do CDC, pois, contem todo formalismo necessário para a sua validade.
Assim outro caminho não há, para os Julgadores, se não declararem perfeito e constitucional o instituto processual ora em comento mesmo quando aplicados sob o regime do CDC.
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CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo um comentário à lei 9.307/96, FIGUEIRA, Joel Dias, Arbitragem, Jurisdição e Execução, KROETZ, Tarcísio Araújo. Arbitragem, Conceito e Pressupostos de Validade.
FIGUEIRA, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdição e Execução.
CARMONA, Carlos Alberto. Gazeta Jurídica. 05.06.98.
CENEVIVA, Walter. Folha de São Paulo. 2.11.98.
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo um comentário. à lei 9.307/96.
DA FONSECA, Patrícia Galindo. Passos Concretos para Desenvolver a Arbitragem no Brasil. Ministério das Relações Exteriores.
https://www.dct.mre.aov.br/e-CQmmerce/pgf.doc
AZEVEDO, António Junqueira. A Arbitragem e o Direito do Consumidor. In Revista de Direito do Consumidor.
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1 - CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo um comentário a Lei 9.307/96.p.17.
2- CARMONA, Carlos Alberto. Gazeta Jurídica. 05.06.98,p.07.
3- CENEVIVA, Walter. Folha de São Paulo.2.11.98.
4- AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Arbitragem e o Direito do Consumidor. In revista de Direito do Consumidor,p.38.
5- Lei de Arbitragem: 9.307/96-art.4°.
6- NELSON, Júnior, Nery e NERY, Rosa Maria Andrade. Código Processo Civil Comentado. P.1733.
7- MARTFNS. Pedro A. Batista; LEMES. Selma M. Ferreira; CARMONA, Carlos Alberto. Aspecíos Fundamentais da Lei de Arbitragem. P. 135.
8- AZEVEDO, António Junqueira . A Arbitragem e o Direito do Consumidor. In Revista de Direito do
Consumidor, 23-24,1997. p.38.
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* Roberto Dutra de Amorim Júnior é advogado do sindicato dos policiais Federais em Pernambuco. Especialista em Direito Civil e Consumidor.