Mesmo antes de termos o cotidiano permeado por videoconferências, teletrabalho, telemedicina, ensino a distância e relacionamentos virtuais, acompanhávamos um profundo e marcante processo de transformação do capitalismo global. Porém, os e-books (esqueçam os livros) de histórias contarão que 2020 marcará o ponto fundamental da mudança avassaladora nos costumes, justamente na sobreposição para a economia intangível de dados (big data) e inteligência artificial.
A digitalização da economia e, por consequência natural, da sociedade, é um processo que levaria algumas décadas, mas a imposição pandêmica da covid-19 impõe que essa importante transformação social se dê quase instantaneamente, pois força o trabalho remoto e, obviamente, leva ao consumo digital a partir de casa. Manter-se a distância virou o novo normal, não sabemos até quando. Portanto, nossa capacidade de maximizar a digitalização econômica é tão urgente quanto nos manter isolados, pois diferenciará o tamanho do impacto econômico em cada país do mundo.
Enquanto nação, é preponderante que sejam direcionadas políticas públicas com foco na inovação. O Brasil, tradicionalmente, um país produtor de commodities e isso nos traz vantagem, embora agregar valor aos produtos da nossa terra seja o próximo passo indispensável para a prosperidade nacional.
Perdemos a oportunidade de resolver problemas que já existiam no horizonte, como os postos de trabalho que já não fazem sentido com as tecnologias existentes. Caixas de supermercados, frentistas nos postos de combustíveis, cobradores de ônibus, são profissões que correm agora um sério risco de serem extintos em meses, sem “plano B”. Infelizmente, esse debate foi soterrado no Congresso Nacional em diversas oportunidades, onde poderíamos ver aplicadas políticas públicas no fomento a outros potenciais postos de trabalho, baseados em arranjos produtivos prósperos à nossa economia.
Nesse sentido, há uma gama de possibilidades inexploradas no tocante às formas de consumo e relacionamento, proporcionando necessidades inéditas no mundo. Para isso, todos estamos num processo intenso de reforma individual e auto reflexão, levando a sociedade em bloco para uma grande transformação. E, nesse contexto, não podemos esquecer das instituições e organismos internacionais, que também estão sendo obrigados a remodelar não somente a sua governança e políticas públicas, mas, também, a rever suas políticas e relações internacionais, pois nada passará incólume ao crescimento exponencial da transformação digital. O famoso Premier Britânico Winston Churchill dizia que um otimista vê oportunidade em cada calamidade. Em situações como as vividas atualmente, não há outra opção.
Dessa forma, é importante contextualizar a digitalização da sociedade com exemplos que já se mostram avançados neste processo, tal qual os modelos inovadores – para não dizer modelos disruptivos originados pela intensa revolução digital na China, país que investe, anualmente, 2% do seu PIB em inovação.
Ir à China não significa apenas viajar ao futuro, na concepção de uma diferença de 11 horas de fuso com o Brasil. Viajar à China significa dar um enorme passo para conhecer a forma como conviveremos numa sociedade altamente conectada e digital. A China tem sido um dos países mais eficazes no combate a pandemia devido, basicamente, a três fatores cruciais: fator cultural, fator experiência e fator tecnológico.
Em primeiro lugar, a sociedade chinesa é uma sociedade confuciana, ou seja, um povo mais obediente às leis e com maior preocupação do coletivo em detrimento ao individual, vez que considera o ser humano como um ser essencialmente social, com seu respectivo e claro papel na sociedade.
Em segundo lugar, algumas medidas foram tomadas pelo governo chinês em virtude de experiências e lições passadas, tal qual o surto de Sars, em 2003, que culminou na morte de 774 cidadãos, ajudando, inclusive, a acelerar esse processo de digitalização (fator tecnológico) que, ainda lá atrás, fez um verdadeiro “boom” no e-commerce chinês.
Com a digitalização, o e-commerce tende a se desenvolver cada vez mais e, junto a ele, tudo aquilo que passamos a chamar de “low touch economy” ou economia sem contato. A “sharing economy” ou economia compartilhada, que ganhou força nos anos seguintes à crise de 2008, ficou para trás. Chamar um taxi ou pedir comida por aplicativo, por exemplo, nunca mais será da mesma forma. Agora, a hora é de carros autônomos (sem motoristas), maior integração entre redes varejistas e restaurantes, e uso de drones para delivery de comidas preparadas não por um cozinheiro, mas, sim, por um robô, que corta, tempera e cozinha o alimento.
Um outro excelente exemplo é a utilização do dinheiro. Na época da dinastia Tang (618-907 d.C.), os chineses inventaram o dinheiro em papel, que se consolidou a partir do século X. Mas também foram os chineses que acabaram com as cédulas de papel, ao introduzirem pagamentos por aplicativo, como o WeChat ou Alipay – dois famosos superapps, ou seja, plataformas em que os usuários encontram diferentes serviços como, por exemplo, agendar consulta médica, interagir em rede social, solicitar serviços de mobilidade e até fazer transações financeiras. No Brasil, a prática de pagamento por aplicativo vem, aos poucos, se tornando realidade. Enquanto isso, na China, a tendência já é outra: o pagamento via reconhecimento facial, isto é, o reconhecimento de mais de 30 mil pontos da face humana para o processamento da transação financeira em milésimos de segundo.
O reconhecimento de face é, inclusive, o pilar para o monitoramento social, com equipamentos capazes de captar mais de 60 mil faces por minuto, tecnologia aplicada em locais com alta aglomeração de pessoas.
Como se vê, inúmeras são as funcionalidades que a tecnologia pode trazer em prol da sociedade. Por esse motivo, a China tem fortemente desenvolvido o e-commerce, a infraestrutura da telecomunicação (5G) e a constituição de cidades inteligentes, numa iniciativa digital para liderar todo esse processo de inovação até 2030, num processo de digitalização que precisa ser rapidamente entendido e debatido com o império do meio, através de cooperação para um futuro comum compartilhado, lastreado em princípios da ética e transparência, indispensáveis para vivermos em sociedade.
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*Bruno Netto é gestor do Programa Goiás de Resultados no Governo do Estado de Goiás
*Edival Lourenço Jr. é superintendente de negócios internacionais do Governo do Estado de Goiás com MBA na Universidade de Pequim
*José Ricardo dos Santos Luz Júnior é gerente institucional do Braga Nascimento e Zilio Advogados Associados e CEO da plataforma LIDE China, também com MBA na mesma Universidade.