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Marcas, mineração, governança e o novo plano de negócios de Bill Gates

No momento pandêmico que vivemos, é interessante acompanhar a movimentação criativa de empresas que promoveram alterações temporárias em suas marcas para representar empatia e comprometimento às medidas de distanciamento social recomendadas pelas autoridades de saúde.

19/6/2020

Marcas são legalmente definidas como sinais distintivos visualmente perceptíveis. Podem simbolizar um produto ou serviço e serem, ainda, de alto renome ou notoriamente conhecidas1. Cores e representações gráficas se combinam de diversas maneiras para expressar identidade e originalidade, transmitindo ao destinatário, consumidor ou usuário, uma importante mensagem.

No momento pandêmico que vivemos, é interessante acompanhar a movimentação criativa de empresas que promoveram alterações temporárias em suas marcas para representar empatia e comprometimento às medidas de distanciamento social recomendadas pelas autoridades de saúde. Trata-se de tentativa de sensibilizar e cativar o público em um tempo em que os players de diversos segmentos econômicos se veem obrigados a reinventar medidas de interação social.

Assim, o tão famoso aperto de mãos do Mercado Livre foi substituído por cotovelos encostados; a Volkswagen distanciou as letras “V” e “W” de seu mundialmente conhecido escudo; a Audi afastou suas famosas argolas que, em vídeo divulgado pela empresa ao som de um sensor de aproximação, registram que o melhor sistema de segurança é cuidar uns dos outros; já o McDonald’s Brasil, em ação posteriormente suspensa pela matriz americana em decorrência de polêmicas envolvendo cuidados médicos com seus funcionários (motivo para reflexão apartada), havia separado suas famosas argolas amarelas2.

Fato é que marcas reforçam a ideia de qualidade e credibilidade e constituem importante ferramenta do processo contínuo de conquista e manutenção da confiança dos usuários, consumidores e colaboradores, buscando agregar valor ao negócio. O principal resultado prático? Fidelizar o público alvo a determinado projeto, produto, serviço ou empresa.

Ao aproximar esta percepção do segmento minerário, pode-se indicar que o resultado prático almejado pelos diferentes players econômicos é conquista inegável do setor mineral: somos todos fidelizados à mineração, sendo esta fidelização inerentemente conectada à essencialidade da atividade minerária.

A lista de elementos que exemplificam estes atributos de fidelização e essencialidade da mineração é extensa e engloba aspectos fundamentais para a preservação da vida3. Da cadeia alimentar à existência dos espaços físicos dos novos home offices; da infra estrutura de rede que nos permite realizar videoconferências que interligam continentes a partir de nossas próprias casas à composição de produtos saneantes que contribuem para a higienização de objetos e superfícies diversas; das opções de lazer e descanso que desfrutamos com tanta assiduidade atualmente, seja por meio dos aplicativos e plataformas de seriados, filmes e músicas até as páginas de um bom livro (seja ele de papel ou um e-book): nada disso seria possível sem atividade mineral.

E em meio às incertezas quanto ao momento em que teremos um medicamento eficaz ou uma vacina contra a covid-19, a premissa de partida é indubitável: a cura, prevenção ou tratamento da doença será viabilizada pela mineração que, por meio de sua matéria-prima, sustenta a pesquisa, produção e testagem das mais diversas soluções estudadas pelos cientistas ao redor do mundo. A exemplificação desta premissa é de conhecimento público: nanopartículas de ouro compõem testes rápidos de detecção de resposta imunológica do organismo humano à covid-19, mesmo que o corona vírus não esteja mais presente no corpo. Neste caso, o minério é fundamental para a confiabilidade do processo de testagem4.

Contudo, ainda que a indústria mineral perceba que somos todos a ela fidelizados (clientes garantidos!), esforços em prol do aprimoramento de procedimentos e melhorias de práticas de governança e transparência veem sendo continuamente desenvolvidos e atraindo a atenção de importantes visionários de mercado.

Por meio do fundo Breakthrough Energy Ventures, que conta com aporte robusto de capital de Bill Gates (e outro grandes nomes do mercado mundial, tais como Jeff Bezos da Amazon e Jack Ma da Alibaba), parte dos investimentos estão sendo direcionados para a startup KoBold Metals e para a empresa Lilac Solutions, que buscam desenvolver soluções e processos de mineração cada vez mais responsáveis nas esferas social e ambiental5.

A KoBold, por exemplo, pretende, por meio de inteligência artificial, buscar e prospectar áreas com potencial mineral sobretudo para cobalto e viabilizar que o mineral seja extraído em processos socialmente responsáveis (o histórico de exploração do mineral na República Democrática do Congo compreende conflitos sociais e mão-de-obra infantil). O mercado já demanda cadeias de suprimento mineral “limpas” e entre os players que demonstram essa preocupação, constam grandes empresas como Apple e Samsung6.

O aporte de investimentos de Bill Gates almeja igualmente impulsionar práticas de eficiência energética e de produção que não fomentem ou contribuam para o aquecimento global.

Ao se direcionar o foco para o panorama brasileiro, é satisfatório reconhecer que o Plano Nacional de Mineração-2030 (documento preparado pelo governo em 2011, contendo propostas, políticas e planejamento para os setores energético e mineral brasileiros até o ano de 2030) apresenta fina sintonia com a tendência de mercado mineral financiada por Bill Gates.

As diretivas reproduzidas no PNM-2030 conclamam que “a mineração e a transformação mineral, entre outros setores, terão que ser proativas na descarbonização de seus processos produtivos, o que geralmente passa por maior eficiência energética.7

Dentre os cenários prováveis e visão de futuro apresentadas pela PNM-2030, destaque é conferido a (I) mudanças nos costumes e valores, incluindo novos perfis de consumo; (II) interface da geologia, da mineração e da transformação mineral com as mudanças climáticas e (III) configuração da consciência ambiental e suas repercussões sobre a atividade mineral.8

Frente a estes aspectos, o governo brasileiro entende que “deverá contribuir neste desafio, induzindo, incentivando e apoiando as iniciativas da indústria mineral9.” Considerando que o PNM-2030 contempla um horizonte de aproximadamente 20 anos de projeções e planos para o segmento mineral brasileiro, é razoável perceber que estamos no meio do caminho e que muito ainda há que ser feito.

Contudo, a visão de futuro registrada pelo Brasil em 2011 por meio da publicação do PNM-2030 não é mais futuro: é o presente.

De fato, os consumidores estão cada vez mais conscientes acerca da qualidade ambiental e social dos processos produtivos e o setor extrativo mineral, “essencial por essência”10, deve cada vez mais fomentar ações e absorver práticas que estejam alinhadas a essas expectativas.

É preciso avançar continuamente e nenhum setor econômico (por mais essencial que seja) pode se desprender dessa percepção. Por mais louváveis que sejam as medidas de alterações temporárias na representação gráfica de marcas (que esperamos sejam rapidamente redesenhadas para suas concepções originais), medidas de melhoria em processos de transparência e responsabilidade ambiental e social não serão temporárias e vieram para ficar.

Práticas de governança voltadas à responsabilidade corporativa em relação a aspectos sociais e ambientais devem cada vez mais integrar a rotina dos players do segmento minerário (de grande, médio e pequeno porte). Desse modo, as externalidades positivas do negócio serão marcas registradas do setor, sem que nenhuma alteração em sua representação gráfica se faça necessária.

Bill Gates está pronto para começar.

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1 Brasil. Lei federal 9.279/96. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Disponível clicando aqui. Acesso em: 02.06.20.

2 Época Negócios. Covid-19: marcas mudam logos para conscientizar sobre distanciamento social. Disponível clicando aqui. Acesso em 31.05.20.

3 Sugere-se aqui a leitura do excelente trabalho desenvolvido pela Mining Association of Canada acerca da aplicação da mineração em nosso dia a dia. Disponível clicando aqui.

4 Mining Weekly. Gold has a role to play in Covid-19 testing toolbox. Disponível clicando aquiAcesso em: 15.05.20.

5 SmartCompany. Bill Gates and Richard Branson have their sights on the mining sector — and investment opportunities for startups abound. Disponível clicando aquiAcesso em: 30.05.20.

6 Quartz. Andreessen and Gates invest in an AI startup that’s looking for ethical cobalt. Disponível clicando aqui. Acesso em: 03.06.20.

7 Brasil. Plano Nacional de Mineração 2030. Pág. 61. Disponível clicando aqui. Acesso em: 10.04.20.

8 Ibidem. Pág. 71 e 72.

9 Ibidem. Pág. 61.

10 Portal da Mineração. Secretário Alexandre Vidigal afirma em artigo que ‘mineração é essencial por essência’. Disponível clicando aqui. Acesso em: 30.04.20.

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*Gabriela Salazar é advogada da área Minerária do Azevedo Sette Advogados.

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