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Os deveres dos administradores na pandemia

Apesar dessa discussão ser imprescindível, pouco se tem discutido sobre a aplicação dos deveres fiduciários dos administradores das sociedades anônimas na gestão das empresas em um cenário de absoluta imprevisibilidade e crise econômica.

26/6/2020

A crise decorrente da pandemia tem ensejado diversas discussões jurídicas no Brasil e no exterior, travadas nos planos acadêmico, judicial e legislativo. No âmbito comercial, a discussão que mais tem chamado a atenção no Brasil refere-se à capacidade do regime recuperacional e falimentar de adequadamente resolver os problemas das empresas em crise. A conclusão de que o Poder Judiciário e a Lei de Recuperação Judicial e Falências não estão preparados para isso motivou a apresentação de diversos projetos de lei com medidas emergenciais a serem adotadas.

Apesar dessa discussão ser imprescindível, pouco se tem discutido sobre a aplicação dos deveres fiduciários dos administradores das sociedades anônimas na gestão das empresas em um cenário de absoluta imprevisibilidade e crise econômica. De fato, há um receio de que as medidas tomadas (ou não tomadas) pelos administradores durante esse período ensejem ações visando o ressarcimento de eventuais danos causados.

Os deveres fiduciários de diligência, persecução do interesse social e lealdade, previstos nos arts. 153, 154 e 155 da Lei das S.A., funcionam como norteador legal da atuação dos administradores. Esses deveres refletem padrões de conduta que devem ser obedecidos pelos administradores de acordo com as particularidades de cada contexto. O art. 153 determina que os administradores devem agir diligentemente, empregando o cuidado de um homem ativo e probo; o art. 154 prevê que o administrador deve exercer suas atribuições no interesse da companhia e o art. 155 dispõe que a administração deve servir com lealdade à companhia. Da amplitude legal atribuída aos deveres fiduciários, fica a certeza de que o que pode ser diligência ou lealdade em um determinado contexto, pode não ser em outro. Em um cenário de crise inédito e peculiar, cabe a pergunta: como os administradores devem agir para compatibilizar sua atuação aos seus deveres fiduciários?

Na perspectiva da administração de companhias devedoras, o cumprimento dos deveres fiduciários envolverá a tentativa de gerar alívio financeiro e mitigar as perdas financeiras, mediante a renegociação de dívidas, venda de ativos ou a obtenção de financiamentos bancários ou acesso a linhas de crédito especiais. Ainda assim, caso a manutenção da empresa nos moldes pré-crise seja inviável (mesmo em vista dos benefícios que serão conferidos extraordinariamente), os deveres fiduciários dos administradores lhes impõem a necessidade de discutir com os acionistas a necessidade e conveniência de propositura de pedido de recuperação judicial ou até mesmo a autofalência.

Todas essas decisões têm natureza negocial e, como tais, devem ser analisadas sob o prisma da business jugdment rule, regra desenvolvida pelos tribunais norte-americanos e que hoje é aceita no Brasil, especialmente nos âmbitos administrativo e arbitral. Essa regra estabelece que decisões negociais dos administradores não poderão ser revistas judicialmente ou ensejar a responsabilização daqueles que as adotaram se as decisões forem tomadas de boa-fé e de maneira informada, refletida e desinteressada.

Com relação à administração de sociedades que detém créditos, ela se encontra em uma situação peculiar na medida em que será praticamente impossível que os devedores consigam honrar suas dívidas nos moldes originalmente contratados, forçando as administrações de companhias a renegociar seus créditos para preservá-los. Tal decisão também tem natureza negocial e precisará ser analisada em vista da business judgment rule mencionada acima. Além do mais, demonstrado que o interesse social foi observado, a renegociação de créditos não deve ser considerada um ato de liberalidade - o que é vedado pelo artigo 154, § 2º da Lei das S.A. A esse respeito, a CVM já se manifestou reconhecendo que há situações em que a concessão de descontos ou a renúncia a direitos pode não caracterizar ato de liberalidade, desde que tais operações ocorram de forma justificada e no interesse social.

Assim é que os deveres fiduciários dos administradores continuam aplicáveis à sua atuação nesse período de crise. Sua aplicação, contudo, deve ser temperada tendo em vista a conjuntura peculiar que é enfrentada. No contexto atualmente vivenciado pelas companhias, seus administradores muitas vezes terão que tomar decisões rápidas, potencialmente com menos informações e menos embasamento de assessores especializados, se quiserem manter seus negócios vivos.

Novos tempos impõem aos administradores o dever de atuarem em uma situação inédita. A amplitude dos deveres fiduciários e o guarda-chuva da business jugdment rule lhes dá a autonomia para agir da forma que entenderem adequada ao interesse social da companhia, sem o risco de responsabilização pessoal ou revisão judicial dos atos praticados. Não é possível afirmar, contudo, que os administradores têm carta branca para tomar decisões estapafúrdias, mas a crise atual deve ser levada em conta para avaliação da conduta dos administradores.

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*Breno Casiuch é mestre em Direito pela Harvard Law School e advogado do escritório Chediak, Lopes da Costa, Cristofaro, Simões Advogados.

*Sofia Grünewald é associada do escritório Chediak, Lopes da Costa, Cristofaro, Simões Advogados.

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