Em 2010, seguindo princípios emanados por várias Convenções Internacionais às quais o Brasil aderiu e promulgou, assim como buscando dar efetividade às normas constitucionais, notadamente no que tange à proteção especial que as famílias devem ter, foi inserido em nosso ordenamento jurídico a guarda compartilha, passando esta, em 2014, a ser a regra legal vigente1.
A guarda compartilhada, como será revelado mais adiante, é instrumento indispensável para que pais e mães tenham igualmente valor na vida de seus filhos, uma vez que, corretamente aplicada, viabiliza a repartição, entre os genitores das responsabilidades parentais, assegurando a igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres, no que toca ao exercício do poder familiar.
O compartilhamento da guarda, das responsabilidades parentais, tem sua importância ressaltada, em especial, na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, promulgada pelo decreto 4.377/02, que traz, a par de outros, os seguintes mandamentos:
"Artigo 5° - Os Estados-Partes tornarão todas as medidas apropriadas para:
a) Modificar os padrões sócio-culturais de conduta de homens e mulheres, com vistas a alcançar a eliminação dos preconceitos e práticas consuetudinárias e de qualquer outra índole que estejam baseados na ideia da inferioridade ou superioridade de qualquer dos sexos ou em funções estereotipadas de homens e mulheres.
b) Garantir que a educação familiar inclua uma compreensão adequada da maternidade como função social e o reconhecimento da responsabilidade comum de homens e mulheres no que diz respeito à educação e ao desenvolvimento de seus filhos, entendendo-se que o interesse dos filhos constituirá a consideração primordial em todos os casos."
"Artigo 11 (...)
2. A fim de impedir a discriminação contra a mulher por razões de casamento ou maternidade e assegurar a efetividade de seu direito a trabalhar, os Estados-Partes tomarão as medidas adequadas para:
(...)
c) Estimular o fornecimento de serviços sociais de apoio necessários para permitir que os pais combinem as obrigações para com a família com as responsabilidades do trabalho e a participação na vida pública, especialmente mediante fomento da criação e desenvolvimento de uma rede de serviços destinados ao cuidado das crianças;"
"Artigo 16 - 1. Os Estados-Partes adotarão todas as medidas adequadas para eliminar a discriminação contra a mulher em todos os assuntos relativos ao casamento e às ralações familiares e, em particular, com base na igualdade entre homens e mulheres, assegurarão:
(...)
d) Os mesmos direitos e responsabilidades como pais, qualquer que seja seu estado civil, em matérias pertinentes aos filhos. Em todos os casos, os interesses dos filhos serão a consideração primordial;
(...)
f) Os mesmos direitos e responsabilidades com respeito à tutela, curatela, guarda e adoção dos filhos, ou institutos análogos, quando esses conceitos existirem na legislação nacional. Em todos os casos os interesses dos filhos serão a consideração primordial;
(...)."
É certo que a busca da igualdade das responsabilidades parentais deverá sempre ter como norte o interesse maior da criança e do adolescente, conforme determina o art. 227, da Constituição, devendo estes serem orientados a respeitar todos os seus genitores, tal qual prevê a Convenção sobre os Direitos da Criança, promulgada pelo decreto 99.710/90, em especial os princípios expostos em seus artigo 18 e 29:
"Artigo 18 - 1. Os Estados Partes envidarão os seus melhores esforços a fim de assegurar o reconhecimento do princípio de que ambos os pais têm obrigações comuns com relação à educação e ao desenvolvimento da criança. Caberá aos pais ou, quando for o caso, aos representantes legais, a responsabilidade primordial pela educação e pelo desenvolvimento da criança. Sua preocupação fundamental visará ao interesse maior da criança."
"Artigo 29 - 1. Os Estados Partes reconhecem que a educação da criança deverá estar orientada no sentido de: (...) c) imbuir na criança o respeito aos seus pais, à sua própria identidade cultural, ao seu idioma e seus valores, aos valores nacionais do país em que reside, aos do eventual país de origem, e aos das civilizações diferentes da sua;"
Na mesma linha, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, promulgada pelo decreto 678/92, também ressaltada, em seu artigo 17, a importância de assegurar a igualdade de direitos e deveres entre os pais, no exercício do poder familiar, como forma de proteção das famílias.
Artigo 17. Proteção da família
(...)
4. Os Estados Partes devem tomar medidas apropriadas no sentido de assegurar a igualdade de direitos e a adequada equivalência de responsabilidades dos cônjuges quanto ao casamento, durante o casamento e em caso de dissolução do mesmo. Em caso de dissolução, serão adotadas disposições que assegurem a proteção necessária aos filhos, com base unicamente no interesse e conveniência dos mesmos."
Pelo exposto até aqui, nota-se que o compartilhamento da guarda, com a assunção das responsabilidades parentais, de forma equilibrada e conjunta, por pais e mães, possibilita a desmistificação de arcaicos preconceitos e práticas costumeiras que outorgam às mães o papel estereotipado de cuidadoras e aos pais o de provedores. Revela-se, portanto, medida indispensável para impedir a discriminação contra as mulheres por razões da maternidade, assegurando a estas a efetividade de seu direito a estudar, trabalhar e empreender. Sendo certo que falaciosa é a ideia de que maternidade e trabalho são mutuamente excludentes, principalmente no contexto de transformação familiar que estamos vivendo e vivenciando.
Noutro giro, para se garantir que o compartilhamento da guarda atinja da forma mais eficiente possível sua função de viabilizar a igualdade de direitos entre pais e mães no exercício do poder familiar, das responsabilidades parentais, é fundamental que a convivência dos genitores com os rebentos se dê da forma mais equilibrada possível, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos, a dualidade deve ser afastada em prol da divisão igualitária na criação da prole, não devendo existir qualquer redução, quiçá supressão, do papel dos pais.
Como não poderia ser diferente, além de oferecer mais um instrumento, a guarda compartilhada, para permitir que as mulheres atinjam, em toda plenitude, as suas potencialidades, cuidou o legislador de criar mecanismos que podem ser utilizados para neutralizar eventuais comportamentos, conscientes ou inconscientes, que possam atrapalhar a concretização dos objetivos almejados com o compartilhamento da guarda. Entre tais ferramentas legais, exemplificativamente, podemos mencionar, além das disposições constantes na Lei de Alienação Parental (lei federal 12.318/10), as norma contidas nos seguintes dispositivos: artigo 1.584, §4° e 1.637, ambos do Código Civil; artigo 129, caput e incisos, da lei 8.069/90.
Assim, livre de dúvidas se mostra a importância da guarda compartilhada para o tratamento igualitário entre pais e mães, contribuindo para que as mulheres possam atingir a plenitude de todos os seus potenciais, desmistificando arcaicos preconceitos e práticas consuetudinárias estereotipadas, visando a igualdade de direitos entre homens e mulheres, com a vantagem de ainda assegurar que os filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de duplo referencial2, ou seja, a guarda compartilha é tudo de bom!
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1 Código civil, art. 1.584, §2°.
2 STJ, REsp 1251000/MG.
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*Bruna Vidal é advogada especialista em direito processual civil e direito da família e sucessões, coordenadora geral do OAPAR - Observatório da Alienação Parental.
*Fernando Salzer e Silva é advogado familiarista, procurador do Estado de Minas Gerais, especialista em direito público e membro do IBDFAM.