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Sandboxes e o desafio regulatório no mercado de capitais brasileiro

Em linhas gerais, sandboxes são ambientes de autorização temporária que permitem a pessoas jurídicas testar modelos de negócio inovadores, sem que se incorra em infrações.

3/6/2020

Entrou em vigor nesta segunda-feira, 1º de junho, a instrução CVM 626, que dispõe acerca das regras para constituição e funcionamento do sandbox regulatório no Mercado de Capitais brasileiro1. Aprovada no último dia 15 de maio pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a instrução é o primeiro dispositivo a tratar do tema no país.

Em linhas gerais, sandboxes são ambientes de autorização temporária que permitem a pessoas jurídicas testar modelos de negócio inovadores, sem que se incorra em infrações. O termo é comumente utilizado na ciência da computação para referir uma estratégia de gerenciamento realizada com o objetivo de isolar certas aplicações dos demais recursos do sistema2. Com isso, cria-se uma barreira de proteção que, por um lado, permite a experimentação de aplicações inovadoras, e, por outro, evita qualquer comprometimento com o sistema existente além daquele limite.

É nesse espírito que o sandbox entra no direito regulatório. Ao mesmo tempo em que estimula o florescimento de soluções inovadoras para o mercado, faz com que haja certo laboratório para a mais adequada regulação das novas atividades após a fase teste. Serve, assim, como um protótipo da norma para que se chegue em um resultado final mais adequado para aquele novo segmento.

O instituto é recente no Brasil, mas o Mercado de Capitais não é o primeiro a institucionalizá-lo. Em março deste ano o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) aprovou, pela resolução 381, o primeiro sandbox regulatório do país, aplicável ao setor de seguros3.

Já no exterior, o Reino Unido é reconhecido internacionalmente pela pioneira implantação de sandboxes regulatórios. Em 2015, a agência reguladora FCA lançou relatório modelo acerca da análise do instituto, implementação e recomendações4. Desde 2016, o modelo é vigente naquele país5.

Segundo o Observatório da Faculdade de Negócios da Universidade americana de Columbia, há ao menos 25 países com documentos em vigor referentes a sandboxes regulatórios - além de 20 países cujos documentos constam como "em tramitação", ou ao menos com anúncio de intenções de promulgação6.

Verifica-se, assim, uma recente tendência nacional e internacional na criação de inéditas políticas públicas para acompanharem o desenvolvimento de tecnologias de inovação.

Não é por acaso a eclosão de debates, palestras, seminários (mais recentemente substituídos por webinars) e outros esforços conjuntos entre o mundo jurídico e o de negócios para melhor compreender tais transformações. Temas como disrupção, Direito 4.0, economias de compartilhamento, e outros correlatos, propulsionam inúmeras indagações, principalmente dada a dificuldade de dimensionamento dos impactos das novas regulações advindas desses fenômenos.

Regular ou não regular? – eis o permanente dilema. Parte substancial das críticas endereçadas à intensa atividade reguladora ocorrem em razão de, na maioria das vezes, voltar-se a combater a crise anterior, em vez da próxima7.

Esse distorcido olhar pelo retrovisor é potencialmente desastroso e pode ser analisado sob a ótica da Teoria da Escolha Pública (Public Choice Theory8), segundo a qual agentes reguladores são inevitavelmente dotados de racionalidade limitada e não se transformam simplesmente em gênios omniscientes a partir do momento em que assumem tal papel9.

Portanto, a adoção de institutos flexíveis de experimentação - balizados pela atuação das agências competentes - tende ao aumento da segurança jurídica das atividades, ao fomento à inovação e ao aprimoramento do arcabouço regulatório aplicável a estes novos modelos. Sandboxes, assim, podem ser instrumentos importantes para fazer frente ao desafio da adequada regulação.

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7  DEWATRIPOINT, Mathias; ROCHET, Jean-Charles; TIROLE, Jean. Balancing the Banks: Global Lessons from the Financial Crisis. Trad. Keith Tribe. Princeton: Princeton University Press, 2010. p. 8.

8 “A teoria da escolha pública é uma teoria positive de grupos de interesse políticos que aplica as perspectivas microeconômicas de trocas no mercado a problemas políticos e de definição de políticas”. Tradução livre de: “Public choice theory is a positive theory of interest group politics that applies the microeconomic perspectives of market exchange to political and policy problems”. (DARITY JR., William. Encyclopedia of Social Sciences, vol. 6, 2nd. ed. Detroit: Macmillan Reference USA, 2008. p. 606).

9 “Uma das principais ideias da Teoria da Escolha Pública é que consumidores mal informados e imperfeitos não se tornam gênios oniscientes quando estão a votar. Eles são essencialmente a mesma pessoa, ainda que em razão da configuração institucional e dos diferentes incentivos possam comportar-se diferentemente. A questão é: dada a maneira como seres humanos pensam a respeito das suas escolhas, e escolhem, o que pode ser dito em correspondência entre as expectativas de analistas quanto ao processo democrático e os efetivos resultados que podemos observar?” Tradução livre de: “One of the key insights of Public Choice is that poorly informed and imperfect consumers do not become omniscient geniuses when they go to vote. They are essentially the same person, though since the institutional settings and incentives differ the actual behavior may be different. The question is given the way human beings think about choices, and choose, what can be said about correspondence between analysts’ hopes for democratic processes and the actual outcomes we observe?” (KEECH, William; MUNGER, Michael. The Anatomy of Government Failure. In: Public Choice, vol. 164, 2015. p. 31).

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*Gabriela Wallau é professora de Direito Empresarial na PUC/RS. Doutora em Direito Privado pela UFRGS. Advogada no escritório Estevez Advogados.




*Laura Sanchotene Guimarães é mestranda na Hult International Business School. Advogada no escritório Estevez Advogados.

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