Inicialmente, a IN 38/2017, do Departamento de Registro Empresarial e Integração permitiu às Sociedades Limitadas a emissão de cotas preferencias – Anexo II, item 1.4, II, alínea "b", do Manual de Registro de Sociedades Limitadas:
1.4 REGENCIA SUPLETIVA DA LEI 6.404/76 (LEI DAS SOCIEDADES ANO^NIMAS)
O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima, conforme art. 1053, parágrafo único do Código Civil.
Para fins de registro na Junta Comercial, a regência supletiva:
I – poderá ser prevista de forma expressa; ou
II – presumir-se-á pela adoção de qualquer instituto próprio das sociedades anônimas, desde que compatível com a natureza da sociedade limitada, tais com:
a) Quotas em tesouraria;
b) Quotas preferenciais;
c) Conselho de Administração; e
d) Conselho Fiscal.
Todavia, sempre houve muita discussão quanto a essas quotas preferenciais na Sociedade Limitada, especialmente quanto à questão do direito ao voto, pois apesar do Código Civil admitir a existência de quotas desiguais (art. 1.055), parte da doutrina entendia que essa desigualdade dizia respeito apenas ao valor das quotas, no sentido de não ser possível restringir o direito a voto ao cotista da Sociedade Limitada.
Todavia, para dirimir a controvérsia, foi recentemente editada a IN 81, de 10 de junho de 2020, na qual o Departamento de Registro Empresarial e Integração previu expressamente, no item 5.3.1 do Anexo IV – Manual de Registro de Sociedade Limitada, a possibilidade de quotas preferenciais (sem direito a voto) nas Sociedades Limitadas:
5.3.1. Quotas preferenciais
São admitidas quotas de classes distintas, nas proporções e condições definidas no contrato social, que atribuam a seus titulares direitos econômicos e políticos diversos, podendo ser suprimido ou limitado o direito de voto pelo sócio titular da quota preferencial respectiva, observados os limites da lei 6.404, de 1976, aplicada supletivamente.
Havendo quotas preferenciais sem direito a voto, para efeito de cálculo dos quoruns de instalação e deliberação previstos no Código Civil consideram-se apenas as quotas com direito a voto.
Dessa forma, agora é expressa a autorização para que os sócios de uma Sociedade Limitada estipulem quotas distintas, podendo suprimir ou limitar o direito a voto, mas respeitando os limites da Lei das S.A.'s (lei 6.404/76).
Em regra, as quotas preferenciais são aquelas que conferem aos seus titulares vantagens patrimoniais e/ou privilégios especiais não atribuídos às demais quotas, acompanhadas, na maioria das vezes, de restrições ao direito de voto.
A nova IN também deixou claro o efeito da quota preferencial nos quóruns de votação da Sociedade Limitada: em havendo quotas preferenciais sem direito a voto, deve-se considerar apenas o capital votante, tanto para a instalação quanto para a deliberação, a exemplo do que já determina a lei 6.404/76.
A evolução normativa vem ao encontro da Lei da Liberdade Econômica (lei 13.874/2019) que prevê, em seu art. 3º, inciso VIII:
Art. 3º São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal: (...)
VIII - ter a garantia de que os negócios jurídicos empresariais paritários serão objeto de livre estipulação das partes pactuantes, de forma a aplicar todas as regras de direito empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado, exceto normas de ordem pública;
De igual modo, a IN 81/2020 também está em consonância com o art. 4º, inciso VII, da referida Lei da Liberdade Econômica, que prevê o dever da Administração de evitar o abuso do poder regulatório em relação às sociedades empresariais:
Art. 4º É dever da administração pública e das demais entidades que se vinculam a esta Lei, no exercício de regulamentação de norma pública pertencente à legislação sobre a qual esta Lei versa, exceto se em estrito cumprimento a previsão explícita em lei, evitar o abuso do poder regulatório de maneira a, indevidamente: (...)
VII - introduzir limites à livre formação de sociedades empresariais ou de atividades econômicas;
Pela sistemática atual, portanto, o uso de novas tecnologias e modelagens societárias tende a ser estimulado, e não impedido por entraves burocráticos ou regulatórios.
Essa mudança deve favorecer a estruturação de novos negócios e garantir às Sociedades Limitadas, especialmente as empresas menores ou que estejam iniciando, novas modalidades de investimento e financiamento, o que tende a ampliar a preferência pela utilização desse tipo societário.
Afinal, a possibilidade de se criarem, nas Sociedades Limitadas, quotas preferenciais, sem direito a voto, tende a facilitar a captação de recursos, no sentido de atrair investidores que não tem o objetivo de participar das deliberações e do dia-a-dia da empresa.
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*Daniel Petrarca é advogado e sócio do escritório Petrarca Advogados.
*Rafael Lobato é advogado colaborador do escritório Petrarca Advogados.