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Judicialização na pandemia

O próprio bom senso recomenda que, se for colocado na balança o bem-estar coletivo na prevenção e cuidados com a doença em confronto com a recuperação econômica, com toda certeza, o pêndulo oscilará em favor da promoção do bem maior representado pela vida humana.

14/6/2020

Tem-se noticiado, até com certa frequência, que a Justiça, atendendo pedido formulado em ação proposta pelo Ministério Público ou até mesmo por associação comercial, vem suspendendo decretos de governadores e prefeitos que, seguindo um plano de flexibilização, determinam a abertura de atividades comerciais ou profissionais consideradas não essenciais pela regulamentação prevista na lei 13.979, de fevereiro de 2020, regulamentada, posteriormente, pelos decretos 10.281/2020 e 10.329/2020. Observando que este último incluiu decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade 6341, no questionamento feito à Medida Provisória 926/20, que dirimiu a atribuição das três esferas governamentais a respeito da interpretação a ser dada sobre serviços públicos e atividades essenciais.

Ao mesmo tempo em que a Covid-19 provoca um número expressivo de pessoas contaminadas – dando a impressão que é um ataque sem fim – a ausência de uniformização entre os governos Federal, estadual e municipal, principalmente de uma meta a ser perseguida pelo Ministério da Saúde, provoca um verdadeiro caos, dificultando e em muito a tomada de decisão conveniente e proporcional às diferenças existentes no país. Sem falar que o vírus, apesar do todo o esforço da comunidade científica mundial, ainda é imbatível. Sem remédio e sem vacina. E a Organização Mundial de Saúde, por sua vez, divulga notícia duvidosa a respeito da sua propagação com relação às pessoas assintomáticas. Clima de total incerteza.

Se, de um lado os gestores públicos preocupam-se com o retorno da normalização da vida laboral e financeira - que merece a devida atenção sem qualquer dúvida - por outro tem que sopesar que ainda são ascendentes os índices de infectados, exigindo uma desdobrada cautela para a flexibilização pretendida. Virtus in medio, já preconizava Aristóteles.

Neste quadro, os prefeitos e governadores, com o nítido intuito de favorecer a atividade financeira, editam decretos permitindo a abertura de atividades consideradas não essenciais e provocam, inesperadamente, um congestionamento de pessoas que se aglomeram cada vez mais nos transportes coletivos e ruas das cidades, desprezando o perigo que ronda a vida de cada uma.

É justamente neste espaço, para acudir as necessidades protetivas do cidadão, que a jurisdição é chamada para intervir.

Isto porque, na visão antropocêntrica do mundo, vive-se o renascimento da cultura humanística onde o homem surge como destinatário único e exclusivo da tutela geral do Estado para que possa viver em condições mais apropriadas e desfrutar a dignidade em sua plenitude. O Judiciário, em razão do princípio da inafastabilidade da apreciação judicial previsto no artigo 5º, XXXV, da Lei Maior, passa a ser o catalisador das pretensões relacionadas com o direito à saúde dos cidadãos e o responsável para dirimir os conflitos existentes entre eles e os representantes públicos das três esferas.

O Judiciário, ao contrário do gestor público, apreciará a questão levando-se em consideração o preceito constitucional da dignidade humana em sua modalidade mais ampla, um dos alicerces da Carta Magna. Assim, na visível colidência de interesses, irá atender aquele que patrocina a vida humana em todas as suas nuances, sempre entregando uma decisão que seja adequada e protetiva para o bem-estar coletivo, retirando-o do estágio de vulnerabilidade e seguindo as recomendações científicas comprovadas e idôneas.  

O que se tem visto é que a abertura das atividades não essenciais não vem sendo gradativa como apregoada e o excesso de pessoas nas ruas e comércio passa a comprometer o distanciamento social e também a taxa de ocupação hospitalar, responsável pelo acolhimento dos futuros pacientes. Daí o consequente aumento de contaminados e óbitos registrados. Diante de tal situação, plenamente justificada a intervenção do Judiciário visando aparar os excessos que poderão trazer prejuízo para o agrupamento humano.

O próprio bom senso recomenda que, se for colocado na balança o bem-estar coletivo na prevenção e cuidados com a doença em confronto com a recuperação econômica, com toda certeza, o pêndulo oscilará em favor da promoção do bem maior representado pela vida humana.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de justiça aposentado/SP, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, reitor da Unorp, advogado.

 

 

 

 

 

 

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