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Liberdade de expressão e de manifestação\reunião versus abuso de direito

As fake news e os insultos contra o Congresso e o Supremo, por ferirem, inclusive, a independência e autonomia do Judiciário e o Estado de Direito, devem sujeitar aqueles que lhes propalam à responsabilização civil e criminal.

3/7/2020

Tem sido recorrente, nas mídias escrita e falada, a posição das hostes Bolsonaristas segundo a qual o STF estaria atentando contra as liberdades de expressão e de reunião, e o regime democrático, quando, no bojo do Inquérito 4781, Relator Ministro Moraes, determinou, e está a determinar, investigações tendentes a apurar supostos crimes praticados por pessoas e grupos contra a honorabilidade e segurança dele STF e de seus ministros. O inquérito colima também desbaratar a circulação das Fake News e eventuais financiamentos de tais atos.

Dita posição, ao nosso ver, está absolutamente equivocada.

Com efeito, como nenhum direito é absoluto, calha a conclusão de que as liberdades de expressão e de reunião (artigos 5º, IV, IX e XVI, e 220 , todos da CF), para serem exercidas, precisam sê-lo com razoabilidade e comedimento, sob pena de desembocarem em  abuso de direito (art. 187, do nosso Código Civil).

Efetivamente, com os olhos voltados para a dicção e inteligência do art. 187, do Código Civil Brasileiro, podemos afirmar, sem medo de errar, que aquele que, no exercício de um direito, “excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico e social, pela boa fé ou pelos bons costumes” comete ato ilícito (abuso de direito), cuja responsabilidade civil e penal emerge inconteste.

De seu turno, o artigo 13, 2, da Convenção Americana de Direitos Humanos, impõe restrições ao  exercício da liberdade, ao pontuar a necessidade, no exercício de um direito, de se assegurar: “a) o respeito aos direitos de reputação das demais pessoa ou b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral pública”

Na nossa CF também se extrai a conclusão de que os direitos, inclusive e principalmente os de liberdades públicas, tais como as liberdades de expressão e reunião, devem ser exercidos com foco no princípio da razoabilidade\proporcionalidade.

A liberdade de expressão foi consagrada no STF, dentre outros julgados, na ADPF 130, Relator Ministro Carlos Britto.

Diante de todo esse contexto, se pode asseverar que a censura prévia é totalmente vedada, sendo certo dizer que, por outro lado, é assegurada a responsabilidade civil e penal daquele que abusa do seu direito de liberdade de expressão e reunião, à luz do princípio  da razoabilidade.

A nossa Carta Política, em observância ao princípio da concordância prática, já estabelece algumas restrições à liberdade, tal como a prevista na CF, art. 5º/ V e IX.

No caso em tela, diante do que vem de ser exposto, é licito afirmar que as fake news e os insultos contra o Congresso e o Supremo, por ferirem, inclusive, a independência e autonomia do Judiciário e o Estado de Direito, devem sujeitar aqueles que lhes propalam à responsabilização civil e criminal. De fato, tais pessoas, a par de atentarem com o estado de direito, a democracia e República, excederam, e podem ainda exceder, os limites impostos pelo artigo 187 do CCB, na sua parte final.

Efetivamente, as suas vítimas , pessoas e instituições da República, podem responsabilizar os  agentes protagonistas das fake news e insultos, enquadrando-os em diversos tipos penais, tais como crimes contra a honra, ameaça, dano ao patrimônio público, dano moral e material, organização criminosa etc., bem assim submetê-los, eles agressores, às rudezas do Código penal e a Lei de Segurança Nacional.

Não é demasiado relembrar que o referido inquérito foi julgado válido pela esmagadora maioria do Plenário do STF.

De outra parte, importa assinalar que as decisões do Judiciário, notadamente as do STF, não se discutem, mas sim devem ser cumpridas. Pode-se até criticá-las e delas recorrer; o que não pode, nas democracias, é desobedecê-las (art. 85, VII, da CF).

Cabe agora uma digressão final. Devemos, como cidadãos, tentar aprimorar as leis e normas eleitorais, melhorar a qualidade do voto, discutir a forma de investidura dos Ministros do STF, lutar para que sejam suprimidos muitos privilégios e benesses dos agentes públicos etc., mas nunca pedir a extinção e fechamento de instituições democráticas como o Congresso e o STF. Num regime democrático como o nosso, de que poderíamos cogitar para colocar no lugar deles, se fossem extintos. Absolutamente nada.

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*Gustavo Hasselmann é procurador do município de Salvador – Bahia. Graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia – UFBA. Especialista em Processo Civil e Direito Administrativo. Membro do Instituto dos Advogados da Bahia – IAB.

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