Migalhas de Peso

O pleito de anulação da sentença arbitral nacional em sede de execução

Para a desconstituição das sentenças arbitrais nacionais nulas, a Lei n.º 9.307/96 disponibiliza duas medidas judiciais: a demanda anulatória e os embargos do devedor, de que tratam, respectivamente, os §§ 1º e 3º do art. 33. No presente texto, trataremos apenas do controle de sentenças arbitrais em sede de execução, atentando, em especial, para o que há de pertinente ao tema nas alterações introduzidas no CPC pela Lei n.º 11.232/05.

29/11/2006


O pleito de anulação da sentença arbitral nacional em sede de execução


Felipe Scripes Wladeck*


1. Os meios de controle judicial das sentenças arbitrais nacionais nulas previstos na Lei n.º 9.307/96


Para a desconstituição das sentenças arbitrais nacionais nulas, a Lei n.º 9.307/96 (clique aqui) disponibiliza duas medidas judiciais: a demanda anulatória e os embargos do devedor, de que tratam, respectivamente, os §§ 1º e 3º do art. 33.


No presente texto, trataremos apenas do controle de sentenças arbitrais em sede de execução, atentando, em especial, para o que há de pertinente ao tema nas alterações introduzidas no CPC pela Lei n.º 11.232/05 (clique aqui).


2. As alterações introduzidas no CPC pela Lei n.º 11.232/05 e o pleito de anulação da sentença arbitral nacional em sede de execução


Em 23/6/2006 entrou em vigor a Lei n.º 11.232/05, que alterou o CPC (clique aqui) para, entre outras providências, estabelecer fase de cumprimento de sentenças no processo de conhecimento e revogar dispositivos relativos à execução fundada em título judicial.


Doravante, podem ser identificados três grandes grupos de hipóteses de execução de título judicial de pagamento de quantia:


(a) Manteve-se praticamente intacto o regramento atinente às execuções de sentenças – judiciais ou arbitrais – condenatórias da Fazenda Pública. Tais execuções continuam se dando na forma dos arts. 730 e 731 do CPC (“praticamente intacto”, pois ocorreram breves alterações no rol das matérias que o Poder Público pode argüir em sede de embargos do devedor – confira-se a nova redação do art. 741).


(b) As sentenças judiciais condenatórias ao pagamento de quantia certa contrárias a particulares, por sua vez, passam a ser executadas no bojo do próprio processo de conhecimento em que forem proferidas – ou seja, deixa de haver processo executivo autônomo no tocante a elas. A respectiva fase de cumprimento vem disciplinada nos arts. 475-I e seguintes do CPC.


(c)
Por fim, as execuções das sentenças mencionadas nos incisos II (sentença penal condenatória transitada em julgado), IV (sentença arbitral condenatória contrária a particular) e VI (sentença estrangeira, homologada pelo Superior Tribunal de Justiça) do art. 475-N do CPC permanecem ocorrendo por meio de processo autônomo (como logicamente não poderia deixar de ser – vide o parágrafo único do mesmo dispositivo). Sua condução, entretanto, passa a se dar na forma dos arts. 475-I e seguintes.


Nas execuções referidas em (a), movidas contra a Fazenda Pública, permanecem cabíveis os embargos do devedor (art. 730 do CPC). Já nas mencionadas em (b) e (c), a defesa do executado passa a ser exercível por medida genericamente chamada de impugnação, regulada nos arts. 475-L e seguintes. Trata-se de demanda de tutela cognitiva incidental ao procedimento executivo, mas que não instaura novo processo.


A nosso ver, o mecanismo da impugnação faz as vezes dos embargos do devedor até mesmo para os fins do art. 33, § 3º, da Lei de Arbitragem – vale dizer, para o controle de sentenças arbitrais nulas ou inexistentes. É o que se expõe no item n.º 2.2, abaixo.


Sobre o pleito anulatório, em sede de execução, de sentenças arbitrais condenatórias em obrigações de entrega de coisa e em obrigações de fazer ou não fazer, vide o item n.º 2.3.


2.1 A Fazenda Pública executada por quantia certa: o cabimento de embargos do devedor (art. 33, § 3º, da Lei de Arbitragem)


As sentenças (arbitrais ou judiciais) condenatórias ao pagamento de quantia contrárias ao Poder Público permanecem sendo executadas por meio de processo autônomo, na forma dos arts. 730 e 731 do CPC.


Os embargos do devedor continuam, portanto, consistindo na medida de defesa de que pode se valer a Fazenda Pública internamente ao processo executivo, inclusive – em sendo o título judicial uma sentença arbitral – para a argüição das matérias do art. 32 da Lei de Arbitragem.


Com efeito, de acordo com os estritos termos do art. 33, § 3º, da Lei n.º 9.307/96, encerrado o prazo legal de noventa dias para a propositura de demanda anulatória, poderá a Fazenda Pública tentar obter a desconstituição da sentença arbitral nula (que a tenha condenado ao pagamento de quantia) pela via secundária dos embargos do devedor – desde que instaurado o competente processo executivo ex intervallo, evidentemente.


Ou seja, o legislador especial previu a possibilidade de se pleitear a desconstituição do provimento arbitral condenatório desconforme com os ditames do due process of law não apenas pela via da demanda anulatória prevista no § 1º do art. 33, mas também (a menos que presentes os pressupostos processuais negativos da coisa julgada e da litispendência) por meio dos embargos do devedor.


2.2 O particular executado por quantia certa: o cabimento da impugnação de que tratam os arts. 475-L e seguintes do CPC


Segundo a Lei n.º 11.232/05, a execução judicial de sentenças arbitrais condenatórias ao pagamento de quantia contrárias a particulares permanece ocorrendo por meio de processo autônomo (art. 475-N, parágrafo único, do CPC).


E não poderia ser diferente, na medida em que o processo de conhecimento arbitral se desenvolve perante instância privada – sendo, portanto, o cumprimento forçado do decisum dele resultante dependente do ingresso da parte interessada no Poder Judiciário (exclusivo detentor do imperium).


Os preceitos que disciplinam o processo de execução das sentenças sub examine são, todavia, os mesmos que regem a fase (interna ao processo de conhecimento) de cumprimento das sentenças judiciais condenatórias ao pagamento de quantia (arts. 475-I e seguintes do CPC).


Como se disse, de acordo com aqueles dispositivos, a defesa do particular demandado em execução de título judicial de pagamento de quantia não mais é realizada pela via dos embargos do devedor, mas por remédio chamado, genericamente, de impugnação (arts. 475-L e seguintes).


Assim, em sendo o título executivo uma sentença arbitral condenatória de particular ao pagamento de quantia, cabe indagar: além das matérias arroladas no art. 475-L do CPC, poderá aquela impugnação veicular as enumeradas no art. 32 da Lei n.º 9.307/96? Ou seja, a impugnação em referência faz as vezes dos embargos do devedor para os fins do art. 33, § 3º, da Lei de Arbitragem?


Parece-nos que a resposta deve ser afirmativa. Da adoção do entendimento exposto no item anterior – segundo o qual a Fazenda Pública pode se valer dos embargos para, em sede de execução por quantia certa, pleitear a anulação da sentença arbitral (e isso ainda que findo o prazo do § 1º do art. 33) – decorre, inevitavelmente, tal conclusão.


Seria anti-isonômico, absolutamente despropositado, reputar que, em razão das alterações recentemente introduzidas no ordenamento pela Lei n.º 11.232/05, o Poder Público teria se tornado o exclusivo detentor da faculdade de deduzir o pleito anulatório de sentenças arbitrais em sede de execução.


Com efeito, a impugnação disciplinada no art. 475-L do CPC exerce exatamente a mesma função dos embargos de que trata o art. 741 – o simples cotejo dos dispositivos permite tal ilação. Nessa esteira, haja vista a vontade do legislador especial, expressa nos claros termos do art. 33, § 3º, da Lei de Arbitragem, conclui-se: a anulação da sentença arbitral também pode ser pleiteada por meio da impugnação (isto é, na forma dos arts. 475-M e seguintes), na pendência ou não do prazo do § 1º do art. 33.


Semelhante conclusão há de prevalecer, ainda que com ressalvas e limitações, mesmo entre os autores que entendem que o prazo de noventa dias previsto naquele § 1° se aplica não apenas à ação anulatória, mas também aos embargos do devedor impugnativos de sentença arbitral.


2.3 O pleito de anulação em sede de execução de sentenças arbitrais condenatórias em obrigações de entrega de coisa e em obrigações de fazer ou não fazer


As sentenças arbitrais condenatórias em obrigações de entrega de coisa e em obrigações de fazer ou não fazer serão executadas nos moldes do Livro II (Capítulos II e III do Título II) do CPC – a menos que as partes tenham convencionado algo diverso. Isso vale tanto para as execuções contrárias à Fazenda Pública quanto para as contrárias a particulares.


Como se sabe, por meio de recentes reformas ao CPC (implementadas pelas Leis nos 8.952/94 e 10.444/02), estabeleceu-se que as sentenças judiciais condenatórias em processo civil que tenham por objeto obrigações daquela natureza não mais serão efetivadas segundo os procedimentos encampados no Livro II, mas por meio de medidas coercitivas e sub-rogatórias destinadas à consecução da “tutela específica” perseguida ou de “resultado prático equivalente” (na forma dos arts. 461 e 461-A).


Se a lei fosse interpretada literalmente (v.g., arts. 475-I e 644 do CPC), poder-se-ia – precipitada e equivocadamente, vale dizer – deduzir que também as sentenças arbitrais impositivas de dever de entrega de bem ou de fazer ou não fazer (por consistirem em títulos judiciais) jamais poderiam ser objeto de ação executiva autônoma. E que, por conseguinte, os embargos do devedor, enquanto medida de controle da regularidade da arbitragem, teriam cabimento apenas em relação aos julgados condenatórios em obrigação de pagar quantia contrários à Fazenda Pública, uma vez que consistiriam em incidente exclusivo do processo executivo judicial de que tratam os arts. 730 e 731.


Nada obstante, parece-nos mais adequado reputar que, relativamente aos provimentos arbitrais, o disposto nos arts. 461 e 461-A apenas deve ser observado se as partes pactuarem tal necessidade. Com efeito, a aplicabilidade daqueles preceitos limita-se aos casos em que se tenha estipulado especificamente a adoção do modelo (sistema) de tutela neles previsto.


Assim, na hipótese de a convenção de arbitragem nada dispor acerca do modo de efetivação das deliberações arbitrais, imperioso entender pela necessidade da instauração do processo executivo ex intervallo (nos moldes dos arts. 632 e seguintes do CPC) a fim de se concretizar o comando da sentença (“condenatória pura” 1). Nessa esteira, os embargos do devedor consistirão na via de defesa de que poderá se valer o executado inconformado, seja para suscitar as matérias do art. 741 (aplicável por analogia à situação ora imaginada), seja para levantar quaisquer das irregularidades do art. 32 da Lei n.º 9.307/96.


De outro lado, se as partes convencionarem o afastamento do regime executivo tradicional e, em seu lugar, optarem pela incidência do regramento do art. 461 ou art. 461-A, desenvolvendo-se processo com fulcro em um de tais dispositivos, a atuação concreta do provimento arbitral final dependerá de direta requisição, pelo juiz privado ao juiz togado, das competentes medidas coercitivas e sub-rogatórias, na forma do art. 22, § 4º, da Lei n.º 9.307/962.


Remarque-se que o eventual afastamento do modelo executivo do Livro II do CPC retira da parte sucumbente a oportunidade do ajuizamento dos embargos para os fins do § 3º do art. 33 da Lei de Arbitragem.


Finalmente, sobre o modus operandi da colaboração judicial destinada ao cumprimento de provimentos arbitrais (interlocutórios e finais) decorrentes de processos a que se aplique o art. 461 ou 461-A, remete-se o leitor, por economia, aos textos mencionados em nota de rodapé3.


3. O emprego responsável dos meios de controle judicial das sentenças arbitrais nacionais


Mais do que encerrar a relação jurídica processual e apresentar solução para a controvérsia, o provimento arbitral final vincula as partes ao seu cumprimento. Quando estas, no livre exercício da autonomia da vontade, optam por resolver contenda acerca de direito patrimonial disponível por intermédio da arbitragem, instituindo-a, ficam obrigadas a sujeitar-se à autoridade dos árbitros, cuja sentença tem – por expressa disposição legal – aptidão para produzir os mesmos efeitos dos julgados judiciais, podendo-se nela reconhecer a imutabilidade correspondente à coisa julgada material.


O intuito do legislador ao prever em numerus clausus (no art. 32) os casos – todos consistentes em errores in procedendo – em que tem cabimento o manejo dos mecanismos impugnativos do art. 33 da Lei n.º 9.307/96 foi, nesse passo, o de preservar as sentenças arbitrais de interferências que não as estritamente necessárias para garantir sua conformidade com os ditames do due process of law, propiciando, com isso, segurança jurídica aos contendentes.


Toda e qualquer interferência que o Poder Judiciário fizer antes do início, no curso ou após o encerramento do procedimento arbitral deve limitar-se a aspecto que não diga respeito à justiça (ao meritum) dos atos praticados pelos julgadores privados. Não fosse assim, a arbitragem seria instituto imprestável ao fim para o qual foi criada, qual seja, a célere prestação de tutela especializada e definitiva aos litigantes.


A Lei n.º 9.307/96 está centrada em uma pilastra muito importante: a autonomia da vontade com responsabilidade. Ao escolherem a jurisdição privada, os litigantes não podem – a menos que consensualmente – dela se afastar. Não devem, outrossim, por mera insatisfação com entendimento veiculado na sentença, recorrer ao Poder Judiciário com a pretensão de vê-lo reformado. Mesmo o controle da validade dos provimentos arbitrais tem limites que devem ser observados, sob pena de se prejudicar o desenvolvimento do instituto da arbitragem.


Impõe-se, portanto, que os estudiosos e operadores do direito conscientizem-se de que o controle estatal não consiste em via apta ao desfazimento de toda e qualquer decisão advinda dos processos arbitrais. Nos termos de Cândido Rangel DINAMARCO, deve-se repudiar “a facilidade na aceitação dos argumentos da parte que vem à Justiça impugnar uma sentença arbitral, sem a preocupação por um equilíbrio entre o estatal e o convencional e sem valorizar a vontade das partes como fonte da decisão que depois uma delas veio a criticar.” 4


A escolha pela arbitragem apenas será capaz de proporcionar bons (rectius, melhores) resultados em nosso ordenamento se houver trabalho efetivo e comprometimento não somente dos juízes privados – aos quais compete promover a boa execução das atividades que lhes forem confiadas pelas partes – como também dos juízes estatais – que, livres de paixão e orgulho, devem preocupar-se unicamente com que as sentenças arbitrais estejam em consonância com preceitos que o sistema legal estabelece como de observância cogente à manutenção da ordem jurídica.


Em suma, nos termos de Nilton César Antunes da COSTA, “deve existir relação harmoniosa e cooperativa entre a atividade jurisdicional estatal e a arbitral, sob pena de fazer com que o jurisdicionado perca um meio alternativo de resolução de conflitos bastante salutar e democrático, que prima pela participação do povo na administração da justiça.”5


__________________


1
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 301-306.


2
A esse respeito, vide: TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer – e sua extensão aos deveres de entrega de coisa (CPC, arts. 461 e 461-A; CDC, art. 84). 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 461.


3CARMONA, Carlos Alberto. Das boas relações entre os juízes e os árbitros. Revista de Processo, São Paulo, n. 87, p. 80-89, jul./set. 1997; CÂMARA, Alexandre Freitas. Das relações entre a arbitragem e o Poder Judiciário. Revista Brasileira de Arbitragem, Porto Alegre, n. 6, p. 18-28, abr./jun. 2005; TALAMINI, Tutela relativa..., p. 460.

4DINAMARCO, Cândido Rangel. Limites da sentença arbitral e de seu controle jurisdicional. In: GARCEZ, José Maria Rossani; MARTINS, Pedro Antonio Batista (Coord.). Reflexões sobre arbitragem: in memoriam do Desembargador Cláudio Vianna de Lima. São Paulo: LTr, 2002. p. 341.


5COSTA, Nilton César Antunes da. Poderes do Árbitro: de acordo com a Lei n.º 9.307/96. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 82.

_______________


*Advogado do escritório

Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Advogados Associados.


 









_______________


Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Coisa julgada, obiter dictum e boa-fé: Um diálogo indispensável

23/12/2024

Macunaíma, ministro do Brasil

23/12/2024

Inteligência artificial e direitos autorais: O que diz o PL 2.338/23 aprovado pelo Senado?

23/12/2024

(Não) incidência de PIS/Cofins sobre reembolso de despesas

23/12/2024

A ameaça da indisponibilidade retroativa

23/12/2024