Em apertada síntese, o presente artigo tem por objetivo elucidar pontos relativos à possibilidade, ou não, da transformação de um acordo individual de redução de salário e jornada em acordo individual de suspensão do contrato de trabalho, sobretudo no caso de empregadora que tenha optado por firmar a primeira modalidade contratual (redução de jornada e salário) em meio à pandemia ocasionada pelo covid-19, mas que agora não vislumbra um pronto retorno do setor econômico correspondente, inexistindo expectativa de se atingir patamares mínimos de faturamento que possibilitem a manutenção do negócio e, bem assim, dos contratos de trabalho ativos.
I. CONTEXTUALIZAÇÃO NECESSÁRIA
Visando alcançar uma conclusão quanto a indagação tema deste artigo, precisaremos antes contextualizar a questão. Como sabemos, a pandemia do novo coronavírus (covid-19), espalhada por quase todo o globo, trouxe a tona uma crise mundial sanitária sem precedentes, e que vem afetando todos os setores da economia, fazendo com que empresas desenvolvam medidas alternativas trabalhistas, tributárias, societárias, cíveis etc., visando driblar a grave crise econômica em curso.
Da mesma forma, o Poder Público também tem buscado alternativas e criado medidas que que tentam evitar o total colapso da economia. Dentre tais medidas, o Governo federal editou a MP 927, de 22 de março de 2020, prevendo algumas flexibilizações na legislação laboral porquanto durarem os efeitos da pandemia, possibilitando, por exemplo, a transformação do regime presencial em teletrabalho com menor burocracia; a utilização do banco de horas; a concessão de férias coletivas; a antecipação de férias individuais; o diferimento do recolhimento do FGTS; e dando outras diretrizes.
Sem dúvidas, a novidade mais significativa trazida pela MP 927 é o patamar que a negociação direta entre empresa e empregado ganha, com força superior a dispositivos legais, o que podemos encontrar no artigo 2º da medida, prevendo que "Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregado e o empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição".
Ou seja, durante a vigência do estado de calamidade pública decretado em decorrência da pandemia do novo coronavírus, o empregador, com o intuito de garantir a permanência do vínculo de emprego, poderá convencionar direta e individualmente com seu empregado, de modo que tal avença prevalecerá sobre quaisquer dispositivos normativos, tais como a CLT, Acordos Coletivos de Trabalho (ACT) e Convenções Coletivas (CCT), desde que, claro, respeitados os limites constitucionais.
Na mesma linha, e pouco após a entrada em vigor da MP 927, houve a publicação da MP 936, em 1º de abril de 2020, conhecida como "MP dos Salários", instituindo o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e igualmente dispondo sobre medidas trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo decreto legislativo 6, de 20 de março de 2020.
Em suma, o texto da MP 936 permite que empregadores de todo o país suspendam os contratos de trabalho ou pactuem com seus empregados uma redução na jornada e no salário de até 70%, de modo que o Governo federal pagará o percentual de redução ou da suspensão com base no valor do seguro desemprego, cujo teto é R$ 1.813,00.
A redução poderá ser firmada tanto por acordo coletivo (com a participação do sindicato profissional e com abrangência a todos os empregados da mesma categoria na empresa) quanto por acordo individual diretamente entre empresa e empregado. Nesse último caso, o empregador deverá encaminhar a proposta ao funcionário com dois dias de antecedência da data de início da redução e o acordo deverá ser formalizado entre as partes e comunicado ao sindicato. Após o encerramento do estado de calamidade pública, ou da data estabelecida no acordo individual, ou ainda da data em que a empresa comunicar ao funcionário sobre a decisão de antecipar o fim do período de redução, a jornada de trabalho original e o salário pago antes da redução devem ser restabelecidos em até dois dias.
Os percentuais de redução podem ser estabelecidos, por até 90 dias, em 25%, 50% ou 70%. O primeiro percentual (25%) poderá ser firmado com todos os empregados e mediante acordo individual. Para os demais (50% e 70%) a redução também será por acordo individual, mas só poderá ser acordada com empregados com salário igual ou inferior a R$ 3.135 (três salários mínimos) ou hiperssuficientes (portadores de diploma em curso superior e com salário superior a R$ 12.202,12). Para os demais empregados, a redução somente poderá ser ajustada em convenção ou acordo coletivo de trabalho.
O Governo federal complementará o valor da redução salarial. O empregado que tiver ajustado a redução do salário receberá benefício emergencial de preservação do emprego e da renda, que é calculado com base no valor do seguro-desemprego. Por exemplo, se a redução for de 25%, o empregado terá 25% do valor que receberia como seguro-desemprego.
Já no caso da suspensão do contrato de trabalho, que poderá durar até 60 dias (podendo ser divididos em até dois períodos de 30 dias), para quem recebe até 3 salários mínimos (R$ 3.135,00) ou for hiperssuficiente (portador de diploma em curso superior e com salário maior que R$ 12.202,12) também há a possibilidade de se firmar acordo individual. Nos demais casos, será necessário convenção ou acordo coletivo de trabalho instituindo a suspensão.
Para o pagamento dos salários no período de suspensão do contrato, em empresas com até R$ 4,8 milhões de receita bruta anual, o governo pagará valor equivalente a 100% do seguro-desemprego ao empregado. Já nas empresas com receita bruta superior a R$ 4,8 milhões, o governo pagará um valor equivalente a 70% do seguro-desemprego, e a empresa fica responsável pelo pagamento do valor equivalente a 30% do salário do empregado.
Lembrando que, para que o empregado tenha direito ao benefício emergencial em ambos os casos acima, as empresas deverão informar à Secretaria do Trabalho do Ministério da Economia a redução da jornada de trabalho e do salário ou a suspensão do contrato de trabalho dentro de 10 dias contados da celebração do acordo. A primeira parcela será paga em 30 dias, contados do acordo também. A comunicação do acordo pelas empresas deverá ser feita através do link: Clique aqui.
Dessa forma, imbuídas no espírito das medidas publicadas e autorizadas pela via normativa a adotarem as modalidades contratuais nelas estampadas, empresas de todo o país passaram a acordar individualmente com seus empregados, estabelecendo reduções nas respectivas jornadas e consequentemente nos salários, bem como, em outros casos, optando pela suspensão dos contratos de trabalho dos trabalhadores.
II. DA POSSIBILIDADE DE TRANSFORMAÇÃO DE UM ACORDO PARA REDUÇÃO DE TRABALHO E JORNADA EM SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO E VICE-VERSA
A questão, tema de nosso artigo, surge quando, uma vez acordada a redução de jornada e salário, ou a suspensão do contrato laboral, o empregador decide ou necessita promover a alteração de um para outro instituto (redução para suspensão ou vice e versa).
Há notícias de que o Congresso poderá abrir uma brecha, com aval do Governo, para ampliar o período máximo dos acordos de redução de jornada e salário previstos pela MP 9361 2, o que dependerá de articulação com o Executivo e discussão do assunto nos próximos dias dentro das respectivas casas legislativas.
Contudo, enquanto a prorrogação de tais limites temporais é somente uma pauta legislativa, o que vale é o disposto no texto da MP, ou seja, prazo máximo de 90 dias para a redução das jornadas e salários e 60 dias para a suspensão dos contratos de trabalho.
Especificamente sobre a possibilidade de transformação de um acordo em outro, ou de se firmar um novo acordo prevendo outra alternativa (ex.: acordo de redução de jornada e salário para suspensão do contrato, ou vice e versa), a MP 936 autoriza, no nosso entender, tal prática, conforme art. 16, que assim dispõe:
"Art. 16. O tempo máximo de redução proporcional de jornada e de salário e de suspensão temporária do contrato de trabalho, ainda que sucessivos, não poderá ser superior a noventa dias, respeitado o prazo máximo de que trata o art. 8º."
O comando acima menciona a possibilidade de se adotar os dois tipos de acordo, "ainda que sucessivos", desde que o prazo de vigência de ambos os acordos, juntos, não ultrapasse 90 dias, respeitado o prazo máximo de 60 dias para a suspensão.
Assim, como exemplo, caso uma empresa tenha firmado acordo de redução de jornada e salário com validade entre 15/4 e 15/6 (60 dias), poderá firmar um novo contrato de suspensão do contrato de trabalho com validade entre 16/6 e 16/7 (30 dias), totalizando 90 dias ao todo.
Em uma análise inicial, vislumbra-se que é possível se alterar a modalidade contratual no curso da vigência de um contrato ainda não vencido. Contudo, como há um tempo mínimo entre a informação das empresas ao Governo e o início do pagamento do benefício emergencial (30 dias), é temeroso que o trâmite de processamento das informações demore, de modo que, bem por isso, o menos arriscado seria aguardar o encerramento da vigência do primeiro acordo firmado para, após, avençar outro.
Mas, claro, caso não seja possível aguardar o encerramento de um acordo para o firmamento de outro, entendemos que há muitos argumentos para que se promova tal alteração, sendo que seria medida de bom alvitre nesse caso a formalização de novo aditivo (contrato individual) onde expressamente e de forma bem redigida conste o encerramento formal da redução de jornada/salarial, e o início do período da suspensão, com a imediata comunicação ao Governo federal sobre cancelamento de um e início de outro.
Ainda, por não ser possível atestar como o Governo Federal irá processar os pagamentos diante da alteração, é recomendável que o empregado seja comunicado por escrito com dois dias de antecedência do fim da redução de jornada/salário (nos termos do parágrafo único do artigo 7º da referida MP 936) e do início da suspensão (conforme parágrafo primeiro do artigo 8º da mesma MP, e ainda, claro, que assine o novo acordo).
Da mesma forma deverão as empresas proceder, mesmo que optem por aguardar o término do acordo em vigor, já que deverão formalmente comunicar o empregado do novo acordo dois dias antes de seu início.
III. DA CONCLUSÃO
Diante das breves considerações acima, concluímos que, salvo melhor juízo, é possível a substituição de um acordo individual de redução de jornada e salário por um acordo de suspensão do contrato de trabalho, e vice-versa.
Concluímos, também, que a MP 936, condiciona, de qualquer forma, a possibilidade de se adotar os dois tipos de acordo, "ainda que sucessivos", a um limite temporal de 90 dias entre a vigência de ambos os acordos, juntos, e desde que respeitado o prazo máximo de 60 dias para a suspensão.
Destacamos que entendemos, também, ser plenamente possível a alteraração da modalidade contratual no curso da vigência de um contrato ainda não vencido mas que, diante da existência de um tempo mínimo entre a informação das empresas ao Governo e o início do pagamento do benefício emergencial (30 dias), é temeroso que o trâmite de processamento das informações pelo Governo Federal demore, de modo que, bem por isso, o menos arriscado seria aguardar o encerramento da vigência do primeiro acordo firmado para, após, avençar outro. Mas, claro, caso não seja possível aguardar o encerramento de um acordo para o firmamento de outro, há muitos argumentos para que se promova tal alteração, sendo que seria recomendável nesse caso a formalização de um novo aditivo (contrato individual) onde expressamente e de forma bem redigida conste o encerramento formal da redução de jornada/salário, e o início do período da suspensão, com a imediata comunicação ao Governo federal sobre cancelamento de um e início de outro
1 Disponível aqui. Consulta realizada em 12/5/2020.
2 Disponível aqui. Consulta realizada em 12/5/2020.
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