O fenômeno da urbanização, acentuado no Brasil no começo do século XX, trouxe desafios aos entes públicos no trato das questões referentes ao desenvolvimento de infraestrutura e medidas sanitárias visando à saúde da população. Uma das medidas necessárias foi a implantação de órgãos de acompanhamento e regulação para o fornecimento de água e coleta de esgoto.
Os Estados brasileiros, em regra, por uma questão de logística e administração, têm a praxe de realizar concessões a empresas para o gerenciamento e a exploração desse tipo de serviço público.
Dentre as atividades desempenhadas pelas concessionárias está o fornecimento de água e a coleta de esgoto das unidades residenciais, comerciais e fabris, assim como a medição do volume utilizado e a cobrança pela prestação de tais serviços.
Contudo, tem sido praxe comum às concessionárias a estipulação de cobranças de taxa de esgoto por mera estimativa de consumo, especialmente nas unidades que não utilizam o fornecimento de água por possuírem poço artesiano, seja por falta de instalação do equipamento de medição – hidrômetro – ou pela falta da leitura periódica deste.
Não se pode esquecer que a relação entabulada entre a concessionária e o sujeito que dela utiliza os serviços é, notadamente, uma relação de consumo, conforme preceitos insculpidos nos arts. 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor 1.
Desse modo, a cobrança de taxa de coleta de esgoto por estimativa é ilegal e abusiva, impondo ao consumidor desvantagem exagerada, nos termos do art. 51, IV, do CDC 2, bem como possibilitando vantagem excessiva à concessionária (art. 39, V, do CDC 3), importando em verdadeiro enriquecimento ilícito. Inclusive porque é obrigação da concessionária a instalação e a leitura periódica dos hidrômetros.
A base de cálculo para aferir o volume esgotado deve considerar o volume efetivamente despejado pelas unidades consumidoras, especialmente as condominiais residenciais, haja vista ser relevante a diferença econômica ao se definir, arbitrariamente, um valor que se deduz ser utilizado, sem embasamento fático.
Diante da inexistência de aferição do volume esgotado, por ausência de equipamento ou de leitura deste, existem normas específicas que dão um direcionamento acerca da forma de cobrança.
Por exemplo, no estado de Pernambuco, o fornecimento de água e coleta de esgoto é de competência de concessionária denominada Companhia Pernambucana de Saneamento – COMPESA, sendo a regulação do serviço prevista no decreto estadual 18.251, de 21/12/1994.
Há previsão na referida norma estadual quanto à ausência de hidrômetro e/ou leitura deste, momento no qual a concessionária deverá proceder à cobrança da taxa de esgoto de acordo com as tarifas mínimas de água, observando a variação entre 40% e 100% entre as tarifas 4.
A existência da variação percentual diz respeito a uma série de fatores que também influenciam, diretamente, na medição do volume esgotado, dentre eles, pode-se destacar a ocorrência de evaporação da água e do escoamento para galerias pluviais.
Dessa forma, o decreto estadual alhures mencionado dispõe que, não havendo medidor instalado, ou não se fazendo a sua leitura, a base da tarifa de esgoto deve equivaler ao consumo de água em 10m3 (dez metros cúbicos) por economia residencial 5, se aplicado o percentual máximo de 100%.
Também há, no decreto estadual, a previsão de cobrança por estimativa, entretanto, o Poder Judiciário Brasileiro, sobretudo, o Superior Tribunal de Justiça, em entendimento consolidado, aduz ser ilegal a cobrança por estimativa de consumo por ensejar enriquecimento ilícito da concessionária, tendo em vista que a obrigação de instalação de hidrômetro e realização da leitura é desta prestadora de serviços, devendo, no caso de inexistência de qualquer deles, ser o consumidor cobrado pela tarifa mínima 6.
Os demais tribunais pátrios, de igual forma, têm se manifestado pela ilegalidade da tarifa de água/esgoto apurada com base em estimativa de consumo, quando não há hidrômetro instalado, por não corresponder ao serviço efetivamente consumido 7.
Os reflexos econômicos da cobrança da taxa de esgoto por estimativa são significativos, tendo em vista que o consumidor paga um valor arbitrariamente estimado, muitas vezes a maior, por um serviço que não é efetivamente prestado. Essa diferença entre o valor cobrado e o efetivamente devido torna-se considerável quando se imagina um universo de um prédio residencial com cerca de 30 unidades residenciais, o que não é incomum para os padrões atuais, no qual não é realizada qualquer leitura de hidrômetro e/ou sequer o tem instalado.
Deve-se chamar atenção o fato de que, por ser uma prestadora de serviços, nos termos do art. 3º do CDC, a atuação da Concessionária atrai a aplicação da responsabilidade objetiva.
O instituto da responsabilidade objetiva, a seu turno, acarreta uma série de consequências jurídicas para a relação. A primeira delas é conceitual e intrínseca à sua própria definição e diz respeito à possibilidade de responsabilização da Concessionária, independentemente da existência de culpa, pelos danos causados aos consumidores por serviços prestados de forma defeituosa, a exemplo da cobrança ilegal de taxa de esgoto por estimativa de consumo.
Outra consequência jurídica que se pode destacar é a possibilidade de restituição dos valores pagos a maior, com correção monetária e juros, calculados sobre a diferença do valor pago e do valor devido durante o período em que a cobrança da taxa se deu por estimativa, compreendendo os dez anos anteriores ao ingresso de demanda judicial.
É importante mencionar, ainda, que, como consequência jurídica, há a possibilidade de que a concessionária seja obrigada a instalar o hidrômetro na unidade do consumidor e realizar a sua leitura, a fim de que seja realizada a readequação das cobranças e possa o consumidor pagar pelo que, efetivamente, é devido.
Assim, o consumidor, especialmente o residente em unidade residencial condominial que faça uso de poço artesiano, deve estar atento à cobrança realizada pela concessionária de coleta de esgoto, pois pode estar sendo cobrado de forma abusiva e ilegal, em dissonância do que determina o ordenamento jurídico e do que entendem os tribunais, afrontando os seus direitos consumeristas.
Conclui-se, desse modo, que a ilegalidade da cobrança de taxa de esgoto por estimativa de consumo é uma realidade no ordenamento jurídico brasileiro e, diante da sua constatação, é direito do consumidor buscar meios de ser ressarcido dos prejuízos sofridos pela prestação de serviço defeituoso por parte da concessionária.
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1 Art. 2°, lei 8.078/90. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final; Art. 3°, lei 8.078/90. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
2 Art. 51, lei 8.078/90. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...) IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.
3 Art. 39, lei 8.098/90. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (...) V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
4 Art. 53, decreto 18.251/1994 - As tarifas de esgotos serão fixadas entre 40% e 100% das tarifas de água, em função da origem e natureza dos investimentos necessários à implantação, operação e manutenção dos serviços. (Redação dada pelo decreto 34.028 de 14 de outubro de 2009).
5 Art. 72, decreto 18.251/1994. A fatura mínima por unidade será equivalente ao valor fixado para o volume de 10m3 (dez metros cúbicos) de cada categoria.
6 Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.513.218/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe 13/3/2015.
7 Tribunal de Justiça de Pernambuco. Apelação 461639-10042156-30.2015.8.17.0001, Rel. Eduardo Augusto Paura Peres, 6ª Câmara Cível, julgado em 11/9/2018, DJe 26/9/2018.
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*Eveline Andrade é advogada (UFPE) do escritório Leite e Emerenciano Advogados; pós-graduanda em Direito Empresarial (FGV).