Na semana do meio ambiente foi colocada em consulta pública uma proposta de “termo de compromisso para implementação de ações voltadas à economia circular e logística reversa de embalagens em geral” entre algumas empresas dos setores de bebidas e alimentos e o governo federal.
Entre os compromissos das empresas proponentes está o aumento da reciclabilidade das embalagens plásticas e da quantidade de embalagens plásticas retornáveis colocadas no mercado, assim como o aumento tanto da taxa de reciclagem das embalagens em geral (vidro, plástico, metal e papel) como de seu conteúdo de material reciclado.
A definição excessivamente abrangente e inoperacional de economia circular adotada pela minuta do contrato, somada à inespecificidade de como aferir o cumprimento dos pretendidos compromissos, permitem associar a história (recente) da expressão com a história (um pouco mais antiga) da noção de desenvolvimento sustentável.
No fim do século passado e no início do atual, o mundo testemunhou a institucionalização do conceito de desenvolvimento sustentável. Originado em debates teóricos do pós-guerras a respeito dos efeitos negativos da atividade econômica sobre o meio ambiente e a qualidade de vida humana, o conceito alcançou a arena política e encontrou lugar em documentos oficiais, inclusive no âmbito internacional, espalhou-se rapidamente pelos mais diversos ramos do conhecimento e consolidou-se no discurso empresarial, mesmo sem consenso sobre o que ele significa e como pode ser medido.
Pois bem, economia circular é o novo desenvolvimento sustentável.
Em artigo científico de 2017, pesquisadores da Universidade de Utrecht, na Holanda, reportaram uma análise de 114 definições de economia circular, concluindo que, apesar do conceito ter ganhado força entre acadêmicos e profissionais, ele significa coisas muito diferentes para diferentes pessoas. (Julian Kirchherr, Denise Reike, Marko Hekkert, “Conceptualizing the circular economy: an analysis of 114 definitions”, Resources, Conservation and Recycling 127 (2017), 221-232 - Clique aqui)
Apesar dessa indefinição, a economia circular costuma ser conceituada em oposição à chamada economia linear. Nesta, são extraídos da natureza os recursos de que a economia necessita para funcionar e que, depois de utilizados para satisfazer as necessidades humanas, são jogados fora de volta ao ambiente na forma de resíduos. Já na economia circular, o jogar fora e, a rigor, a própria noção de resíduo desaparecem, pois a ideia inicial é fechar o ciclo dos coisas criadas pelo homem e reaproveitar os materiais e as substâncias que as compõem de modo a que circulem infinitamente pelo circuito econômico, em mimetismo aos ciclos da natureza.
Não à toa, a economia circular costuma ser debatida no contexto das discussões sobre a política pública ambiental de resíduos, notadamente quanto à regulação da reciclagem e daquilo que, no Brasil, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) instituída pela lei federal 12.305/10 chama de logística reversa, no fundo um dever de assegurar o retorno de produtos e embalagens em fim de vida da esfera do consumidor para a esfera do setor empresarial que os colocam no mercado para reaproveitamento nos ciclos produtivos.
A consecução da circularidade depende de uma série de fatores, entre os quais alterações no modo como produzimos as coisas. Por exemplo, é impossível reciclar algo que não é feito para ser reciclado. Nesse sentido, a economia circular vai muito além da questão dos resíduos, alcançando temas como o ecodesign de produtos e substâncias químicas, como mostram documentos oficiais da União Europeia, tanto políticos como legislativos.
No Brasil, o mote do ciclo de vida é uma constante da PNRS, a qual regula os produtos tanto no “nascimento” como na “morte” deles, quando passam a se chamar resíduos. Quanto à concepção dos produtos e das embalagens, regras sobre ecodesign são encontradas no art. 31, I, e no art. 32 da PNRS, respectivamente. Entre as exigências da lei está a de que produtos e embalagens sejam desenvolvidos, projetados e fabricados de modo a serem reutilizáveis e recicláveis no fim de vida. Na prática, entretanto, essas exigências têm sido “letra morta” por carência de regulamentação pelo Poder Executivo nesses quase dez anos de PNRS.
Faltando três meses para o décimo aniversário da lei, a manifestação de empresas em firmar o termo de compromisso com o governo federal rompe com a inércia regulatória do Poder Público, abrindo caminho para a regulação do ecodesign de outros produtos, mas deixa dúvidas sobre como medir a economia circular ante a amplitude conceitual, escondendo os desafios – técnicos, econômicos e jurídicos – para sua implementação.
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*Tasso Alexandre Richetti Pires Cipriano é associado do Felsberg Advogados nas áreas Ambiental e Saneamento.