O judiciário nos Estados Unidos
Antonio Pessoa Cardoso*
Registre-se que a maioria das leis americanas é de competência dos respectivos estados e, portanto, a definição sobre crimes, por exemplo, compete a cada unidade federada. Por outro lado, há leis exclusivamente de âmbito federal, a exemplo da que regula o comércio interestadual e internacional.
Outro fator significativo e causador de maior agilidade no sistema americano é a divisão de funções entre a jurisdição e a administração; aquela de competência dos magistrados, esta de alçada de profissionais qualificados para a gestão pública, apesar de vinculados ao Judiciário.
Na área judiciária, a especialização é a regra. É o caso do Tribunal de Ações Federais (U.S.Court of Federal Claims), destinado a resolver as ações monetárias movidas contra o País; o Tribunal de Comércio Internacional (U.S. Court of International Trade), apto para o julgamento das ações cíveis contra os Estados Unidos, contra o governo federal, seus funcionários, quando embutida, no caso, qualquer lei referente ao comércio internacional. O Tribunal de Recursos da Circunscrição Federal dos Estados Unidos (U.S. Court of Appeals for the Federal Circuit) é exceção à regra de especialização, no âmbito federal. A jurisdição deste tribunal alcança recursos do Tribunal de Ações Federais e do Tribunal de Comércio Internacional, além dos apelos de todos os tribunais de recursos, quando as demandas tiverem como origem leis de patentes. Há ainda Tribunal de Recursos para as Forças Armadas (U.S. Court of Appeals for the Armed Forces), Tribunal de Recursos para os Ex-Combatentes (U.S. Court of Veterans Appeals), Tribunal Fiscal dos Estados Unidos (U.S. Tax Court), Varas de Falência e Concordatas (U.S. Bankruptcy Courts).
No ano de 2002 existiam 665 juizes distritais, 179 juizes nos tribunais de apelação e 09 ministros na Suprema Corte; junta-se mais 324 juizes de falência e 540 magistrados em período integral ou semi-integral.
Diferentemente do Brasil, onde os órgãos administrativos criam mais demandas do que o jurisdicionado, nos Estados Unidos, os órgãos do governo federal fiscalizam a aplicação das leis e, quando há violação do direito do cidadão, é convocado um juiz de legislação administrativa (administrative law judge – ALJ) que se encarrega de verificar o caso e julgá-lo. Recurso desta decisão pode ser levado a uma junta ou comissão designada pelo órgão que emitiu a norma questionada. Os Tribunais Federais de Recursos constituem a última instância para definição final da demanda. Normalmente o Tribunal do Distrito de Colúmbia recebe a maior parte desses recursos.
O Poder Judiciário nos Estados Unidos é organizado de forma diversa na área federal e estadual. Os juizes federais não são escolhidos por eleição, mas de nomeação exclusiva do Presidente da República com participação do Senado federal e da Ordem dos Advogados (ABA). Os juizes de tribunais federais ocupam o cargo em caráter vitalício. Não há critério específico para a seleção, apesar de o costume mostrar que a escolha recaia sempre em alguém com experiência jurídica e com idade superior a 35 anos. A carreira não guarda semelhança com o que acontece no Brasil, pois o juiz é nomeado para determinada comarca sem possibilidade de ascensão.
Nos estados a situação é diferente, porque variada a nomeação dos juizes; enquanto muitos optam pela escolha, através de eleições, outros admitem apontamento pelo chefe do executivo e há unidades federadas que adotam a indicação pelo Legislativo.
A Justiça federal é dividida em 13 circuitos regionais, incluído aí o Circuito Federal de Washington. São 94 cortes federais de primeira instância nos 50 estados e no Distrito de Colúmbia; existe, no mínimo, um juízo de primeira instância nos pequenos estados e mais de um nas unidades federadas maiores.
Causas cíveis ou criminais são submetidas aos jurados, através do júri, presidido por um juiz; as primeiras desde que alcancem determinado valor, enquanto as criminais com pena de prisão em abstrato de, no mínimo, seis meses. As testemunhas somente serão ouvidas se tiverem conhecimento de fatos concretos, não lhes sendo permitido falar do que souberem por ouvir dizer. Ademais, as questões a serem discutidas na audiência estão definidas no roteiro traçado dias antes da diligência. O âmbito da prova, portanto, é limitado.
A ação na área cível começa com a reclamação do autor e manifestação do réu no prazo que lhe será concedido. Segue-se a instrução do processo que não acontece no tribunal, mas obrigação das partes. Se não houver necessidade de provas, qualquer das partes pode pedir imediato julgamento, mas antes deste o tribunal fixa os pontos a serem decididos. Também aqui se instala o júri, composto de <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="6 a">6 a 12 jurados, escolhidos aleatoriamente e recusados, como no crime, pelas partes. Evita-se o júri se as partes concordarem em ser julgado por um juiz. Depois que o autor apresenta suas provas, o réu é convidado para fazer a contra-prova. Se as provas do requerente não forem consistentes o caso encerra-se aí mesmo. Seguem-se as manifestações finais das partes e o juiz passa a explicar aos jurados a lei a ser aplicada. No cível pode haver decisão por maioria.
Os atos ocorridos nas audiências são gravados eletronicamente e, portanto, desnecessária a transcrição resumida e ditada pelo juiz.
A sentença é baseada no entendimento de um juiz, mas deve ser assinada por pelo menos dois membros da junta. Recursos são encaminhados aos tribunais de última instância ou tribunais de recursos (U.S. Courts of Appeals), denominadas de circunscrições (U.S. Circuit Courts), que cobrem doze circunscrições judiciárias, incluindo o Tribunal Federal de Recurso do Distrito de Colúmbia (U.S.Court of Appeals for the District of Columbia) (D.C.Circuit). Cada um desses tribunais julga recursos dos juízos de primeira instância. Eventualmente, decisões dessas cortes podem ser levadas para a Suprema Corte (U.S. Supreme Court).
Como no Brasil, a acusação deve ser mais precisa do que na área cível. No que se refere ao ônus da prova, o critério é semelhante ao nosso, pois para que haja condenação indispensável a certeza de culpa do acusado. A absolvição quase que inviabiliza recurso para a acusação, no crime, permissão admitida no cível.
Interessante é que as causas criminais se processam mais rapidamente do que as demandas cíveis. A realidade dos julgamentos criminais, maçantes e lentos, é bem diferente do que apresentam os filmes americanos, mostrando muita dramaticidade e dinâmica.
O processo criminal americano é destacado pelo “devido processo legal”, ou seja, os inúmeros direitos do criminoso perante o juiz, encarregado de administrar o julgamento; ao júri compete apreciar as provas para condenação e às partes mostram suas versões na forma da lei. Os pequenos delitos não exigem participação de advogados. Diferentemente do nosso júri, nos Estados Unidos, na maioria das jurisdições, somente haverá condenação se houver unanimidade. A defesa e a acusação podem recusar o jurado que considerar injusto no julgamento. O réu não está obrigado a depor contra si mesmo; foi o que ocorreu com o célebre caso de O. J. Simpson.
O júri funciona da seguinte forma: declarações da acusação e da defesa; provas da acusação e da defesa. O julgamento pode ser encerrado se o juiz entender que a prova apresentada pela promotoria não demonstra o cometimento do crime. Novas provas da acusação podem ser apresentadas para contrariar aquelas mostradas pela defesa. Em seguida, as partes apresentam suas motivações finais e o júri declara o réu culpado ou inocente de cada acusação apresentada. Se o veredicto for de inocente, o réu ganha a liberdade; se culpado, segue a sentença a ser proferida em audiência designada com esta finalidade. A sentença é antecedida de investigação e relatório. Após a sentença o tribunal determina a pena e a forma como será cumprida. O recurso que, em certos casos, poderá ser apreciado até pela Suprema Corte, é a última fase do processo.
O principal órgão do judiciário federal é a Conferência Judicial dos Estados Unidos, competente para estabelecer a política administrativa e legislativa do judiciário federal. A Conferência é chefiada pelo Presidente da Suprema Corte, composta ainda pelos presidentes de cada tribunal regional, por um juiz de primeira instância eleito por cada tribunal regional, mais o juiz presidente do Tribunal de Comércio Internacional, no total de 26 membros. O treinamento dos juizes e dos funcionários é promovido pelo Centro Judicial Federal que se encarrega também da investigação e estudos relacionados com a administração da justiça federal. A política e procedimentos relacionados com a imposição de penas são de competência da Comissão para Imposição de Penas. Dos sete membros deste órgão três são selecionados pelo Presidente da Suprema Corte entre nomes indicados pela Conferência Judicial.
O Conselho Judicial é órgão chefiado pelo presidente do Tribunal Regional Federal e destina-se a administrar e fiscalizar os tribunais regionais federais, de conformidade com as decisões da Conferência Judicial. Cabe-lhe ainda selecionar os jurados, promover a defesa dos que não podem custear despesas judiciais, solucionar o acúmulo de processos e fixar regras processuais locais. Há ainda a figura do juiz diretor do foro, geralmente o mais antigo e podendo ficar no cargo por até sete anos.
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*Desembargador do TJ/BA
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