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Projeto de lei poderá burocratizar pedido de recuperação judicial

Para aprovação de uma lei é necessário que ela seja votada em cada casa do Congresso Nacional (Senado e Câmara dos Deputados) para que depois haja a sanção presidencial.

4/6/2020

A Constituição Federal prevê que deputados e senadores detêm competência para proposição de projetos de lei em âmbito nacional, sejam para criação de leis ordinárias ou complementares.

Para aprovação de uma lei é necessário que ela seja votada em cada casa do Congresso Nacional (Senado e Câmara dos Deputados) para que depois haja a sanção presidencial. É de se esperar que uma lei aprovada seja benéfica para a população em geral e que sejam observados os princípios gerais da administração pública, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, ainda, que preveja situações do nosso cotidiano para atingir sua finalidade.

Contudo, muitas vezes, são criadas leis que prejudicam a população em geral, empresas ou alteram alguma lei já considerada eficaz.

Após o surgimento do covid-19 foram propostos diversos projetos de lei que, a meu ver, são pouco úteis. Dentre eles, está o projeto de lei de 1.397/20 de autoria do deputado Federal Hugo Leal, que visa instituir medidas de caráter emergencial mediante alteração, de caráter transitório, de dispositivos da lei 11.101/05 (Lei de Recuperação Judicial e Falências), enquanto estiver vigente o estado de calamidade pública em razão da pandemia causada pela covid-19.

O projeto de lei irá burocratizar alguns procedimentos da Lei de Recuperação Judicial e Falências o que, inevitavelmente, poderá prorrogar a duração desse processo.

Os pontos mais polêmicos são: (I) Sistema de Prevenção à Insolvência; (II) Suspensão por 60 dias de atos de constrição contra empresas; (III) Implementação de negociação preventiva, sem qualquer possibilidade de resposta, qualquer tipo de averiguação ou perícia sobre o pedido de negociação preventiva.

O sistema de prevenção à insolvência já é previsto na lei 11.101/05, ao possibilitar o pedido de Recuperação Judicial de sociedades empresárias, produtores rurais, que visam continuidade da atividade empresarial, manutenção de postos de trabalho e superação da crise econômico-financeira.

A suspensão de atos de constrição pelo período de 60 dias em uma fase preliminar de negociação irá atrasar ainda mais a análise do Pedido de Recuperação Judicial, bem como poderá agravar a situação financeira das empresas em dificuldade.

Isso porque, com a adoção de medidas de isolamento para o combate a Pandemia poucos segmentos do comércio mantêm sua atividade comercial e estão em pleno funcionamento. Cabe destacar que diversos setores tiveram queda de faturamento ou até mesmo zeraram suas receitas.

Além disso, o projeto de lei prevê uma possibilidade de negociação prévia antes do ajuizamento da medida judicial, que deverá ser apreciado pelo Juízo Competente que poderá processar o pedido de Recuperação Judicial. Inclusive, esse artigo ofende à Constituição Federal, pois não se pode vedar a apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

A negociação prévia e outras medidas do projeto de lei somente irão burocratizar o pedido de Recuperação Judicial com a negociação prévia o que irá aditar a análise do processamento do pedido e abarrotar o trabalho do Poder Judiciário.

Não há necessidade de alteração da lei 11.101/05 pois, atualmente, o devedor em crise poderá ajuizar a Recuperação Judicial diretamente, desde que cumpra os requisitos legais e apresente a documentação que comprove sua precária situação financeira.

Ora, se o devedor realiza o pedido de Recuperação Judicial é porque já restaram infrutíferas tentativas de negociação extrajudicial com seus credores.

Com o pedido de Recuperação Judicial feito diretamente, sem qualquer exigência prévia de pré-negociação ou nenhuma outra burocracia, como é hoje, só há vantagens aos devedores e credores.

Apresentado o Pedido de Recuperação Judicial, verificado que foram preenchidos os requisitos legais, o Juiz deverá suspender as ações e execuções promovidas contra o devedor pelo prazo de 180 dias, que pode ser prorrogado, e estipula o prazo de 60 dias para apresentação do plano de Recuperação Judicial.

A suspensão blinda o patrimônio do devedor, evitando-se atos de constrição contra o ele, visando que elabore seu plano de Recuperação Judicial e apresente proposta viável para satisfação de seus credores de forma organizada, plano de pagamento e concessão de descontos e demonstração de sua capacidade da superação da crise e manutenção da atividade empresarial.

Em poucas palavras, é visível que a proposta de alteração legislativa não traz nada que acrescente ao processo de Recuperação Judicial, pois já existem medidas de proteção de devedores e satisfação de credores.

O fato é que a crise econômico-financeira agravada pelo covid-19 fechará diversas empresas no país, especialmente pela adoção das medidas de isolamento por Governadores e Prefeitos de diversas localidades no Brasil.

O Poder Legislativo deveria se preocupar em criar medidas efetivas para criação de linhas de crédito para empresas ou concessão de incentivos fiscais que auxiliam a recuperação da economia ao invés de tentar alterar uma lei que já funciona.

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*Carlos Deneszczuk é sócio fundador da DASA Advogados.

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