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Fazenda Nacional desiste da cobrança de honorários advocatícios nos casos de débitos pagos em parcelamentos

Diante da alteração de posicionamento do STJ e da alteração da própria legislação sobre o tema, os contribuintes devem ficar atentos para que nos casos incluídos em parcelamento não seja aplicado o superado posicionamento firmado no REsp 1.353.826/SP

23/6/2020

Em 04.05.20, a Fazenda Nacional apresentou pedido de desistência nos autos do EREsp 1.027.606/SP, recurso no qual os representantes fazendários buscavam a reforma de decisão que dispensou o pagamento de honorários advocatícios nas ações judiciais em que os contribuintes desistem do processo e renunciam ao seu direito para fins de adesão aos parcelamentos previstos na lei 11.941/09 (REFIS, PAES, PAEX ou parcelamento ordinários).

O pedido de desistência em questão, que já foi homologado pelo ministro relator Napoleão Nunes Maia Filho em decisão de 18.05.20, numa análise inicial, é muito benéfico aos contribuintes – ainda mais se considerado o contexto da crise decorrente da pandemia do coronavírus –, já que a Fazenda Nacional em seu pedido de desistência reconhece a aplicabilidade do artigo 5º, §3º, da lei 13.496/17, Lei do Programa Especial de Regularização Tributária (PERT), que exime o autor da ação do pagamento de honorários advocatícios nos casos de desistência para fins de adesão ao programa.

Contudo, é necessário ficar atento a um efeito colateral tácito decorrente desse pedido de desistência que pode trazer grandes prejuízos aos contribuintes. Isso porque, no EREsp 1.027.606/SP, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) iria revisar a decisão anterior proferida pela própria Corte Superior, em 17.10.13, em outro recurso, o REsp 1.353.826/SP, no qual, em julgamento proferido em sede de recurso repetitivo, foi reconhecido que a dispensa do pagamento de honorários ocorreria em situação específica, nos casos em que a adesão ao parcelamento tem como objetivo “o restabelecimento de sua opção ou a sua reinclusão em outros parcelamentos”.

Ou seja, diante da alteração legislativa em 2017, trazida pela lei 13.496/17, esperava-se que o STJ apresentasse uma proposição de reforma do julgamento repetitivo do REsp 1.353.826/SP, reconhecendo que o entendimento firmado no julgamento desse recurso havia sido superado ante a alteração legislativa. Tanto é assim que a Corte Especial do STJ, em 20.02.19, em sessão de julgamento do EREsp 1.027.606/SP, reconheceu a necessidade da revisão do entendimento anterior, firmado em sede de recurso repetitivo no ano de 2013, diante das novas disposições trazidas pela Lei do PERT e determinou a remessa do processo para a Primeira Seção do Tribunal para que a questão fosse reavaliada.

Frise-se, inclusive, que o entendimento mais recente do o STJ, em contrariedade ao julgado do REsp 1.353.826/SP, passou a reconhecer a impossibilidade da condenação em honorários advocatícios nos casos de desistência para adesão a programas de parcelamento em diversas oportunidades mesmo após o julgamento do REsp 1.353.826/SP:

“TRIBUTÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. FIXAÇÃO EM EXECUÇÃO FISCAL. EXCLUSÃO DO MONTANTE OBJETO DE PARCELAMENTO. ATENDIMENTO DA FINALIDADE BUSCADA PELO LEGISLADOR.

I - Na origem trata-se de ação anulatória com repetição de indébito relativo a inclusão de honorários previdenciários no montante consolidado de parcelamento relativamente a débito previdenciário.

II - A Primeira Seção deste Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 1.143.320/RS, processado sob o rito do art. 543-C do CPC, consolidou o entendimento de ser descabida a condenação em honorários de sucumbência em sede de embargos à execução do contribuinte que adere ao parcelamento fiscal. Ademais, reiterou o entendimento fixado na Súmula 168 do extinto TFR que dispõe que o encargo de 20%, do Decreto-Lei 1.025, de 1969, é sempre devido nas execuções fiscais da União e substitui, nos embargos, a condenação do devedor em honorários advocatícios.

III - É firme o posicionamento de ambas as Turmas componentes da Primeira Seção no sentido de que: "A interpretação teleológica e sistemática da legislação em comento, sobretudo da Lei 11.941/2009, impõe a conclusão no sentido de que a não inclusão dos chamados honorários previdenciários no valor consolidado nas hipóteses em que a lei exclui o encargo legal atende à finalidade buscada pelo legislador da lei referida, incentivar a adesão ao programa de parcelamento fiscal" (AgInt no REsp 1.465.750/SC, rel. min. Francisco Falcão, 2ª Turma, julgado em 07.12.17)

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. ATENDIMENTO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA REFERENTE A HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. ADESÃO A PROGRAMA DE PARCELAMENTO FISCAL. DECISÃO CONSOANTE ORIENTAÇÃO FIRMADA EM RECURSO JULGADO SOB O RITO DO ART. 543-C DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BIS IN IDEM. LEI N. 13.043/2014. APLICAÇÃO AOS PROCESSOS EM CURSO. ART. 462 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA.

I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015.

II - Execução de sentença referente a honorários advocatícios em embargos à execução fiscal, tendo o contribuinte aderido a programa de parcelamento.

III - Presentes os pressupostos de admissibilidade do Recurso Especial, mantém-se a decisão que: a) seguiu orientação firmada em precedente julgado sob o rito do art. 543-C do Código de Processo Civil - REsp 1.143.320/RS -, segundo a qual a condenação em honorários advocatícios, do contribuinte que formula pedido de desistência dos embargos à execução fiscal de créditos tributários da Fazenda Nacional, para efeito de adesão a programa de parcelamento fiscal, configura inadmissível bis in idem, tendo em vista o encargo prescrito no Decreto-lei n. 1.025/69, que já abrange a verba honorária;

b) adotou entendimento no sentido de que a Lei n.13.043/2014 é aplicável aos processos em curso por força do disposto no art. 462 do Código de Processo Civil.

IV - A Agravante não apresenta, no recurso, argumentos suficientes para desconstituir a decisão agravada quanto ao mérito.

V - Redução da verba honorária de 5% (cinco por cento) para 1% (um por cento) do valor da execução, porquanto excessivo o montante fixado monocraticamente, considerando a simplicidade da causa.

VI - Agravo Interno provido em parte.” (AgInt no REsp 1.441.665/SC, rel. min. Regina Helena Costa, 1ª Turma, julgado em 07.03.17)

“TRIBUTÁRIO. PROCESSO CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. DESISTÊNCIA DA AÇÃO JUDICIAL PARA FINS DE ADESÃO A PROGRAMA DE PARCELAMENTO FISCAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS (ARTIGO 26, DO CPC). DESCABIMENTO. VERBA HONORÁRIA COMPREENDIDA NO ENCARGO DE 20% PREVISTO NO DECRETO-LEI 1.025/69. VIOLAÇÃO DA COISA JULGADA. NÃO OCORRÊNCIA. REVISÃO DO ENTENDIMENTO DA CORTE DE ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A Primeira Seção deste Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 1.143.320/RS, processado sob o rito do art. 543-C do CPC, consolidou o entendimento de ser descabida a condenação em honorários de sucumbência em sede de embargos à execução do contribuinte que adere ao parcelamento fiscal. (...) 2. Diante disso, não configura violação da coisa julgada o fato de as instâncias ordinárias considerarem que a verba honorária dos embargos à execução está inserida no parcelamento fiscal. Pelo contrário, essa solução se mostra em harmonia com a lei e a jurisprudência desta Corte Superior. (...) 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AgRg no REsp 1.102.720/DF, rel. min. Sérgio Kukina, 1ª Turma, julgado em 15.06.16).

“(...) Trata-se de embargos de declaração opostos por DE MEO COMERCIAL IMPORTADORA LTDA. em face de decisão de minha relatoria (fl. 729e), que homologou o pedido e julgou extinto o processo com resolução do mérito, com base no art. 269, V, do Código de Processo Civil e fixou a verba honorária em R$ 2.000,00 (dois mil reais). Sustenta a parte embargante (fls. 732/738e), em síntese, que "é imperioso concluir pela existência de CONTRADIÇÃO no v. Acórdão embargado, motivo pelo qual o referido decisum deve ser reformado para que se reconheça a inclusão da verba honorária no Programa Especial de Parcelamento, retirando-se a fixação de honorários anteriormente posta por esta C.Turma" (fl. 736e). (...)

No caso dos autos, a parte embargante aderiu ao programa de parcelamento fiscal instituído pelo Estado de São Paulo e, para tanto, ingressou com o pedido de desistência e renúncia sobre o direito ao qual se funda a ação.

Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que, em regra, os honorários sucumbenciais são devidos quando o contribuinte desiste da ação, ainda que por conta de parcelamento realizado nos termos de legislação local, tendo em vista o disposto no art. 26, caput, do CPC. Entretanto, o termo de aceite do parcelamento de fl. 693 e assim descreve:

1.1. Conforme estabelecido no Decreto nº 58.811, de 27 de dezembro de 2012, o valor do débito parcelado foi atualizado e consolidado. Sobre os valores de cada parcela incide o acréscimo financeiro pertinente, de acordo com o art. 10, inc.11 e alienas, do Decreto nº 58.811, de 27 de dezembro de 2012. Se estiver em curso a execução fiscal correspondente, incidem ainda os honorários advocatícios, à razão de 5% (cinco por cento).

Dessa forma, constata-se que no momento do parcelamento restou exigido também o pagamento de custas e honorários. Assim, na forma como foi estabelecido no parcelamento, os honorários referem-se ao crédito tributário, seja ele objeto de discussão na execução, nos embargos ou, ainda, em qualquer outra ação. Entender de modo diverso significaria dupla incidência de honorários advocatícios sobre o mesmo crédito tributário, visto que os honorários foram incluídos no acordo entabulado entre contribuinte e Fazenda Pública. Ante o exposto, acolho os embargos de declaração para, atribuindo-lhes efeitos infringentes, afastar a condenação do embargante em honorários advocatícios” (EDcl na DESIS no AREsp 174.077/SP, rel. min. Arnaldo Esteves Lima, j. 13.06.14)

De toda forma, ainda que a própria Fazenda Nacional tenha desistido do EREsp 1.027.606/SP por reconhecer a alteração legislativa e que a jurisprudência mais recente do STJ reconheça a impossibilidade de condenação ao pagamento de honorários advocatícios nas ações em que os contribuintes realizam o pagamento dos débitos em programas de parcelamento, não foi revogada expressamente a decisão do REsp 1.353.826/SP. Como tal julgamento foi proferido em sede de recurso repetitivo, em tese, o entendimento ali proferido deveria ser aplicado em todas as instâncias judiciais, nos termos dos artigos 543-C e 927 do Código de Processo Civil.

Entretanto, diante da alteração de posicionamento do STJ e da alteração da própria legislação sobre o tema, os contribuintes devem ficar atentos para que nos casos incluídos em parcelamento não seja aplicado o superado posicionamento firmado no REsp 1.353.826/SP. Caso seja aplicado tal precedente, com a determinação do pagamento de honorários advocatícios em casos cujos débitos foram incluídos em parcelamentos fiscais, é necessário constatar que existem fortes argumentos para reverter essa condenação como exposto acima.

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*Andréa Mascitto é sócia da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados.





*Pedro Colarossi Jacob é advogado sênior da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados.







*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico. 

 

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