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Em tempos de pandemia, o porquê da maior relevância do seguro garantia na Justiça do Trabalho

Superadas as controvérsias trabalhistas, abre-se caminho – com “tapete vermelho” – para a consolidação do seguro garantia nos processos trabalhistas, o que certamente poderá significar uma boa injeção econômica e de ânimo para as empresas.

7/7/2020

A lei 13.467/17, também conhecida como Reforma Trabalhista, trouxe mudanças significativas para o Direito do Trabalho, impingindo dinâmica em alguns dos seus institutos, antes tão engessados. Dentre essas alterações, os arts. 882 e 899, § 11º, ambos da CLT, passaram a autorizar o uso do seguro garantia judicial em substituição aos depósitos judicial e recursal, o que, muito embora já fosse amplamente aceito na esfera cível, encontrava forte resistência nos Tribunais do Trabalho.

A novidade foi muito bem recebida no meio empresarial, especialmente por evitar gastos elevados futuros para fins de interposição de recursos trabalhistas e, ainda, possibilitar – a priori - a liberação de valores significativos, o que certamente aumentaria o capital de giro de inúmeras atividades empresariais, além de movimentar o mercado de seguros, responsável pela emissão das apólices. Uma iniciativa louvável, portanto, em ambos os sentidos.

Entretanto, esta não era uma percepção comum a todos. Fortes críticas aos novos dispositivos legais foram feitas, centradas no fato de que a substituição de numerário por apólices (em moeda corrente, consideravelmente mais baratas do que os valores despendidos com os recursos e depósitos) possibilitaria o aumento expressivo da quantidade de recursos a serem interpostos. Ao optar pela emissão das apólices de seguro garantia judicial, as empresas não mais estariam obrigadas a desembolsar os altos valores dos depósitos recursais, que giram em torno de R$ 9.828,51, para a instância ordinária e R$ 19.657,02 para as instâncias especiais e extraordinária, em valores atuais, para além dos depósitos derivados de condenações objeto de embargos etc.

A resistência foi tamanha que, em 16.10.19, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) juntamente com o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e a Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho (CGJT), editaram o ato conjunto 1, dispondo regras sobre o uso do seguro garantia judicial e fiança bancária, no qual vedaram a substituição dos depósitos já existentes, de modo a restringir o seu uso apenas para os depósitos futuros. Veja-se o disposto nos arts. 7º, caput, e 8º:

Art. 7º O seguro garantia judicial para execução trabalhista somente será aceito se sua apresentação ocorrer antes do depósito ou da efetivação da constrição em dinheiro, decorrente de penhora, arresto ou outra medida judicial.

Art. 8º Após realizado o depósito recursal, não será admitido o uso de seguro garantia para sua substituição.

Essa diretiva, nada obstante os questionamentos, foi observada por diversos Tribunais Regionais do Trabalho[1], dando ensejo à apresentação de reclamação formal junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tombada como Procedimento de Controle Administrativo (PCA 0009820-09.2019.2.00.0000), pelo Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (Sinditelebrasil), no qual foi requerida a anulação dos citados artigos 7º e 8º do ato conjunto TST/CSJT/CGJT 1/2019.

Em juízo de cognição sumária, foi deferida liminar, em 03.02.20, para suspender o efeito dos referidos artigos, de modo a permitir a utilização do seguro garantia judicial e da fiança bancária em substituição ao depósito recursal e para a garantia da execução trabalhista. O fundamento adotado foi a violação do Princípio da Legalidade, haja vista que o normativo infralegal afrontava os arts. 882 e 889, §11º da CLT que, justamente ao contrário, viabilizavam a ampla utilização do seguro garantia. Além deste fundamento, a decisão também referiu à violação da independência funcional do magistrado em conduzir o processo e poder determinar a substituição ou não da garantia ofertada.

A referida decisão acrescentou, ainda e com muita propriedade, a necessidade de observância dos seus efeitos econômicos, especialmente em tempos de pandemia. Destaca-se do julgado trecho importante e esclarecedor sobre o tema:

“Ademais, a liberação das quantias ora imobilizadas em depósitos recursais e penhoras implicaria o influxo de recursos que as empresas poderiam aplicar nas suas atividades, gerando investimento, contratação de funcionários e aumento de produtividade. De outro lado, também se fomentaria o setor securitário, aquecendo-se esse segmento da economia, ante a maior demanda das empresas pelo seguro garantia judicial. Enfim, tudo isso contribuiria para geração de riquezas na quadra atual, em que o país tenta se recuperar de grave crise econômica vivenciada nos últimos anos”.

Após o deferimento da liminar, o próprio TST, em decisão proferida em 17.02.20 pelo ministro Alexandre Agra Belmonte, no processo AIRR 214-53.2014.5.06.0019, autorizou a substituição do depósito recursal por seguro garantia judicial, gerando importante precedente sobre a matéria.

Não demorou para o CNJ, em 27.03.20, julgar o mérito do processo acima citado (PCA 0009820-09.2019.2.00.0000), prevalecendo o voto divergente do conselheiro Mário Guerreiro, relator da decisão liminar, que a reiterou em todos os termos já aduzidos, ressaltando a relevância da análise econômica nas decisões judiciais, e trazendo números importantes para balizar tal decisão:

“Conforme ressaltado em reportagens que noticiaram a liminar concedida, as consequências daquela decisão têm o potencial de “devolver R$ 30 bilhões a empresas”, ao permitir que depósitos que estão na Justiça do Trabalho possam ser movimentados. Além disso, aumenta a chance de “o empregador não mais precisar retirar de seu caixa o valor correspondente ao depósito recursal. A depender do recurso, os valores atuais são de R$ 9.828.51 e R$ 19.657,02, respectivamente”.

"As disposições dos arts. 7º e 8º do ato conjunto cerceiam, ainda, a possibilidade de as empresas de telefonia, representadas pelo sindicato requerente, prepararem-se financeiramente para o leilão do 5G, a ocorrer ainda neste ano, ao gerarem a retenção de dinheiro em espécie como forma de garantia da execução ou do recurso quando outra modalidade poderia ser aceita (seguro garantia judicial)”.

Como reflexo direto da decisão acima, o TST, na última sexta-feira, 29.05.20, publicou o ato conjunto TST.CSJT.CGJT 1, no qual determinou a republicação do já citado ato conjunto TST.CSJT.CGJT 1, de 16.10.19, desta feita com a alteração dos arts. 7º, 8º e 12º, de modo a autorizar, expressamente, a substituição dos depósitos judicial e recursal pela apresentação do seguro garantia judicial, “devendo o magistrado deferir prazo razoável para a devida adequação”.

Superadas as controvérsias trabalhistas, abre-se caminho – com “tapete vermelho” – para a consolidação do seguro garantia nos processos trabalhistas, o que certamente poderá significar uma boa injeção econômica e de ânimo para as empresas, atualmente debilitadas pela forte crise gerada pela pandemia.

Do ponto de vista do mercado de seguros, a notícia é alvissareira, representando uma relevantíssima esfera de atuação que, até aqui, caracterizava-se por grande insegurança quanto à sua utilização. Espera-se que, harmoniosamente, as demais instâncias da Justiça do Trabalho observem o novel entendimento e, assim, viabilizem a sua ampla funcionalidade.

_________

1 “MANDADO DE SEGURANÇA. INDEFERIMENTO DA SUBSTITUIÇÃO DOS DEPÓSITOS RECURSAIS POR SEGURO GARANTIA. Não se caracteriza como ilegal ou abusiva a decisão da Vice-Presidência do Tribunal pela rejeição do requerimento feito pela impetrante quanto à substituição dos depósitos recursais realizados na demanda subjacente por seguro garantia. Os depósitos recursais, cuja substituição é almejada, foram efetuados antes da alteração legislativa implementada pela lei 13.467/17, que incluiu, no artigo 899 da CLT, o seu atual parágrafo 11. Adoção, no aspecto, do artigo 20 da Instrução Normativa nº 41 [" Art. 20. As disposições contidas nos §§ 4º, 9º, 10 e 11 do artigo 899 da CLT, com a redação dada pela lei 13.467/17, serão observadas para os recursos interpostos contra as decisões proferidas a partir de 11 de novembro de 2017 "]. Segurança denegada.” (TRT4, órgão Especial, Acórdão - Processo 0021873-93.2018.5.04.0000 (MSCIV), Relator Desemb. ALEXANDRE CORREA DA CRUZ, j. 12.11.19).

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*Priscila Fichtner é advogada e parecerista. Doutora em Direito Civil. Mestre em Direito do Trabalho. Sócia de Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados. Responsável pelo consultivo e contencioso estratégico trabalhistas.



*Ilan Goldberg é advogado e parecerista. Doutor em Direito Civil. Mestre em Regulação e Concorrência. Pós-graduado em Direito Empresarial LLM. Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito Civil Contemporâneo – RDCC. Sócio de Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados.

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