A contratação de serviços jurídicos pela Administração Pública e o Princípio da Legalidade à luz da Constituição Federal de 1988
Washington Pereira da Silva*
Desde que a atual Constituição Federal estabeleceu no inciso LXXIV de seu artigo 5º, o dever do Estado prestar assistência jurídica àqueles desprovidos de recursos financeiros para custear as despesas judiciais que uma demanda judicial requer, ao que parece, o Estado Brasileiro está longe de cumprir esse mandamento constitucional.
Uma lide judicial envolvendo pessoas carentes financeiramente, requer que o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, ilumine da forma mais ampla possível as partes mais fracas do processo. Os demais princípios constitucionais, como o do devido processo legal, contraditório, bem como o da ampla defesa, são inacessíveis àqueles que não tem acesso a uma prestação jurisdicional eficiente e que cumpra com o escopo social de sua existência.
Assim sendo, cumpre ao Estado aprimorar seus mecanismos jurisdicionais na busca da pacificação social com justiça, através da melhor solução dos conflitos ocorridos na sociedade por ele tutelada. Nessa busca de pacificação social através da solução de conflitos, de assistência jurídica àqueles desprovidos financeiramente, o Estado dispõem de Defensorias Públicas destinadas a essa finalidade e, uma vez que, a existência das Defensorias Públicas está positivada constitucionalmente, através dos princípios supra citados, e, através das normas infra-constitucionais que, abaixo serão aduzidas, nada mais óbvio que o Estado estruture suas Defensorias Públicas, com o objetivo de cumprir os preceitos constitucionais à respeito da matéria.
Porém, lamentavelmente, parece que o Estado caminha no sentido contrário aos princípios constitucionais já estabelecidos e, o que vemos é o paulatino enfraquecimento das Defensorias Públicas em nosso país, e, com raríssimas exceções, as Defensorias não prestam a suficiente assessoria jurídica àqueles que batem as suas portas pedindo socorro, de modo à proporcionar ao cidadão carente, todos os mecanismos disponíveis num processo instrumentalizado, no sentido de satisfazer suas pretensões junto ao Poder Judiciário.
O tema é por demais amplo, porém necessita ser delimitado, em face das limitações que um artigo acadêmico requer. Desse modo, pretendo demonstrar, que, uma das soluções que o Estado tem adotado para amenizar o problema, ao que parece, afronta a Lei Maior.
Atualmente, o Estado vem adotando a terceirização de serviços jurídicos, através da contratação de particulares para a prestação desses serviços, como forma de proporcionar às Defensorias Públicas, o número, senão suficiente, ao menos viável, de operadores do Direito que exerçam funções jurídicas nesse órgão do Poder Executivo.
O instituto da Terceirização encontra amparo legal, inicialmente no Decreto-lei nº 200/1967, que estabeleceu a reforma administrativa do Estado. Embora, aqueles favoráveis à contratação de serviços jurídicos pela Administração Pública, argumentem que não se trata de Terceirização a prática adotada pelo Estado ao contratar particulares para o desempenho de tais funções, essa prática mascara o descompromisso do Estado em assumir sua responsabilidade diante do grave problema social que a falta de estruturação das Defensorias Públicas acarreta à sociedade.
A Emenda Constitucional nº 45/2004, infelizmente, não tornou eficaz o contido no parágrafo 2º de seu artigo 134, o que, uma vez cumprido pelos Estados da Federação, propiciará condições para que as Defensorias realizem sua verdadeira missão.
A prestação jurídica do Estado à sociedade é atividade fim, e, como tal, sendo atividade típica do Estado, jamais poderá ser transferida ao particular para desempenhá-la, mesmo que esse particular esteja vinculado ao Estado, através de contrato de prestação de serviço.
Mais uma vez o Estado maquia de legalidade seu descompromisso em cumprir de forma efetiva os princípios constitucionais, uma que, a Lei nº 8.666/1993 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos) contempla a realização de serviços ao Estado por particulares.
Porém, a Lei é clara, e, num rol taxativo, não prevê a terceirização de serviços jurídicos. É inquestionável a legalidade de que dispõem o Estado ao terceirizar determinados serviços, mas esses devem estar definidos na Lei de Licitações, o que, não ocorrendo, torna-se contrário ao disposto legal.
Outra realidade constatada nesse processo de contratação de serviços jurídicos pelo Estado, é a falta de melhor condição técnica como meio seletivo para avaliação dos contratados, pois, na maioria das vezes, contrata-se profissionais desqualificados e sem nenhuma experiência prática para o desempenho da função, mais especificamente para atuação na área jurídica para qual foi contratado, mesmo havendo licitação, pois o critério de seleção torna-se duvidoso, não selecionando os melhores, o que somente o concurso público é capaz de fazer, como abaixo será analisado.
Sendo atividade fim, a prestação de serviços jurídicos pelo Estado, deve ser desempenhado por funcionários públicos de carreira, e jamais por empregados públicos temporários e muito menos por aqueles que exercem função no Estado por meio de cargos comissionados, uma vez que, o vínculo que une tais empregados ao Estado, bem como ao verdadeiro destinatário da Administração Pública, a sociedade, é muito tênue.
Geralmente, tais contratados, além de prestarem serviço jurídico ao Estado, trabalham em seus escritórios particulares, fazendo do serviço prestado ao Estado, uma atividade secundária aos seus principais interesses. Ao contrário daqueles que adentram no Estado pela janela, ou pela porta dos fundos, o funcionário público de carreira, adentra ao serviço público pela porta da frente, pelo manto da verdadeira legalidade moral, que é o seu acesso ao serviço público mediante aprovação em concurso público, conforme mandamento constitucional contido no inciso II do artigo 37 da Carta Magna.
O Estado Brasileiro dispõem nos seus entes federativos, de servidores estruturados em carreiras no exercício das funções de assistências jurídicas, jamais justificando que sua omissão diante da falta de estrutura das Defensorias Públicas, permita que contrate particulares para a prestação de assistência jurídica, mesmo diante das dificuldades enfrentadas.
A falta de investimento no setor provoca na sociedade um verdadeiro descrédito na Justiça, fazendo com que o jargão popular, “a Justiça é só para rico”, seja uma triste realidade no país. Os defensores públicos no Brasil, estão além dos limites de suas capacidades laboriais, sobrecarregados de processos para prestarem assistência jurídica. Sobrecarregados e com salários que não condizem com a importância de suas funções, o desestímulo permeia suas carreiras, além do que, dificilmente encontram um meio para o aprimoramento científico de suas profissões.
A atividade jurisdicional prestada pelo Estado, seja no âmbito do Poder Judiciário ou do Poder Executivo, deve ser exercida por servidores públicos comprometidos com a tutela da coisa pública e, para isso devem exercer suas funções exclusivamente no Estado, através da dedicação integral de suas profissões à sociedade.
A Administração Pública afronta a Constituição Federal ao contratar pessoal para prestar serviço jurídico ao Estado, sem aprovação em concurso público e não alicerçando esse pessoal em carreiras públicas estruturadas, de modo à prestar a jurisdição na essência de sua finalidade. Perde a sociedade, mais especificamente, os miseráveis que não tem acesso à justiça.
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*Acadêmico do 6º período noturno da Faculdade de Direito de Curitiba
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