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Súmula vinculante STF 58 versus o direito ao crédito de IPI decorrente da aquisição de insumos provenientes da Zona Franca de Manaus

Embora recente, a referida súmula vinculante já tem sido invocada pela União Federal em processos judiciais em curso, com o intuito de sustentar a ilegitimidade do crédito de IPI nos casos de aquisição de insumos isentos provenientes da Zona Franca de Manaus.

26/5/2020

Em 07 de maio de 2020, foi publicada a súmula vinculante 58 que foi aprovada, por maioria de votos, em sessão virtual do Plenário do Supremo Tribunal Federal (“STF”) com a seguinte redação: "inexiste direito a crédito presumido de IPI relativamente à entrada de insumos isentos, sujeitos à alíquota zero ou não tributáveis, o que não contraria o princípio da não cumulatividade".

Embora recente, a referida súmula vinculante já tem sido invocada pela União Federal em processos judiciais em curso, com o intuito de sustentar a ilegitimidade do crédito de IPI nos casos de aquisição de insumos isentos provenientes da Zona Franca de Manaus.

Ao invocar a aplicação da súmula vinculante 58 aos casos envolvendo o crédito de IPI na aquisição de insumos provenientes da Zona Franca de Manaus, a União Federal acaba por ignorar a tese firmada recentemente pelo próprio STF, sob o regime de repercussão geral, no julgamento do recurso extraordinário 592.891/SP (Tema 322). É o que passamos a analisar e demonstrar.

Primeiramente, cumpre destacar que a proposta que deu origem à súmula vinculante 58 (PSV 26) foi apresentada em 2009 pela presidência do STF. À época, a Suprema Corte entendeu que referida proposta preenchia os requisitos legais para ser apreciada, na medida em que seria “pacífica a orientação jurisprudencial desta Casa no sentido de que não há direito ao crédito de IPI em relação à aquisição de insumos não tributados ou sujeitos à alíquota zero”.

Neste contexto, para aprovar a súmula vinculante 58, o STF levou em consideração diversos precedentes do próprio Tribunal, tais como os julgamentos dos recursos extraordinários 353.657/PR (2008); 370.682/SC (2007); 501.641/AL (2007); 407.823/MG (2007); 371.964/RS (2007); 352.854/PR (2007); e 566.819/RS (2011), nos quais restou decidido que inexiste direito a crédito de IPI nas hipóteses em que o insumo é adquirido à alíquota zero, não é tributado ou é isento de tributação.

Importante destacar que, a partir de uma análise mais detida dos referidos precedentes, verifica-se que nenhum deles trata da situação específica envolvendo insumos beneficiados por incentivos regionais - como é o caso da Zona Franca de Manaus.

O direito ao crédito relativo a insumos adquiridos da Zona Franca de Manaus distingue-se dos casos genéricos de creditamento de IPI decorrente de entradas isentas, não tributadas ou sujeitas à alíquota zero. Para esses ‘casos genéricos’, o raciocínio aplicado pelo STF (nos precedentes referidos acima) decorre do fato de ter sido ou não cobrado o imposto na etapa anterior para que se possa averiguar a legitimidade do respectivo direito creditório.

Diferentemente, nos casos envolvendo a isenção do IPI a produtos industrializados na Zona Franca de Manaus, a relevância está na própria natureza e no objetivo do incentivo regional. Isso decorre, inclusive, da forma como o próprio legislador constituinte idealizou e criou a Zona Franca de Manaus.

Tanto é assim que a distinção entre os ‘casos genéricos’ e os casos específicos envolvendo a aquisição de insumos isentos provenientes da Zona Franca de Manaus foi reforçada pelo próprio STF no julgamento do recurso extraordinário 592.891/SP (tema 322), acima referido, ocorrido sob o regime de repercussão geral em abril de 2019. É o que se depreende, a título ilustrativo, da seguinte passagem do acórdão em referência:

O fato de os produtos serem oriundos da Zona Franca de Manaus reveste-se de particularidade suficiente a distinguir o presente feito dos anteriores julgados do Supremo Tribunal Federal sobre o creditamento do IPI quando em jogo medidas desonerativas. O tratamento constitucional conferido aos incentivos fiscais direcionados para sub-região de Manaus é especialíssimo. A isenção do IPI em prol do desenvolvimento da região é de interesse da federação como um todo, pois este desenvolvimento é, na verdade, da nação brasileira. A peculiaridade desta sistemática reclama exegese teleológica, de modo a assegurar a concretização da finalidade pretendida. À luz do postulado da razoabilidade, a regra da não cumulatividade esculpida no artigo 153, § 3º, II da Constituição, se compreendida como uma exigência de crédito presumido para creditamento diante de toda e qualquer isenção, cede espaço para a realização da igualdade, do pacto federativo, dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil e da soberania nacional.

Em seu voto, a ministra Rosa Weber, relatora do recurso extraordinário 592.891/SP, no que foi acompanhada pela maioria dos ministros do Plenário do STF, destacou que “o tratamento constitucional diferenciado da Zona Franca de Manaus é uma consubstanciação do pacto federativo, e com isso a isenção do IPI direcionada para a Zona Franca, mantida pela Constituição, é uma isenção em prol do federalismo”. Ainda, nas palavras da ministra, o fato de os insumos isentos serem provenientes da Zona Franca de Manaus é uma “cláusula de exceção à orientação geral firmada por esta Corte quanto à não cumulatividade do IPI”.

Esse é, portanto, o contexto sob o qual o STF recentemente reconheceu que o tratamento a ser conferido à Zona Franca de Manaus é excepcional, fixando a seguinte tese de repercussão geral: “Há direito ao creditamento de IPI na entrada de insumos, matéria-prima e material de embalagem adquiridos junto à Zona Franca de Manaus sob o regime de isenção, considerada a previsão de incentivos regionais constante do art. 43, § 2º, III, da Constituição Federal, combinada com o comando do art. 40 do ADCT”.

Isso ocorreu em julgamento realizado exatamente um ano antes da aprovação da súmula vinculante 58.

E mais, contra o acórdão proferido no RE 592.891/SP, a União Federal opôs embargos de declaração, os quais foram rejeitados ainda mais recentemente pelo STF (em fevereiro deste ano), mantendo assim inalterado o acórdão em referência, o qual deve transitar em julgado em breve.

É por essas razões que os contribuintes receberam com certa surpresa a edição da súmula vinculante 58, que assentou que "inexiste direito a crédito presumido de IPI relativamente à entrada de insumos isentos, sujeitos à alíquota zero ou não tributáveis, o que não contraria o princípio da não cumulatividade" - sem, contudo, fazer qualquer ressalva quanto à situação excepcional envolvendo os insumos isentos adquiridos da Zona Franca de Manaus (ou sequer em outras áreas contempladas por incentivo regional).

É inegável que a súmula vinculante 58 traz insegurança jurídica – a partir de uma análise superficial e sem considerar o contexto acima – e gera dúvidas sobre o direito ao crédito do IPI na aquisição de insumos isentos provenientes da Zona Franca de Manaus.

Porém, como demonstrado, uma análise mais detida dos precedentes que deram origem à referida Súmula - que, como visto, tratam da inexistência do direito ao crédito de IPI em casos que NÃO dizem respeito à Zona Franca de Manaus - combinada com a leitura da tese firmada no julgamento do RE 592.891/SP, impõe a conclusão de que a súmula vinculante 58 não deve ser aplicada aos casos envolvendo a aquisição de insumos provenientes da Zona Franca de Manaus.

É essa a solução que se espera seja dada pelo Poder Judiciário ao enfrentar essa aparente incompatibilidade entre a súmula vinculante 58 e o direito ao crédito de IPI na aquisição de insumos isentos provenientes da Zona Franca de Manaus.

Não é demais lembrar que os magistrados, ao aplicar (ou deixar de aplicar) súmulas vinculantes, devem realizar o cotejo entre a súmula, os julgados que a embasaram e o caso concreto sob sua análise, em observância ao que prevê o artigo 489, §1º, V, do Código de Processo Civil1.

Portanto, parece-nos evidente que a súmula vinculante 58 do STF não se aplica indistintamente a todo e qualquer caso que envolva o direito ao crédito de IPI, já que não se pode ignorar a orientação recente daquela mesma Corte a respeito dos créditos de IPI relativos a insumos oriundos da Zona Franca de Manaus (RE 592.891/SP - Tema 322).

Sem prejuízo de as diversas instâncias do Poder Judiciário virem a afastar a aplicação indiscriminada dessa Súmula, conforme visto acima, parece-nos fundamental que, de ofício ou por provocação dos respectivos legitimados, o STF revise a sua redação, de forma a excepcionar expressamente as situações envolvendo incentivos regionais, em especial a isenção do IPI aos produtos industrializados na Zona Franca de Manaus.

Enquanto não houver a revisão da redação da súmula vinculante 58, nos casos envolvendo o direito ao crédito de IPI na aquisição de insumos provenientes da Zona Franca de Manaus em que houver a aplicação equivocada de mencionada Súmula, poderá o contribuinte provocar a intervenção do STF por meio de reclamação a esse Tribunal Superior, nos termos do artigo 988, IV, do Código de Processo Civil2, c/c o artigo 7º da lei 11.457/063.

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1 “Art. 489. São elementos essenciais da sentença: § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: [...] V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; [...].”

2 “Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para: [...] IV – garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência; [...]”

3 “Art. 7º Da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação.”

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*Mauricio de Carvalho Silveira Bueno é sócio do escritório Huck Otranto Camargo.




*Ana Flora Vaz Lobato Diaz é sócia do escritório Huck Otranto Camargo.




*Barbara Weg é sócia do escritório Huck Otranto Camargo.

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