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Contribuição sindical criada em acordo coletivo fere princípio de livre afiliação

Diante do fim da cobrança compulsória do imposto sindical, entidades criam maneiras de perpetuar a cobrança compulsória

21/5/2020

Com a entrada em vigor da lei 13.467/17 (Reforma Trabalhista), a chamada contribuição sindical, antes tratada como tributo, deixou de ser obrigatória. A lei alterou, dentre outros, os artigos 578, 579 e 582 da Consolidação das Leis do Trabalho, estabelecendo a liberdade do empregado em concordar ou não com o desconto da contribuição em seu salário.

Essa alteração criou um cenário bastante desfavorável aos sindicatos, já que no Brasil sempre houve a tradição histórica de custeio compulsório da entidade sindical, tanto por trabalhadores quanto por empregadores. De uma hora para outra, cessou a entrada de expressivo valor nas contas das entidades sindicais como forma de bancar seus custos operacionais.

A alteração legislativa teve como finalidade transformar os sindicatos num ente mais próximo de seus representados, mais atuante em favor daqueles, na medida em que passariam a ter de convencer o trabalhador ou o empregador da importância e das vantagens de se contribuir espontaneamente para a entidade sindical de sua categoria. Porém, na contramão do que o legislador vislumbrou, os sindicatos vêm buscando, a todo custo, alternativas para restabelecer a obrigatoriedade da contribuição sindical.

Ao tentar criar outras contribuições compulsórias, dos mais diversos títulos, por meio de Convenções Coletivas de Trabalho, cujas contribuições, os sindicatos acabam por afastar ainda mais seus representados. Essas manifestações são ofensivas ao direito de livre associação e sindicalização, constitucionalmente assegurado ao trabalhador e/ou empregador.

Há caso de Convenção Coletiva que aumentou vertiginosamente o valor do piso salarial da categoria, impondo às empresas, dentre outras coisas, o pagamento de uma “contribuição negocial” acaso quisessem continuar pagando o piso salarial anterior, sem aumento.

É importante lembrar que o chamado “imposto sindical” não acabou. Simplesmente deixou de ser obrigatório e passou a ser facultativo, na medida em que a empresa somente pode descontar do salário do empregado que concordar prévia e expressamente.

Não se pode ignorar a importância dos sindicatos dos Trabalhadores, já que o desequilíbrio na relação trabalhista entre patrões e empregados quase sempre impede que o trabalhador, sozinho, busque a aplicação dos seus direitos. Entretanto, para fazer esta representação, sindicatos não podem criar e impor contribuições – mesmo com a anuência do sindicato patronal - com a justificativa de arcar com os custos da sua atuação, independentemente da filiação desses trabalhadores.

Com relação às diversas contribuições criadas por meio de Convenção ou Acordo Coletivo, dentre elas a assistencial, é importante citar a decisão proferida pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Recurso Extraordinário, processo ARE 1.018.459, cujo Acórdão foi publicado em 10.03.17.

Na citada decisão, o STF sustentou que os Acordos e Convenções Coletivas de Trabalho não podem, por exemplo, impor o desconto de contribuições assistenciais de empregados não filiados ao sindicato respectivo. Esta decisão do STF tem efeito de Repercussão Geral, ou seja, deve ser aplicada pelos magistrados em todas as instâncias inferiores.

No que se refere à Contribuição Confederativa, ela segue o mesmo raciocínio, ou seja, somente pode ser descontada do empregado filiado ao Sindicato, aplicando-se a súmula vinculante 40 do STF que prescreve: “A contribuição confederativa de que trata o art. 8º, IV, da Constituição Federal, só é exigível dos filiados ao sindicato respectivo”.

Portanto, tanto a contribuição assistencial como a confederativa somente podem ser compulsoriamente descontadas do empregado que for filiado ao sindicato.

Neste sentido, inclusive, é o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST), conforme orientação jurisprudencial 17 da Seção de Dissídios Coletivos – SDC:

17. CONTRIBUIÇÕES PARA ENTIDADES SINDICAIS. INCONSTITUCIONALIDADE DE SUA EXTENSÃO A NÃO ASSOCIADOS.

As cláusulas coletivas que estabeleçam contribuição em favor de entidade sindical, a qualquer título, obrigando trabalhadores não sindicalizados, são ofensivas ao direito de livre associação e sindicalização, constitucionalmente assegurado, e, portanto, nulas, sendo passíveis de devolução, por via própria, os respectivos valores eventualmente descontados.

Também no mesmo sentido é o precedente normativo 119, também do C. Tribunal Superior do Trabalho, que assim dispõe:

Nº 119 CONTRIBUIÇÕES SINDICAIS - INOBSERVÂNCIA DE PRECEITOS CONSTITUCIONAIS

"A Constituição da República, em seus arts. , XX e , V, assegura o direito de livre associação e sindicalização. É ofensiva a essa modalidade de liberdade cláusula constante de acordo, convenção coletiva ou sentença normativa estabelecendo contribuição em favor de entidade sindical a título de taxa para custeio do sistema confederativo, assistencial, revigoramento ou fortalecimento sindical e outras da mesma espécie, obrigando trabalhadores não sindicalizados. Sendo nulas as estipulações que inobservem tal restrição, tornam-se passíveis de devolução os valores irregularmente descontados."

É preciso lembrar que o STF decidiu, em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn 5794), a constitucionalidade do ponto da Reforma Trabalhista que extinguiu a obrigatoriedade da contribuição sindical. Segundo o entendimento do STF neste julgamento, não se pode admitir que a contribuição sindical seja imposta a trabalhadores e empregadores quando a Constituição determina que ninguém é obrigado a se filiar ou a se manter filiado a uma entidade sindical.

Com o fim, portanto, da obrigatoriedade do pagamento da contribuição sindical, seria legítimo aos Sindicatos inserir nos acordos ou convenções coletivas estas ou outras contribuições compulsórias a serem pagas por empregados, filiados ou não? 

Neste aspecto, é importante fazer destaque para o quanto dispõe o inciso XXVI do artigo 611-B da CLT, com vigência a partir da lei 13.467/17:

Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos:

...

Inciso XXVI – liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.

A conclusão que se chega ao se deparar com o citado dispositivo celetista é que sem a prévia e expressa autorização do empregado, os sindicatos não podem fazer qualquer cobrança, independentemente de ser ou não o empregado filiado ao sindicato, cuja cláusula, se inserida no bojo das convenções ou acordos coletivos, é notoriamente ilícita.

Acresça-se que as assembleias (ainda que cumpridas todas as formalidades legais) não podem substituir a vontade individual de cada empregado por total falta de previsão legal. O texto legal, ao contrário, estabelece que a vontade deve ser manifestada pelos empregados (individualmente) de forma prévia e expressa.

Portanto, as contribuições criadas em assembleias de sindicatos de empregados ou empregadores com desconto automático no salário dos trabalhadores, são totalmente ilegais e não devem ser acatadas pelas empresas, já que não representam a vontade individual, prévia e expressa de cada empregado. 

A súmula vinculante 40 do C. STF, a orientação jurisprudencial 17 da Seção de Dissídios Coletivos do E. TST, bem assim seu precedente normativo 119, portanto, continuam em plena vigência, ainda que editados antes da lei 13.467/17. 

Por fim, a indagação que permanece é sobre a contribuição devida pelo empregador. Os sindicatos patronais podem cobrar contribuições das empresas, sejam elas associadas ou não? Sobre a contribuição sindical patronal, que antes era obrigatória, também passou a ser facultativa, conforme previsão contida no artigo 587 da CLT:

Art. 587. Os empregadores que optarem pelo recolhimento da contribuição sindical deverão fazê-lo no mês de janeiro de cada ano, ou, para os que venham a se estabelecer após o referido mês, na ocasião em que requererem às repartições o registro ou a licença para o exercício da respectiva atividade.

Para as demais contribuições, como a assistencial e a confederativa, o raciocínio é o mesmo. Se o empregador for filiado ao seu sindicato patronal, estará ele sujeito ao pagamento dessa contribuição, mas, se não é, o sindicato não pode cobrá-lo, em observância à liberdade sindical, prevista nos artigos 5º, XX, e 8º, V, da Constituição Federal.

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*Simone Varanelli Lopes Marino é expert em Direito do Trabalho, pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho e advogada do escritório Morais Andrade Leandrin Molina Advogados.

*Sérgio Ricardo do Nascimento Cardim é expert em relações sindicais. Atuante no mundo corporativo atendendo empresas dos setores petrolífero, midiático, têxtil, logístico e de construção civil. Advogado do escritório Morais Andrade Leandrin Molina Advogados.

 

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