Acho interessante como pensam as novas gerações no Brasil. Mimetizam o ativismo social que nasce no exterior, como se fazia na década de 60. Sofrem com os problemas distantes e misturam fenômenos históricos diferentes, para se mostrarem solidários. Não desmereço essa consciência, nem a atitude. Ao menos, muitos estão a dizer nas ruas que pessoas humanas, embora indivíduos, merecem tratamento igual e respeitoso, em especial do Estado.
O que me chama a atenção é a incapacidade que temos de ver o absurdo que ocorre aqui, bem na frente de nossos olhos. Quem entre 16 e 30 anos tem coragem de sair de casa vestindo uma camiseta com a frase “Vidas de presidiários importam”? No entanto, muitos copiaram nas redes sociais o bordão norte-americano: Black lives matter.
Posso apostar que estudantes de Direito não pararam para pensar no problema carcerário em tempos de pandemia. Nem mesmo filosofaram para refletir de modo simples: se boa parte dos presidiários brasileiros são negros, e a vida destes contam, no mínimo, a vida dos presos negros vale nossa atenção.
Quando eu começava os estudos de graduação em Direito Penal, para chocar os alunos, bons professores da época repetiam a expressão, criada pelo Professor Manoel Pedro Pimentel: “nossas prisões são jaulas obscenas”. Creio que poucos guardaram a mensagem. A maioria se distanciou da Justiça Penal e os presos não mais lhes interessa.
Em verdade, a combinação do problema da violência urbana com o envelhecer não leva a se esquecer do assunto, mas, a se ignorar a existência da massa carcerária. Mídia medíocre, políticos despreparados e discursos policialescos cativam parcela da classe média, que piora com a idade. Os presos são os outros, os outsiders.
E, agora, despertou-se o novo padrão de juiz criminal que diz ter valores sociais superiores. Almeja salvar a nação, por meio de sentenças criminais. Desistiu de julgar, quer combater. Atua para unir forças-tarefa. Quem sabe togas camufladas? Medalhas de mérito jurisdicional, para galardoar a excepcional qualidade de condenar por crime de corrupção?
Não ria, essa gente faz sucesso até entre jovens. Há quem escreva livros para a apologia desses disparates. Sem falar dos elaborados, que encontram algum doutrinador estrangeiro que lhes autoriza a reconhecer os réus e os condenados como inimigos. Trata-se daquele tipo de suposto pensador que nada aprendeu com o século XX, que finge terem saído da memória os horrores da 2ª Guerra. Enfim, resta a cada um se perguntar como tocar corações e mentes dos mais novos sobre o gravíssimo desprezo estatal aos presidiários e suas famílias. Temos décadas de descaso com a execução penal. Vivemos a omissão cotidiana diante do caos no sistema prisional.
Talvez, o problema esteja no que consiste essa realidade. Nem sequer os profissionais do Direito, na boa média, conhecem o cárcere. Ler livros, olhar fotos, ver filmes e séries não trazem conhecimento suficiente sobre o objeto. É preciso constatar a destruição do humano, sentir o cheiro do lugar, o som das grades, a violência não dita. Necessário observar os olhos do outro pela estreita janela do parlatório, para reconhecer a emoção do preso ao ver alguém que se preocupa com ele, com seus direitos.
Ninguém volta para casa normal depois de visitar um presídio. Retorna com mescla de sentimentos que lhe consomem e conduzem a repensar sobre vida e liberdade. Quem se depara com a desgraça em estabelecimentos penitenciários, hospitais e necrotérios jamais se comporta do mesmo modo, pois desenvolve a percepção de que somos todos iguais, de que todas as vidas têm importância. Sim, prisoners' lives matter.
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